segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O ponto a que chegamos

A eleição foi ontem. Por toda parte os comentaristas trombeteiam: nunca antes neste país houve situação de tal polarização política! Eu concordo. Mas o estudo da História serve para isso mesmo: só sabendo o passado podemos entender o presente e prever o futuro. A História se repete? Não integralmente. Disse Oscar Wilde, a História não se repete, são os historiadores que repetem uns aos outros...

Mas quem leu meu último artigo não pode deixar de perceber uma flagrante analogia entre o que aconteceu na Alemanha dos anos trinta e o que aconteceu ontem no Brasil. Conforme eu mesmo levantei, uma maneira da extrema direita chegar ao poder é através do vácuo aberto por um partido centrista que colapsa. Na República de Weimar, foi o partido social-democrata; no Brasil do presente, foi o PSDB.

O desmoronamento do PSDB é um fenômeno ainda a ser desvendado com exatidão. Esse partido, que lançou o Plano Real, foi o responsável pela transição do país do século 20, com seu modelo nacional-estatista esgotado, para o país do século 21, onde estamos agora. Como uma agremiação que teve tal importância histórica pode terminar tão melancolicamente? A meu ver, o PSDB relutou em aceitar o papel que a História reservava para ele, o de compor um bipartidarismo com o PT e proporcionar estabilidade política ao país. O PSDB, com sua herança da Era FHC, tinha tudo para ser um contraponto liberal à social-democracia do PT, mas deliberou renegar seu passado e tentar um retorno tardio a suas raízes social-democratas, esquecido que esse escaninho já estava ocupado pelo PT, e ninguém vai querer a cópia se pode ter o original. Tivesse perseverado no caminho traçado desde 1994, o PSDB com certeza não teria sido capaz de vencer o PT em 2006 e 2010, mas permaneceria íntegro para o eleitorado liberal, e seria capaz de triunfar em uma eleição futura quando a esquerda estivesse em baixa. Mas ao invés disto, desmoralizou-se com sucessivas derrotas. Deve ser lembrado que a real causa da desmoralização não é a derrota em si - Lula foi derrotado em 1989, 1994 e 1998, e só se fortaleceu - mas o abandono de seus ideais.

Desprezada a escolha segura, que permite repetir o passado, fica aberto o caminho para aventureiros e arrivistas. O desalento das massas pode explicar o momento que estamos vivendo. Relembro um artigo que escrevi tempos atrás, comparando o modelo de quatro castas hindu - sacerdotes, guerreiros, comerciantes e trabalhadores - com a evolução dos tipos de governo através da História: teocracia, reinos, repúblicas democráticas. O sentido normal é esse, mas em momentos de crise política, moral ou espiritual, a população pode ansiar pelo retorno ao estágio anterior. Quando o governo de líderes militares nacionalistas parece fracassar, o povo sente a nostalgia do tempo em que era governado por pios líderes religiosos - no mundo atual, esse fenômeno foi observado na eclosão do fundamentalismo islâmico, que é o retorno do governo da casta dos guerreiros para a casta dos sacerdotes. Quando o povo se sente desiludido com seus políticos corruptos e medíocres, vem a nostalgia de um tempo em que os governantes eram varonis e se pautavam por uma ética de guerreiros - é a volta do governo da casta dos comerciantes para o governo da casta dos guerreiros. É precisamente nesse estado de espírito em que estamos o presente. O passado do governo militar instalado em 1964 tornou-se mítico, e ainda há os que desejam o retorno a um estágio ainda mais pregresso, o governo dos sacerdotes, no caso, os pastores evangélicos.

Mas o contexto histórico atual é outro. Não há justificativa para um governo sustentado pela força militar, pois a guerra fria terminou, não há mais guerrilhas nem inimigo armado a combater. As possibilidades que temos até o segundo turno são mesquinhas. Se Haddad vencer, sem ter o apoio deste congresso maciçamente conservador, ele apenas passará de pau-mandado de Lula para refém de sua base: terá que ceder, ou o país permanecerá no mesmo impasse em que se encontra desde 2014. Se Bolsonaro vencer, ele não terá apoio para reeditar a ditadura dos generais, mesmo porque generais não gostam de obedecer a um capitão. Periga ter o mesmo fim de Collor de Mello. Não digo que terá que se reinventar, terá mesmo que se inventar, pois as frases de efeito que fazem sucesso nos palanques de nada valem para governança. Se tiver juízo, moderará o palavreado e se concentrará na economia.

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