Aquele que não conhece a História será sempre um menino
Cícero quis dizer que para aquele que não conhece a História, tudo parece novidade, assim como tudo é novo para uma criança que ainda não tem vivência. O estudo da História serve ao menos para isso, para não ser feito de bobo. Quem conhece a História sabe que o fenômeno não é novo. Já é a terceira edição. O cenário é o mesmo: em um momento de desalento com a política, surge um arrivista sem ligações com as facções políticas tradicionais, prometendo um renovação geral em "tudo isso que está aí". O primeiro foi Jânio Quadros em 1961. O segundo foi Collor de Mello em 1989. Agora temos Jair Bolsonaro.
O fato está consumado, resta agora tentar explicar como um obscuro e exótico personagem, que frequentou por tanto tempo o congresso sem apresentar quase nenhum projeto, pôde de repente conquistar milhões de votos e tornar-se o novo presidente do país. E tentar prever o futuro à luz do passado.
O voto em Bolsonaro foi, claramente, um voto de raiva. Reflete um descontentamento difuso com o que vinha acontecendo no país desde longo tempo. É neste ponto que torna-se imprescindível explicar: por que tanta rejeição ao PT, que governou o país por 14 anos com nítido saldo positivo?
O sucesso de Bolsonaro foi, em grande medida, a transmutação do insucesso do PT. Mesmo que o governo Dilma tenha sido um desastre, os dois mandatos de Lula proporcionaram amplas melhorias ao nível de vida da população, e a popularidade do então presidente atingiu níveis recordes. Como foi possível o PT cair de maneira tão fragorosa tão pouco tempo depois?
As teorias são muitas, mas eu prefiro a mais simples. A falha maior do PT, a meu ver, foi não escutar aquele que é o anseio máximo da população: o combate ao crime que desde muito assola a sociedade em níveis crescentes. A proposta anunciada pelo PT foi criar penas alternativas no intuito de diminuir a população carcerária, e assim aumentar o número de criminosos soltos. Foi um erro visceral, do qual o PT não pôde escapar, pois já estava comprometido com essa linha desde pelo menos os anos 70, quando o fracasso da luta armada, que não teve o apoio dos trabalhadores, fez com que os ideólogos de esquerda cada vez mais se aproximassem dos marginais da sociedade, chamados eufemisticamente de "excluídos", mas a quem Marx cem anos atrás já denominava o "lumpen-proletariado", e com toda a razão afirmava serem imprestáveis como revolucionários.
Os trabalhadores aderiram ao capitalismo, então a esquerda vai buscar seu novo público entre os lúmpens, aí entendidos não apenas como os marginais, mas como todo grupo de indivíduos desajustados e inconformistas. Neste ponto o PT tocou em cordas muito sensíveis do caráter nacional. De fato, boa parte do eleitorado petista é constituída por aqueles cidadãos mais humildes, que são justamente os mais atingidos pela avassaladora criminalidade, bem como os detentores dos valores morais e religiosos mais conservadores. Essas pessoas viram seus valores enxovalhados pelo discurso petista, e endossaram a narrativa do PT como "partido de bandidos e vagabundos". Penso que o chamado marxismo cultural, que os militantes mais antigos viam como mera distração (e estavam certos) terminou por ser um estrondoso tiro no próprio pé.
Resta agora prognosticar o futuro. Há basicamente dois roteiros mais prováveis. O primeiro, como já citado, é Bolsonaro repetir a trajetória de Jânio Quadros e Collor de Mello: jovem e sem experiência em conchavos, cairá na ilusão de que pode governar sozinho, perderá gradativamente o apoio até ser excluído do poder de alguma forma. No segundo roteiro, Bolsonaro abandonará a linguagem ferina e o discurso extremista, e fará um governo pragmático conduzido por seu ministro da economia, tomando as necessárias medidas de austeridade para a retomada do crescimento econômico, e seu sucessor colherá os frutos. Será o novo Fernando Henrique Cardoso. Curioso que tanto no primeiro como no segundo roteiro, o desdobramento será a retomada do poder pela esquerda com o próximo presidente.
Há ainda um terceiro roteiro: Bolsonaro aprofundar sua retórica extremista e reinstaurar o regime dos militares encerrado em 1985. Mas uma nova ditadura será uma ópera bufa. As condições do presente nada tem a ver com as de 1964. Não há mais guerra fria, não há mais URSS bancando o partido comunista, não há mais exilados em Cuba, não há mais guerrilheiros no interior. Seria até uma contradição de termos, pois o regime dos generais era estatista, e Bolsonaro proclama-se liberal. Aí não sei o que vai acontecer, mas é provável que sua queda será ainda mais rápida. Se Bolsonaro quiser mesmo começar uma nova etapa na política e fazer seu sucessor, terá que reinventar-se. A retórica de botequim de nada vale nos gabinetes.
A roda da História nunca deixa de girar. Mas às vezes não sai do lugar. Esperemos que o futuro não repita o passado.