Por que estudamos História?
Respondo: para que possamos prever o futuro. Só quem conhece os fatos do passado pode fazer ideia dos fatos que acontecerão daqui para a frente. Saber o passado permite entender o presente, e entender o presente permite projeções para o futuro. Só não podemos é cair na conclusão apressada de que o futuro será mera repetição do passado, pois é bem conhecida a máxima citada por Marx, de que a História acontece duas vezes: na primeira como tragédia, e na segunda como farsa. Qualquer indivíduo bem informado já viu e está vendo ainda amostras de tragédias que se repetiram como farsas.
É nesse contexto que devemos encaixar a notícia que tem circulado nas redes sociais, e ainda timidamente nas mídias comerciais: que Lula é o candidato com maior intenção de votos para 2018. É claro que até lá muita coisa pode mudar, sobretudo se a disputa for para o segundo turno, e o próprio Lula corre risco de ser preso e impedido de concorrer à eleição. Mas a questão instigante que se coloca é a seguinte: o novo governo de Lula vai repetir a glória de seu primeiro governo? Lula vai reverter toda a queda que o Partido dos Trabalhadores e a esquerda em geral têm experimentado nos últimos anos?
Primeiro, é preciso reconhecer que os dois primeiros mandatos de Lula foram de fato muito bem sucedidos. Ele soube obter a confiança do eleitorado, bem como do empresariado, e montou uma boa base de sustentação. No plano econômico ele herdou a estabilidade de dez anos de Plano Real e teve pelo frente anos de firme expansão da economia mundial, puxada sobretudo pelo crescimento chinês e consequente boom da commodities. Diferente dos surtos de crescimento anteriores por que o país passou, como aqueles da época de JK ou do "milagre" dos militares, voos de galinha onde os ganhos do trabalhador com a expansão da oferta de emprego eram rapidamente anulados pela inflação que vinha em seguida, o crescimento na Era Lula ocorreu dentro de um quadro de estabilidade econômica, puxado sobretudo por uma grande expansão do crédito, que permitiu ao trabalhador adquirir bens financiados a longo prazo. Essas boas notícias criaram uma mística em torno da figura de Lula.
Entretanto, se Lula soube surfar a onda que se ergueu à sua frente, foi também ele o responsável por plantar as sementes da queda que viria em seguida, primeiro por ressuscitar a esgotada fórmula do nacional-estatismo na Nova Matriz Econômica, lançada já na metade de seu segundo mandato, segundo por indicar a desastrada Dilma Rousseff como sua sucessora, ciente de que ela faria tudo para implementar as malfadadas diretrizes da Nova Matriz Econômica, que trouxeram o país para a crise atual e pavimentaram o caminho para a queda do governo petista. O PT, na realidade, começou a ruir ainda no governo de Lula, na época do mensalão, mas o próprio Lula permaneceu incólume, negou auxílio aos camaradas e pareceu até satisfeito de ver que a queda do PT deixava-o livre e desimpedido na liderança. O pedestal de Lula só começaria a rachar bem mais tarde, quando caiu na mira da Lava-Jato.
O fato de Lula haver se recusado a disputar as eleições em 2014 sugere que ele estava ciente de que sua fórmula tinha mesmo validade temporária e que já havia se esgotado. Só tarde demais ele arrependeu-se de haver indicado Dilma Rousseff. Agora, já envelhecido e desgastado por denúncias, ele anuncia sua disposição de concorrer em 2018. O que pretende Lula, afinal? Reverter todos os erros cometidos desde o final de seu segundo mandato e lançar o país em nova era de crescimento e inclusão social? Ou meramente colocar-se a salvo da Operação Lava-Jato?
Isso ainda não sabemos, mas é fato que as condições políticas e econômicas de 2002 não existem mais em 2017. A base aliada de Lula deixou de existir, e a economia exige medidas de austeridade, medidas impopulares. Lula em 2018 será um refém de partidos que têm ampla maioria no congresso, ou irá conseguir uma espetacular virada de jogo? O Lula de 2018 será uma caricatura do Lula de 2002, a História se repetindo como farsa?
Mesmo conhecendo o passado, é difícil prever o futuro. As injunções geram mais perguntas do que respostas.
sábado, 25 de fevereiro de 2017
sábado, 11 de fevereiro de 2017
A História volta atrás?
De tanto em tanto bater boca em forum´s da internet, às vezes surge uma questão instigante que nem tem nada a ver com a matéria que estava sendo comentada. Foi o que aconteceu nessa postagem do fórum do Jornal GGN, o meu preferido. André Araújo estava comentando sobre Donald Trump, e eu puxei o assunto para a globalização, que já tinha sido objeto de uma postagem minha aqui. Contestei a visão catastrofista de que a globalização estaria destruindo a economia norte-americana, ao exportar os empregos industriais para os países periféricos. Lembrei que a ascensão da Califórnia e seu Vale do Silício é tão palpável quanto o declínio do meio-oeste e da indústria automobilística de Detroit. Quis afirmar que a globalização é fenômeno inexorável, posto que não tem um pequeno conjunto de protagonistas, mas milhões espalhados pelo mundo. André Araújo contestou:
Para aqueles pensadores que julgam haver encontrado a fórmula que explica a História, não há dúvida: a História só anda para a frente, e na direção que eles previram. As pessoas comuns variam do saudosismo de um tempo que foi bom e não volta mais, ao alívio por haver passado um tempo que foi mau. Aos otimistas, é agradável imaginar um mundo em constante evolução, ainda que com percalços. No primeiro grupo cita-se o caso de Karl Marx, que modelou toda a História humana conforme os paradigmas da luta de classes e previu que a etapa atual - o capitalismo - seria sucedida pelo comunismo. Como se sabe, a predição não se cumpriu. Mas tampouco o mundo voltou atrás. Quanto ao segundo grupo, a psicologia em grande parte explica: a memória humana é seletiva, e filtra os fatos maus do passado, deixando apenas os bons. A psicologia também explica em grande parte o sentimento daqueles do terceiro grupo: se o passado fosse bom, seria presente, diz o ditado popular. Estes podem curtir o alívio, mas para sempre conviverão com a dúvida: os maus tempos podem retornar?
O senso comum diz que não. O que passou, passou. Mas os argumentos citados pelo André Araújo são bastante consistentes: por muita décadas o nazi-fascismo e o comunismo foram, efetivamente, considerados os regimes do futuro que vinham substituir a ineficaz e plutocrática democracia parlamentar. No Brasil tivemos o getulismo, na Argentina o peronismo, ambos calcados no modelo fascista italiano e considerados alentos modernizadores que vinha tirar seus países do atraso. Depois tudo acabou, e quem incensava esses regimes teve que admitir que a velha democracia "burguesa" era mesmo o único sistema político aceitável. A História voltou atrás, então.
Entretanto, cabe notar que essas propostas brotaram em países onde a democracia parlamentar estilo ocidental não havia ainda frutificado. Nos países centrais do ocidente, como a Inglaterra, a França e os EUA, verificaram-se movimentos e tendências para um lado e para o outro, mas o regime político e o sistema econômico prosseguiram inabalados. Não houve uma cronologia Antes X Depois entre a democracia parlamentar e as inovações totalitárias do século 20, mas uma coincidência de tempo histórico, bem como de local (tanto um quanto o outro emergiram no ocidente antes de se propagarem para as periferias) levando a um inevitável enfrentamento: tais soluções inovadoras foram um contraponto, ou uma antítese ao capitalismo e à democracia parlamentar que evoluíam desde a Revolução Gloriosa inglesa. Convém lembrar que tampouco existiu uma cronologia Antes X Depois entre o fascismo e o comunismo: ambos surgiram no mesmo tempo histórico, produtos da mesma sequência de eventos que vinha desde a Revolução Industrial: a multiplicação do proletariado e suas reivindicações, o imperialismo das grandes potências e as disputas daí resultantes, o nacionalismo dos países e o internacionalismo dos operários. O fascismo não antecedeu nem sucedeu ao comunismo, mas foi, de fato, um contraponto a este, apresentando uma solução alternativa para o mesmo problema (as reivindicações do proletariado) e substituindo o internacionalismo pelo nacionalismo. Como se sabe, no Brasil dos anos trinta, comunistas e integralistas disputavam o mesmo público e toda a nossa Consolidação das Leis do Trabalho foi inspirada pela Carta Del Lavoro de Mussolini.
Não se pode, portanto, afirmar que no mundo todo, a democracia parlamentar cedeu lugar ao nazi-fascismo, que depois retrocedeu de volta à democracia parlamentar, provando que a História volta atrás. A História estava acontecendo, não tinha acontecido.
Penso, então, que na realidade a História não volta atrás. Dá voltas e faz zigue-zague, mas não retrocede. O que, aliás, fica claro na conhecida citação de Marx: a História acontece pela primeira vez como tragédia, e pela segunda vez como farsa. Melhor assim.
Os processos históricos, políticos ou econômicos, não são lineares, não caminham em linha reta.
Com a Revolução Francesa de 1789 imaginava-se que as monarquias europeias cairiam como um dominó. Não aconteceu..
Nos anos 30 o fascismo e o nazismo era considerados o FUTURO, as democracias parlamentares eram a decadência (...) Essa novidade dos anos 20 e 30 acabou em ruinas e a decadente democracia voltou ao seu apogeu na Europa Ocidental e nas Americas.
A URSS tambem era o "mundo novo" que apontava para o futuro, depois o "caminho do futuro" acabou.
Meu caro, a Historia dá voltas e como dáSerá certo isso? A História pode voltar atrás?
Para aqueles pensadores que julgam haver encontrado a fórmula que explica a História, não há dúvida: a História só anda para a frente, e na direção que eles previram. As pessoas comuns variam do saudosismo de um tempo que foi bom e não volta mais, ao alívio por haver passado um tempo que foi mau. Aos otimistas, é agradável imaginar um mundo em constante evolução, ainda que com percalços. No primeiro grupo cita-se o caso de Karl Marx, que modelou toda a História humana conforme os paradigmas da luta de classes e previu que a etapa atual - o capitalismo - seria sucedida pelo comunismo. Como se sabe, a predição não se cumpriu. Mas tampouco o mundo voltou atrás. Quanto ao segundo grupo, a psicologia em grande parte explica: a memória humana é seletiva, e filtra os fatos maus do passado, deixando apenas os bons. A psicologia também explica em grande parte o sentimento daqueles do terceiro grupo: se o passado fosse bom, seria presente, diz o ditado popular. Estes podem curtir o alívio, mas para sempre conviverão com a dúvida: os maus tempos podem retornar?
O senso comum diz que não. O que passou, passou. Mas os argumentos citados pelo André Araújo são bastante consistentes: por muita décadas o nazi-fascismo e o comunismo foram, efetivamente, considerados os regimes do futuro que vinham substituir a ineficaz e plutocrática democracia parlamentar. No Brasil tivemos o getulismo, na Argentina o peronismo, ambos calcados no modelo fascista italiano e considerados alentos modernizadores que vinha tirar seus países do atraso. Depois tudo acabou, e quem incensava esses regimes teve que admitir que a velha democracia "burguesa" era mesmo o único sistema político aceitável. A História voltou atrás, então.
Entretanto, cabe notar que essas propostas brotaram em países onde a democracia parlamentar estilo ocidental não havia ainda frutificado. Nos países centrais do ocidente, como a Inglaterra, a França e os EUA, verificaram-se movimentos e tendências para um lado e para o outro, mas o regime político e o sistema econômico prosseguiram inabalados. Não houve uma cronologia Antes X Depois entre a democracia parlamentar e as inovações totalitárias do século 20, mas uma coincidência de tempo histórico, bem como de local (tanto um quanto o outro emergiram no ocidente antes de se propagarem para as periferias) levando a um inevitável enfrentamento: tais soluções inovadoras foram um contraponto, ou uma antítese ao capitalismo e à democracia parlamentar que evoluíam desde a Revolução Gloriosa inglesa. Convém lembrar que tampouco existiu uma cronologia Antes X Depois entre o fascismo e o comunismo: ambos surgiram no mesmo tempo histórico, produtos da mesma sequência de eventos que vinha desde a Revolução Industrial: a multiplicação do proletariado e suas reivindicações, o imperialismo das grandes potências e as disputas daí resultantes, o nacionalismo dos países e o internacionalismo dos operários. O fascismo não antecedeu nem sucedeu ao comunismo, mas foi, de fato, um contraponto a este, apresentando uma solução alternativa para o mesmo problema (as reivindicações do proletariado) e substituindo o internacionalismo pelo nacionalismo. Como se sabe, no Brasil dos anos trinta, comunistas e integralistas disputavam o mesmo público e toda a nossa Consolidação das Leis do Trabalho foi inspirada pela Carta Del Lavoro de Mussolini.
Não se pode, portanto, afirmar que no mundo todo, a democracia parlamentar cedeu lugar ao nazi-fascismo, que depois retrocedeu de volta à democracia parlamentar, provando que a História volta atrás. A História estava acontecendo, não tinha acontecido.
Penso, então, que na realidade a História não volta atrás. Dá voltas e faz zigue-zague, mas não retrocede. O que, aliás, fica claro na conhecida citação de Marx: a História acontece pela primeira vez como tragédia, e pela segunda vez como farsa. Melhor assim.
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