Eu que frequento habitualmente diversos forum's de discussão política, venho observando cada vez mais uma disposição em condenar a meritocracia, sobretudo no que se refere à educação e à disputa por vagas. Isso me causa certa apreensão. Meritocracia era até pouco atrás um termo erudito raramente mencionado, agora está jogado na lama. Conheço essa tática: para se destruir um conceito, muda-se o sentido da palavra que o define. O adjetivo meritocrático, originalmente elogioso, deve tornar-se uma ignomínia. Para isso o termo é usado vezes sem conta em contextos depreciativos, irônicos e misturado com outros xingamentos, e isso repetido vezes sem conta até que se estabeleça no senso comum a noção de que a meritocracia é uma coisa ruim.
O truque já deu certo com outras palavras, por exemplo, higienismo, que no princípio do século passado denotava uma elogiosa disposição para o saneamento urbano, e hoje evoca discriminação e racismo. Ignoro se vai funcionar com a meritocracia - o sentido elogioso do mérito é muito cristalino. Tentar eles tentam. Uns limitam-se aos xingamentos; outros, mais elaborados, tecem teses para demonstrar que a meritocracia é um truque usado pelas classes mais ricas para manter seu status quo. Um exemplo desses argumentos pode ser encontrado nesses textos de Renato Santos de Souza (UFSM/RS) aqui e aqui. Junto com a meritocracia, demoniza-se a classe média brasileira.
Quanto a mim, prefiro passar ao largo dessa discussão sociológica. Mesmo porque discutir a justiça da meritocracia é inútil desde o princípio, uma vez que a meritocracia jamais foi um valor moral, mas simplesmente um método de gestão. Como tal, seu propósito não é fazer justiça, mas produzir um resultado. O próprio conceito de mérito é subjetivo: alguns indivíduos, com certeza, se acham cheios de virtudes e merecedores de prêmio, já outros discordam. Mas há uma logicidade autoevidente na meritocracia: é o que eu chamo o Axioma do Time de Futebol. Em uma equipe de futebol, todos evidentemente querem ser os titulares, mas se não puderem sê-lo, preferem que os titulares sejam os melhores entre eles, pois é melhor ser reserva de um time vencedor do que de um time perdedor. Tal dilema se repete na vida prática. Em qualquer ramo de atividade de interesse geral para o país inteiro - por exemplo, na seleção de alunos para uma universidade ou para vagas de um emprego - a dita atividade será melhor desempenhada se forem favorecidos aqueles que têm melhor condição de desempenhá-la, independente de sua raça ou classe social. Se a atividade for desempenhada por indivíduos menos qualificados, o resultado será mais fraco, e isso, em algum grau, prejudicará a população como um todo, independente de raça ou classe social. Difícil é dizer em que grau isso ocorrerá, mas que haverá um resultado pior, isso haverá. É líquido e certo, independente de ideologias ou do juízo moral que se faça da meritocracia.
É justo? Não, não é. Também não é justo que o fogo queime e a água molhe, mas o caso é que o fogo queima e a água molha. A meritocracia não é justa, mas é racional. O destino inevitável de todos os países que desprezam a meritocracia é afundar na mediocridade e na pobreza - dizer isso chega a ser um pleonasmo, porque a mediocridade sempre se traduz em pobreza. Simetricamente, o talento atrai a riqueza, então sempre se poderá invocar o argumento de que o mérito é uma impostura dos ricos para preservar seus privilégios. Mas os fatos históricos estão à vista: os únicos exemplos de países que saltaram do terceiro mundo para o primeiro mundo são os países do sudeste asiático, que conseguiram esse resultado graças a uma rígida meritocracia que começa na escola e segue pela vida profissional afora. A receita é trabalhosa, mas simples em sua concepção: privilegiando os indivíduos mais talentosos, o trabalho deles potencializará a geração de riquezas, o que beneficiará a todos, inclusive aqueles que não são talentosos.
Mas a História também mostra abundantes exemplos de grupos e classes de indivíduos que mostraram total incapacidade de enxergar as mudanças que se processavam bem à sua frente, e foi assim que o Brasil e a América Latina deixaram de ser a região emergente do globo por excelência, posto que hoje cabe aos meritocráticos países do leste asiático. O ódio à meritocracia é mais uma faceta do profundo ódio de nossos intelectuais à toda e qualquer desigualdade que se apresente em um eixo superior/inferior, ainda que essa desigualdade seja resultado de fatores inatos que nada tenham a ver com posição social - afinal, o pobre também consegue coisas com seu esforço. Ignoro se a atual campanha de desonra ao mérito vai conseguir seu objetivo de subverter a conotação elogiosa deste vocábulo, mas é uma aposta perigosa: se não der certo, o efeito pode ser o oposto, como cuspir para o céu. Podem grudar na própria testa as etiquetas invejoso e recalcado.
Veremos.
sábado, 23 de julho de 2016
terça-feira, 19 de julho de 2016
O PT caiu em sua esparrela?
No incerto momento atual, um mistério que ainda não foi desvendado é: qual foi o real agente causador da rápida queda (até agora) do PT, o partido que poucos anos atrás governava o país com amplo respaldo? O mistério fica ainda mais intrigante quando se contata que os principais protagonistas dessa queda foram indivíduos que foram imbuídos de poder pelo próprio PT, indivíduos que em teoria seriam aliados - gente como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e as turmas do Ministério Público e da Polícia Federal.
O caso é esse: uma das características fundamentais dos governos de esquerda sempre foi o crescimento do setor estatal, o aumento do número de burocratas, o aparelhamento de todos os órgãos da administração pública com funcionários estritamente fiéis ao governo, visando ampliar o controle da autoridade do Estado - ou do partido - sobre todas as esferas da sociedade. O PT promoveu vários concursos públicos e incrementou sobretudo o pessoal do MPF e da PF. Mas ao contrário do previsto, esses funcionários não reproduziram a tradicional subserviência ao governo. Em alguns casos, mostraram-se mesmo como algozes do governo. O que aconteceu de errado? Ou deveríamos perguntar, o que aconteceu de certo?
Mudou o país ou mudaram os funcionários?
Um artigo publicado aqui procura analisar esse fenômeno, atribuindo-o a uma nova geração de "concurseiros", jovens que, na apreciação do autor, entraram no serviço público atraídos pelos altos salários iniciais e pela autoridade do cargo. Essa nova geração teria, então, quebrado os valores tradicionais do funcionalismo público, substituindo-os pelos valores "coxinhas". Por valores tradicionais entenda-se a mentalidade do antigo barnabé, aquele que começava a carreira por baixo, ganhando menos do que na iniciativa privada, e ia subindo devagar à medida em que assimilava os valores da corporação, agindo sempre como um dócil peão da inteira confiança do governo.
O artigo é bastante preconceituoso e foi contestado inclusive por muitos comentaristas de esquerda, como pode ser observado por quem seguir o link. Mas uma questão fica no ar. Como pôde o PT ser traído justamente por seus favoritos, a turma que almeja viver do Estado, aqueles que só entraram no Estado graças aos concursos que o próprio PT lançou?
A resposta não é fácil, e acredito que ainda levará algum tempo para ser encontrada. Por enquanto fica só a impressão de que o PT caiu em sua esparrela: montou a máquina e perdeu o controle sobre ela. Tal como o aprendiz de feiticeiro, começou a mágica e não soube pará-la. Uma coisa, porém, é certa: funcionários públicos nunca devem ter poder excessivo, e sobretudo, nunca devem ganhar mais do que seus símiles da iniciativa privada. Isso é uma contradição, pois não são os servidores públicos que produzem a riqueza do país - sua função não é essa - mas os cidadãos e empresas privados que pagam impostos. Por conseguinte, só há recursos para concursos e bons salários para o funcionalismo onde e quando os cidadãos e empresas privados são prósperos. Do contrário, se estará criando uma situação que não é sustentável indefinidamente, como sempre ocorre quando o gasto supera a provisão. Qualquer governo que embarque nessa onda, de um modo ou de outro, cedo ou tarde, acabará caindo em sua esparrela.
O caso é esse: uma das características fundamentais dos governos de esquerda sempre foi o crescimento do setor estatal, o aumento do número de burocratas, o aparelhamento de todos os órgãos da administração pública com funcionários estritamente fiéis ao governo, visando ampliar o controle da autoridade do Estado - ou do partido - sobre todas as esferas da sociedade. O PT promoveu vários concursos públicos e incrementou sobretudo o pessoal do MPF e da PF. Mas ao contrário do previsto, esses funcionários não reproduziram a tradicional subserviência ao governo. Em alguns casos, mostraram-se mesmo como algozes do governo. O que aconteceu de errado? Ou deveríamos perguntar, o que aconteceu de certo?
Mudou o país ou mudaram os funcionários?
Um artigo publicado aqui procura analisar esse fenômeno, atribuindo-o a uma nova geração de "concurseiros", jovens que, na apreciação do autor, entraram no serviço público atraídos pelos altos salários iniciais e pela autoridade do cargo. Essa nova geração teria, então, quebrado os valores tradicionais do funcionalismo público, substituindo-os pelos valores "coxinhas". Por valores tradicionais entenda-se a mentalidade do antigo barnabé, aquele que começava a carreira por baixo, ganhando menos do que na iniciativa privada, e ia subindo devagar à medida em que assimilava os valores da corporação, agindo sempre como um dócil peão da inteira confiança do governo.
O artigo é bastante preconceituoso e foi contestado inclusive por muitos comentaristas de esquerda, como pode ser observado por quem seguir o link. Mas uma questão fica no ar. Como pôde o PT ser traído justamente por seus favoritos, a turma que almeja viver do Estado, aqueles que só entraram no Estado graças aos concursos que o próprio PT lançou?
A resposta não é fácil, e acredito que ainda levará algum tempo para ser encontrada. Por enquanto fica só a impressão de que o PT caiu em sua esparrela: montou a máquina e perdeu o controle sobre ela. Tal como o aprendiz de feiticeiro, começou a mágica e não soube pará-la. Uma coisa, porém, é certa: funcionários públicos nunca devem ter poder excessivo, e sobretudo, nunca devem ganhar mais do que seus símiles da iniciativa privada. Isso é uma contradição, pois não são os servidores públicos que produzem a riqueza do país - sua função não é essa - mas os cidadãos e empresas privados que pagam impostos. Por conseguinte, só há recursos para concursos e bons salários para o funcionalismo onde e quando os cidadãos e empresas privados são prósperos. Do contrário, se estará criando uma situação que não é sustentável indefinidamente, como sempre ocorre quando o gasto supera a provisão. Qualquer governo que embarque nessa onda, de um modo ou de outro, cedo ou tarde, acabará caindo em sua esparrela.
terça-feira, 5 de julho de 2016
Guia Politicamente Incorreto dos Presidentes - II
Prosseguindo a leitura do Guia Politicamente Incorreto dos Presidentes, de Paulo Schmidt, o autor classifica Rodrigues Alves entre os raros bons presidentes do país. Parece-me correto. Rodrigues Alves se encaixa naquela categoria dos que foram muito combatidos em sua época, mas a quem a posteridade fez justiça. Tomou enérgicas providências para sanear e dotar de infraestrutura urbana a capital, e teve que enfrentar a triste Revolta da Vacina, gesto de desespero de um povo ignorante habilmente manipulado por líderes ambiciosos que nada tinham de ignorante - foi o último suspiro do nefasto positivismo que assolou o governo Floriano. Por pouco os professores de História livraram-se do vexame de ter que ensinar a seus alunos que um presidente foi deposto por haver querido livrar seu povo das doenças. Vendo-se hoje os resultados das obras de Rodrigues Alves, nota-se que os sacrifícios que impôs à população foram amplamente compensatórios. E ele conta ainda com o mérito de haver-se oposto ao Convênio de Taubaté, vergonhoso arranjo que transformou o contribuinte brasileiro em avalista dos cafeicultores.
Seu sucessor , o mineiro Afonso Pena, foi uma figura ambígua. Procurou separar política e administração, dando preferência a essa última, mas deixou-se enredar por Pinheiro Machado, sob cujos auspícios foi eleito, mas que ao final de seu governo já tinha tomado as rédeas da sucessão, deixando o presidente isolado. Afonso Pena provavelmente julgou que se fizesse as concessões que seus aliados queriam, eles o deixariam livre para tocar a administração do jeito que ele desejava. Mas a História ensina que sempre que administração e política entram em conflito, prevalece esta última. Outro erro foi ter ratificado o Convênio de Taubaté, o que deixou a economia condenada a longo prazo.
Seu sucessor, Nilo Peçanha, é outro que pertence à categoria dos injustiçados. De origem modesta, procurou fazer um bom governo, mas tal como Afonso Pena, caiu no erro de julgar que podia enredar Pinheiro Machado. Merecia da História um tratamento mais benigno.
A figura mais poderosa da época, entretanto, não foi um presidente, mas o senador Pinheiro Machado, que soube habilmente juntar em suas mãos as cartas marcadas do jogo político da República Velha. Seu propósito era derrubar o esquema do café-com-leite, apelido dado à hegemonia dos estados de São Paulo e Minas Gerais, e substituí-lo pela hegemonia de um partido nacional totalmente controlado por ele próprio. Para esse fim, fez presidente o marechal Hermes da Fonseca, astro sem luz própria que prestava-se bem como joguete. Hermes reintroduziu as ações armadas na política, sob o nome de Política das Salvações, depondo pela força numerosos governadores que não haviam entrado para o partido fundado por Pinheiro Machado. Mas quando quis estender as "salvações" ao estado do Ceará, governado por um aliado de Pinheiro Machado, não tardou a ver quem mandava ali. Derrotado e desmoralizado, saiu do governo como figura caricata. Só teve uma coisa boa: sua derrocada foi de tal modo fragorosa, que acabou arrastando junto seu patrono, o senador Pinheiro Machado.
Wenceslau Braz chegou ao governo para restabelecer o café-com-leite, pondo fim ao pinheirismo. Correspondendo bem ao estereótipo do político mineiro, foi discreto, mas fez coisas importantes. Politicamente conservador, mas moderado, adepto dos acordos em lugar das intervenções nos estados tão a gosto de seu antecessor. Mostrou-se eficiente em gestão de crises, e não teve refresco: seu governo foi conhecido como o governo dos três G´s: Guerra, Gripe e Greve. Em razão de sua habilidade como negociador, deixou a seu sucessor um país com um grau maior de paz política, que no entanto não duraria muito tempo. Penso que seu maior mérito foi não ter querido ser mais do que era.
Delfim Moreira foi o único louco diagnosticado a governar o país. Penso que tivemos outros presidentes loucos, mas não diagnosticados.
Epitácio Pessoa foi o típico político medíocre. Chegou ao poder somente porque paulistas e mineiros não chegaram a um acordo quando ao candidato. Colecionador de mordomias e aposentadorias, autoritário, marcou o início do declínio da República Velha. Nas palavras de Paulo Schmidt, substituiu a política dos governadores pela política dos presidentes, dando início ao ciclo de presidentes autoritários que elevariam a temperatura política até a incineração final do regime.
Artur Bernardes foi uma figura sombria, o que se deixa perceber até em sua fisionomia, com aquele olhar duro e os lábios tão inexpressivos que parecem desenhados a lápis. Violento e mesmo cruel, governou quase o mandato inteiro sob estado de sítio, e mandava seus prisioneiros para um campo de concentração próximo à fronteira com a Guiana Francesa, não distante da Ilha do Diabo, aquela mesma do Papillon. Em sua defesa, pode ser dito que teve que enfrentar inimigos bem sujos. Antes mesmo de ser eleito, conspiradores divulgaram cartas falsas procurando indispô-lo com os militares. Não deu certo, e pela segunda vez (a primeira foi na revolta da vacina) nossos professores de História escaparam de um vexame, este de ter que ensinar que no Brasil basta um falsário para derrubar um presidente. Em seu governo eclodiu também o movimento tenentista, visto na época como idealista e regenerador. Mas os antigos tenentes viriam e embicar por utopias totalitárias, entre o fascismo e o comunismo, e já convertidos em coronéis e generais despidos do idealismo da juventude, atravessariam o século 20 conspirando contra diversos governos, e terminando por impor uma ditadura em 1964. Por aí vê-se que Artur Bernardes não deixou de ter motivos para bater neles com tanta força.
Washington Luiz foi uma figura algo melancólica, própria para assinalar o fim de uma dinastia. Credenciado por um bom governo em São Paulo, assumiu sob um clima de otimismo, embora possa ser dito que depois de Artur Bernardes, qualquer presidente seria bem vindo. Mas procurou fazer um governo de pacificação e realizações. Atingido em cheio pela crise de 1929, mudou o rumo em direção ao endurecimento, e pau que não verga, quebra.
Depois falarei da Era Vargas.
Seu sucessor , o mineiro Afonso Pena, foi uma figura ambígua. Procurou separar política e administração, dando preferência a essa última, mas deixou-se enredar por Pinheiro Machado, sob cujos auspícios foi eleito, mas que ao final de seu governo já tinha tomado as rédeas da sucessão, deixando o presidente isolado. Afonso Pena provavelmente julgou que se fizesse as concessões que seus aliados queriam, eles o deixariam livre para tocar a administração do jeito que ele desejava. Mas a História ensina que sempre que administração e política entram em conflito, prevalece esta última. Outro erro foi ter ratificado o Convênio de Taubaté, o que deixou a economia condenada a longo prazo.
Seu sucessor, Nilo Peçanha, é outro que pertence à categoria dos injustiçados. De origem modesta, procurou fazer um bom governo, mas tal como Afonso Pena, caiu no erro de julgar que podia enredar Pinheiro Machado. Merecia da História um tratamento mais benigno.
A figura mais poderosa da época, entretanto, não foi um presidente, mas o senador Pinheiro Machado, que soube habilmente juntar em suas mãos as cartas marcadas do jogo político da República Velha. Seu propósito era derrubar o esquema do café-com-leite, apelido dado à hegemonia dos estados de São Paulo e Minas Gerais, e substituí-lo pela hegemonia de um partido nacional totalmente controlado por ele próprio. Para esse fim, fez presidente o marechal Hermes da Fonseca, astro sem luz própria que prestava-se bem como joguete. Hermes reintroduziu as ações armadas na política, sob o nome de Política das Salvações, depondo pela força numerosos governadores que não haviam entrado para o partido fundado por Pinheiro Machado. Mas quando quis estender as "salvações" ao estado do Ceará, governado por um aliado de Pinheiro Machado, não tardou a ver quem mandava ali. Derrotado e desmoralizado, saiu do governo como figura caricata. Só teve uma coisa boa: sua derrocada foi de tal modo fragorosa, que acabou arrastando junto seu patrono, o senador Pinheiro Machado.
Wenceslau Braz chegou ao governo para restabelecer o café-com-leite, pondo fim ao pinheirismo. Correspondendo bem ao estereótipo do político mineiro, foi discreto, mas fez coisas importantes. Politicamente conservador, mas moderado, adepto dos acordos em lugar das intervenções nos estados tão a gosto de seu antecessor. Mostrou-se eficiente em gestão de crises, e não teve refresco: seu governo foi conhecido como o governo dos três G´s: Guerra, Gripe e Greve. Em razão de sua habilidade como negociador, deixou a seu sucessor um país com um grau maior de paz política, que no entanto não duraria muito tempo. Penso que seu maior mérito foi não ter querido ser mais do que era.
Delfim Moreira foi o único louco diagnosticado a governar o país. Penso que tivemos outros presidentes loucos, mas não diagnosticados.
Epitácio Pessoa foi o típico político medíocre. Chegou ao poder somente porque paulistas e mineiros não chegaram a um acordo quando ao candidato. Colecionador de mordomias e aposentadorias, autoritário, marcou o início do declínio da República Velha. Nas palavras de Paulo Schmidt, substituiu a política dos governadores pela política dos presidentes, dando início ao ciclo de presidentes autoritários que elevariam a temperatura política até a incineração final do regime.
Artur Bernardes foi uma figura sombria, o que se deixa perceber até em sua fisionomia, com aquele olhar duro e os lábios tão inexpressivos que parecem desenhados a lápis. Violento e mesmo cruel, governou quase o mandato inteiro sob estado de sítio, e mandava seus prisioneiros para um campo de concentração próximo à fronteira com a Guiana Francesa, não distante da Ilha do Diabo, aquela mesma do Papillon. Em sua defesa, pode ser dito que teve que enfrentar inimigos bem sujos. Antes mesmo de ser eleito, conspiradores divulgaram cartas falsas procurando indispô-lo com os militares. Não deu certo, e pela segunda vez (a primeira foi na revolta da vacina) nossos professores de História escaparam de um vexame, este de ter que ensinar que no Brasil basta um falsário para derrubar um presidente. Em seu governo eclodiu também o movimento tenentista, visto na época como idealista e regenerador. Mas os antigos tenentes viriam e embicar por utopias totalitárias, entre o fascismo e o comunismo, e já convertidos em coronéis e generais despidos do idealismo da juventude, atravessariam o século 20 conspirando contra diversos governos, e terminando por impor uma ditadura em 1964. Por aí vê-se que Artur Bernardes não deixou de ter motivos para bater neles com tanta força.
Washington Luiz foi uma figura algo melancólica, própria para assinalar o fim de uma dinastia. Credenciado por um bom governo em São Paulo, assumiu sob um clima de otimismo, embora possa ser dito que depois de Artur Bernardes, qualquer presidente seria bem vindo. Mas procurou fazer um governo de pacificação e realizações. Atingido em cheio pela crise de 1929, mudou o rumo em direção ao endurecimento, e pau que não verga, quebra.
Depois falarei da Era Vargas.
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