quarta-feira, 28 de julho de 2021

A Ditadura Perfeita

As notícias relatando protestos de rua em Cuba causaram-me surpresa. Não foi muitos dias atrás, e alguns apressados até comemoraram a próxima queda do regime iniciado por Fidel Castro, mas até agora ninguém sabe dizer exatamente o que aconteceu, nem como terminou. O fantástico, porém, foi aqueles protestos haverem acontecido, pois não é todo dia que se vê uma coisa assim em um regime comunista, e tampouco jamais alguém viu um regime comunista ser derrubado por protestos de rua.

O caso é que há ditadura perfeitas, assim entendido por não ser possível derrubá-las por intermédio de uma revolução. Elas caem por outros motivos. Outro exemplo foi o regime nazista, que a despeito de todas as suas atrocidades, e de toda a sua disposição de prosseguir com uma guerra perdida que causava enorme sacrifícios a sua população, jamais foi derrubado por uma revolução. Extinguiu-se com a derrota da Alemanha na guerra. Bem diferente do que acontecera em 1918, quando a mesma população, saturada dos sacrifícios impostos pela guerra, sacrifícios esses incomparavelmente menores do que aqueles sofridos em 1945, rebelou-se e pôs fim ao regime do Kaiser. Contando que o mesmo fosse acontecer na 2a Guerra, os aliados impuseram massivos bombardeios sobre a população civil alemã. Mas o que aconteceu foi o contrário: cada vez mais dependente do amparo do Estado, a população dedicou cada vez mais apoio ao governo, repetindo aliás o mesmo que havia acontecido quando a Inglaterra foi bombardeada em 1940.

O regime comunista soviético tampouco foi derrubado por uma revolução: desabou sozinho feito prédio condenado quando pedreiros imprudentes tentam fazer uma reforma de emergência. O que há em comum entre todas essas "ditaduras perfeitas"? Respondo eu: a redução do indivíduo a um estado de total dependência do governo. Ensina a História que revoluções bem sucedidas só acontecem quando está presente na sociedade local uma classe de indivíduos que detêm considerável espaço na economia, porém nenhum espaço na política, o que faz surgir uma demanda por poder. Mas para haver meios de se pressionar o governo, essa classe necessita ter a posse de bens materiais, mesmo que apenas sua força de trabalho. Por este motivo os regimes comunistas são ditaduras perfeitas: qual indivíduo consegue rebelar-se contra quem é, ao mesmo tempo, seu empregador, seu locatário, o dono da escola onde seu filho estuda, do hospital onde ele se trata e do jornal que ele lê? Que fazer quando não se é dono sequer de sua força de trabalho, já que é proibido vendê-la a um patrão?

Não acredito que o regime cubano venha a ser derrubado por uma revolução. O que não quer dizer que ele já não esteja sendo corroído há tempos, por força de sua inviabilidade econômica. Penso que a evolução será a mesma do regime comunista chinês: toda a liberdade ao capital, nenhuma ao indivíduo. O regime chinês, aliás, é outra ditadura perfeita. Com a prosperidade permitida por entrepostos altamente conectados com o mundo capitalista, como Hong Kong e Shangai, e a consequente subida do padrão de vida, a população pôde mesmo adquirir hábitos de consumo típicos do ocidente, sem que o regime político fosse alterado, ou sequer abrandado. Uma bem sucedida imitação do ocidente capitalista, a ponto de atualmente quase ninguém mais se lembrar de que a China é uma ditadura. Perfeita.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Lula, corrupto e corruptor

 Agora que Lula volta à cena eleitoral depois do longo ostracismo, fica a impressão de que sua condenação foi injusta, produto de uma perseguição, ou no mínimo desproporcionalmente severa. Lula foi corrupto? Se foi, não parece ter sido grande coisa se comparado a tantos outros bem conhecidos megacorruptos deste país. O maior emblema da pequenez da corrupção de Lula é a imagem dos pedalinhos do sítio de Atibaia. Mas este artigo da Isto É cita uma observação feita por Ciro Gomes. Ele definiu Lula como o maior corruptor da história brasileira.

É a verdadeira medida do papel que Lula teve na História Brasileira, para o bem ou o mal. Sob a chefia de Lula, o PT elevou a corrupção a um paradigma até então inédito. A corrupção sempre existiu, mas em geral era um conluio que beneficiava particulares. Com Lula, o grosso da verba desviada passou a fluir para o caixa do partido. Entende-se: o Brasil sempre teve partidos fracos e políticos fortes, para quem importava mais o carisma pessoal do que a coligação de siglas por vezes bizarra que o sustentava. Ao redor, enxameavam ladrões de vários calibres. Nesse cenário o PT surgiu como o primeiro partido forte, organizado e com militantes rigidamente obedientes a uma hierarquia. Esse partido chegou ao poder, adquiriu uma base aliada na multidão de políticos ávidos para vender seu apoio, e logo tratou de montar uma máquina que garantisse sua futura hegemonia. Para tal, precisou de muitos milhões. O negócio foi montar um complexo unindo o Partido, mais empresas estatais, mais empreiteiras que dependiam desses dois primeiros, tudo funcionando como um conglomerado.

Evidente que em um desvio de verbas que priorize a caixa do Partido, para que a parte que cabe aos operadores do esquema continue a ser atrativa, é necessário que o montante desviado seja muito maior. Assim a corrupção explodiu no país. O PT foi ingênuo ao acreditar que tal quantidade de desvios não seria detectada por uma Polícia Federal que foi sensivelmente melhorada e reequipada por ele mesmo, neste sentido pode-se dizer que o PT deu um tiro no próprio pé. Como também foi ingênuo em acreditar que a nova classe média que vangloriava-se de haver criado ficaria silente diante de tamanho roubo, tal como havia se calado ante roubalheira varejista do passado.

Se como corrupto Lula foi um peixe pequeno, como corruptor foi um gigante. Conclui o citado artigo da Isto É:

Quero dizer com isso que o uso que Lula e seu partido fizeram da Petrobras, para comprar apoio político e estender sabe lá até quando a sua permanência no poder, é muitíssimo mais grave do que qualquer pixuleco que o ex-presidente possa ter embolsado

O Lula corruptor foi muito mais nocivo ao país e à democracia do que o Lula que se deixou corromper.

É preciso que haja uma terceira via. 

A má gestão inerente à administração corrupta causa às empresas um prejuízo muito maior do que a comissão que é desviada do caixa no primeiro momento. Ninguém duvida que a perda que a Petrobrás teve com a aquisição da Refinaria de Pasadena, só para citar um exemplo, foi muito maior do que a propina paga aos diretores que aprovaram a compra de tal refinaria. É assim que a corrupção quebra um país inteiro.

Teremos isso de volta, se Lula retornar à presidência? O Rouba Mas Faz vai continuar a engambelar gerações? Uma coisa que Lula sabe fazer muito bem é se reinventar. É possível que o novo Lula que assumirá em 2023 não seja o mesmo Lula que saiu em 2010, assim como o Lula que assumiu em 2003 não foi o mesmo Lula dos palanques do ABC. Mas o ideal é mesmo que haja uma terceira via.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Um Projeto de Nação

Sentindo o alento que vem da perspectiva do fim da pandemia e da escolha de um novo governo para o ano que vem, é trazida de volta à baila um antigo dístico: o tal de "Projeto de Nação".

Já ouvimos muito essa história anos atrás, mas ela saiu de moda depois que se descobriu que o Estado era mais um peso do que um condutor para a economia. E após tanto tempo de desalento, ela nos causa uma certa saudade, evocando uma época em que ao menos acreditávamos no futuro. Escreveu Luciano Huck em um artigo:

Não há vento bom para uma nau sem rumo. O Brasil precisa de um projeto de nação. Um projeto de arquitetura, engenharia e construção.

A ideia de um Projeto de Nação, levado a cabo por um governo benévolo fiel a um receituário, surgiu no início da Era Vargas, com sua proposta de industrialização e modernização social. Mais industrialização que progresso social, na verdade. Desde então, a ideia foi encampada por governos de variados matizes ideológicos, democráticos ou ditatoriais, mas compartilhando da crença de que cabe ao Estado planificar e conduzir a economia (e por que não, tutelar o social). Embora comandada pela face autoritária de um presidente, a ideia tem atrás de si uma utopia. Somos o país do futuro, não? Ou pelo menos éramos. Quando foi que deixamos de ser? Escreveu o apresentador:

Infelizmente o Brasil hoje não tem a capacidade de liderar qualquer agenda global. Ao longo de todo o século XX, mesmo sendo um país pobre e em desenvolvimento, nós sempre fomos respeitados e reconhecidos pela nossa arte, arquitetura, música, cultura, esporte e agricultura. Na década de 50 fomos capazes de construir uma capital em 5 anos, tivemos a sensibilidade de encomendar uma cidade pelo olhos de gênios como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Fizemos o primeiro palácio aberto, horizontal, envidraçado, nivelado na altura “do povo”. Longe do estilo rococó que materializava “o poder” ao redor do planeta.

Este Brasil infelizmente sumiu. Foi sufocado por uma visão míope das potencialidades brasileiras e atropelado por quem adora fazer apologia da mediocridade.

A utopia desapareceu. Sempre tivemos uma utopia. Vargas queria ser o Pai dos Pobres. JK tinha a utopia de Brasília. A garotada revolucionária dos anos sessenta tinha a utopia do socialismo. Os militares dos anos setenta tinham a utopia do Brasil Grande. Foram os militares, aliás, os autores do último Projeto de País, levando ao extremo o desenvolvimentismo nacional-estatista, que se esboroou nos anos oitenta, a "década perdida". Desde então o Estado Dirigista tornou-se um vilão, impedindo a economia de crescer com seus gastos excessivos, seus deficit´s e sua corrupção. Não acreditamos mais no poder transformador do Estado, mas parece que tampouco acreditamos em nós mesmos.

Quem fará o próximo Projeto de País? Desde o fim do governo dos militares, a pugna por um Estado Dirigista passou da direita para a esquerda, sendo encampada pelo PT, herdeiro do legado varguista. Em outros tempos Lula definiu a CLT como "o AI-5 dos trabalhadores". Hoje o PT defende-a com unhas e dentes, e no período em que esteve no poder, implementou uma espécie de getulismo tardio, reciclando um modelo desenvolvimentista e mesclando-o com conquistas na área social. Como se sabe, só funcionou enquanto bons ventos da economia mundial sopraram para o nosso lado. Se o PT chegar de novo ao poder nas próximas eleições, como indicam as pesquisas, terá que urdir um novo Projeto de País. Que ideias estão no ar? Voltando ao artigo de Luciano Huck:

É possível construir um futuro, encontrar saídas e retomar a esperança, mas isso só vai acontecer se a sociedade civil responder a um chamamento e se unir em torno do bem comum.

A agenda da sustentabilidade vai se impor. Quer dizer, já está se impondo. Não só porque é a escolha moralmente correta, mas também porque é importante para o sucesso dos negócios (...) O Brasil pós-2022 pode e deve liderar esta agenda verde, da agroindústria sustentável, da preservação, da floresta em pé, da proteção dos nossos povos ancestrais.

Vamos ter de definir nosso propósito e nossa missão. Quando você tem clareza sobre isso como nação, as oportunidades aparecem e o mundo vem até você. Nada virá por geração espontânea.

Parece um tanto piegas, sem dúvida, e tampouco Luciano Huck parece ser a pessoa mais habilitada a tratar desses assuntos. Sustentabilidade ao invés de fábricas. Mais respeito às minorias ao invés de mais direitos trabalhistas. O espírito da época está bem diferente daquele dos anos Vargas. Entretanto, continuo duvidando que pode haver um Projeto de País se não houver uma utopia por trás.

A opção mais lucrativa do presente pode não ser a do futuro.