quinta-feira, 7 de abril de 2016

Quando teremos outro Afonso Pena?

Enquanto o futuro não chega e o presente permanece travado, o que há para fazer é olhar o passado em busca de referências e recorrências. Quem não conhece a História será para sempre um menino, afirmou Cícero.

Vou falar hoje de um certo ex-presidente, Afonso Pena, que governou entre 1906 e 1909. A princípio ele não parece ter nada de extraordinário. Sua figura nada fotogênica parece destinada a enfeitar uma daquelas galerias de fotos em preto-e-branco de ex-presidentes que enfeitam as paredes de clubes. Mas duas coisas eu me lembro de haver lido a respeito dele. Uma, que seu ministério era apelidado de Jardim da Infância em razão da pouca idade de seus ministros. Outra, de que ele foi o único presidente brasileiro que morreu de tanto trabalhar.

De trabalhar, Afonso Pena tinha que gostar mesmo. Não era filho de grandes fazendeiros de café, mas de um modesto imigrante português, e teve que dar bastante de seu tempo atrás do balcão da botica do pai antes de ter recursos para vir à capital estudar. Embora eleito presidente dentro dos protocolos da política do café-com-leite, sua gestão não se prendeu de todo aos interesses desta política. Gostava de conduzir as coisas à sua maneira, e sabia separar política de administração, conforme suas palavras:

Na distribuição das pastas não me preocupei com a política, pois essa direção me cabe, segundo as boas normas do regime. Os ministros executarão meu pensamento. Quem faz a política sou eu.


A essa altura já dá para perceber que o apelido depreciativo de Jardim da Infância dado aos ministros de Afonso Pena nada mais era do que despeito por ele haver montado seu ministério sem ouvir indicações de ninguém, nomeando técnicos jovens e desconhecidos, tendo como critério somente a competência. E deu certo, pois seu governo de apenas três anos foi de muitos empreendimentos. Pela primeira vez a Amazônia foi ligada ao Rio de Janeiro por fios telegráficos. Ampliou a malha ferroviária, e pela primeira vez o sudeste foi ligado ao sul do país por trem. Abriu o país ao povoamento, e incentivou a imigração: além de aumentar o número de imigrantes europeus, é de seu governo também a assinatura do tratado que permitiu o início da imigração japonesa. Também modernizou o exército e a marinha com a aquisição de modernos couraçados, e sua lei do serviço militar está vigente até hoje. Mas em razão de não aceitar indicações e apadrinhamentos, terminou politicamente isolado e não conseguiu fazer seu sucessor. Na crise que se seguiu foi aberto um hiato na política do café-com-leite, que só seria restabelecida sob Wenceslau Braz (1914-18).

Era exigente no trato com sua equipe e mantinha uma rotina de trabalho rigorosa para sua idade avançada, em razão da qual terminou por adoecer e faleceu antes de terminar o mandato. Passados mais de cem anos, Afonso Pena surge como uma curiosidade do passado, uma singularidade de nossa História. Ele fez exatamente o contrário do que tem sido feito pelos governos do presente, com seu séquito de dezenas de ministérios de duvidosa utilidade ocupados por turbas de apadrinhados da base aliada, quase sempre desconhecidos sem familiaridade alguma com as pastas que ocupam. A política parece ter triunfado galhardamente sobre a administração, e o que é pior, ninguém demonstra achar isso errado.

Quando teremos outro Afonso Pena?

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