Passando ao largo da antiga piada que diz que o Brasil é o país do futuro, e continuará sendo, um dos rótulos correntes por aí que, para variar, eu acho procedente, é o da "modernização incompleta".
É fato que o Brasil já passou por numerosos surtos de modernização no passado, acompanhados de euforia, induzida ou não pelos meios de comunicação. Mas continuamos presos aos velhos problemas do passado, o futuro teima em não chegar nunca. Onde estamos errando?
O que se pode dizer é que houve, sim, uma modernização, mas foi incompleta. Quando leio por aí explicações do porquê não fomos adiante, invariavelmente me deparo com um amontoado de estereótipos que remetem a contextos históricos passados: o Brasil foi "forjado no escravismo" e por isso tem uma elite maligna que conspira contra o povo; o Brasil nunca superou o estágio de colônia e têm sua modernização inibida pelos imperialistas, que nos impõem um "neocolonialismo" no interesse de nos manter fornecedores de produtos primários e mão-de-obra barata; nós entregamos nossas riquezas naturais aos estrangeiros; nós não completamos nossa industrialização e continuamos tendo a maior parte de nosso PIB originado da agricultura.
O simples fato desses argumentos remeterem sempre ao passado e ignorarem fatores do presente já é uma boa pista para explicar o porquê de não conseguirmos sair do lugar. Mas não é motivo para não deixar de analisa-los um por um.
Ninguém nega que tivemos um persistente passado escravagista, o mais longo entre nossos vizinhos. Mas comparando-nos hoje com esses mesmos vizinhos, não noto grande diferença, inclusive com aqueles que tiveram muito menos escravidão do que nós. Acredito que já é tarde para culpar o passado escravagista por nossos problemas, as causas devem ser outras.
Culpar a elite maligna é malhar judas de sábado de aleluia. A "elite", no palavreado dos comentaristas, tornou-se aquilo que os psicólogos chamam um totem, uma entidade maligna que é a responsável por todos os males, mas que ninguém sabe dizer exatamente o que é, exceto que seus integrantes são sempre os outros. Nossa elite é "escravocrata" porque tem empregadas domésticas? Penso que isso pode ser perfeitamente explicado por parâmetros econômicos relacionados ao mercado de trabalho.
Nós ainda somos colônia, por que dependemos economicamente dos países ricos? Se é assim, então o Canadá também é colônia dos EUA, pois tem quase todas as suas importações fornecidas pelo país vizinho, o que não impede a sua população de usufruir de alto padrão de vida. Penso que o conceito de dependência econômica não foi bem definido. Essa argumentação é anacrônica no atual mundo globalizado, onde todos dependem de todos.
Nós não completamos a nossa industrialização, e importamos bens dos países ricos ao invés de produzi-los aqui? A política de substituição de importações foi implementada 50 anos atrás, e justificou-se na época como uma necessária largada inicial para nossa industrialização. Na época atual, só dá origem a séquitos de empresários "amigos do rei" vivendo do protecionismo e impingindo ao povo produtos mais caros e tecnologicamente inferiores aos estrangeiros.
Nós estamos voltando a ser um país tipicamente agrícola? As estatísticas mostram que sim: o percentual do PIB gerado pela indústria decresce a cada ano, aproximando-se de 10%, enquanto o percentual da agricultura cresce. Mas não estou observando por aí operários voltando para o campo para empunhar enxadas ao invés de ferramentas. O que aconteceu de fato foi que a agricultura nacional obteve um enorme incremento nas últimas décadas, enquanto a indústria ficou estagnada, daí o avanço em termos relativos. Chama-se isso agronegócio.
Penso que o real motivo de nossa modernização incompleta é um bloqueio mental que nos mantém atados aos tempos pré-globalistas da guerra fria e da espoliação colonial. Em meio a esquematismos ideológicos, terminologias datadas e teorias conspiratórias, tentamos ressuscitar o desenvolvimentismo varguista esgotado desde os anos 80 do século passado, e ninguém tem olhos para os reais exemplos de sucesso à nossa volta: os novos países industrializados da Ásia, que 40 anos atrás eram mais pobres do que nós. Nesse ponto a discussão embica para o papel do Estado como indutor do desenvolvimento: argumentam que naqueles países também houve e continua havendo grande presença do Estado na economia, o que não é uma mentira. Mas cumpre notar que desde o início, a produção industrial daqueles países foi voltada à exportação para o mundo globalizado, enquanto o modelo aqui foi outro, a industrialização fomentada por encomendas de empresas estatais. O resultado, todos sabemos: a Petrobrás pagando por um navio petroleiro com soldas defeituosas o dobro do preço de um navio coreano com soldas perfeitas. Empresa estatal, empresário nacional, fica tudo em casa.
Mas como qualquer dono de botequim sabe, tirar dinheiro do bolso esquerdo e botar no bolso direito não o torna mais rico. O que o torna mais rico é o dinheiro que sai do bolso do freguês e entra no dele.
sexta-feira, 20 de abril de 2018
terça-feira, 10 de abril de 2018
Brasil do Norte, EUA do Sul
Uma comparação recorrente entre os comentaristas de história, política e economia, é entre o Brasil e os EUA. Ensinam nossos professores na escola: os EUA foram uma "colônia de povoamento", e nós fomos uma "colônia de exploração", conceitos estes autoexplicativos, que esclarecem a diferença que existe entre nós e os EUA. Alguns comentaristas lamentam que não tenhamos sido capazes de imitar o exemplo do norte, outros culpam os EUA pelo atraso e pobreza de seus vizinhos, em razão de sua política imperialista e espoliativa, mas a um ponto, todos concordam: os EUA são o exato oposto de nós, sob todos os aspectos.
Mas somos realmente tão diferentes?
Conforme é sabido, o ignorante tende a julgar pelos aspectos de percepção mais imediata, assim como quem acomoda os livros em uma estante conforme a altura da capa. O início do aprendizado caracteriza-se pela descoberta de diferenças entre coisas que antes julgávamos iguais, nascendo aí o conceito de divisão e classificação de acordo com atributos comuns. O aprofundamento do aprendizado, contudo, ruma no sentido inverso: passamos a descobrir sutis semelhanças entre coisas que antes tínhamos certeza de serem totalmente díspares. É assim que o biólogo descobre que uma espécie de ratinho e um elefante são aparentados. E também é assim que descobrimos analogias entre o Brasil e os EUA. Colônia de exploração? Com essa afirmação fica parecendo que aqui só aportaram vice-reis, funcionários e fidalgos para tomar posse de sesmarias, tal como aconteceu em antigos membros de impérios europeus como a Índia e a Indonésia. É esquecido que para cá também vieram enormes levas de colonos e imigrantes despossuídos, ou seja, o Brasil também foi uma colônia de povoamento. E os EUA também foram uma colônia de exploração, ou alguém se esqueceu do sul escravocrata que praticava a monocultura do algodão?
As diatribes dos brasileiros contra os EUA, sobretudo comentaristas de esquerda, são bem conhecidas: os EUA são imperialistas e estão por trás de todas as conspirações havidas aqui, etc. Bem menos conhecidas são as obsessões dos americanos em relação ao Brasil. Sim, elas existem. Fui descobrindo aos poucos, ao longo de muitas pesquisas e debates na internet com comentaristas americanos.
Explico: os americanos criaram uma dicotomia entre eles e seus vizinhos sul-americanos cunhando uma identidade a que chamam "latino", ou "hispânico". Sobretudo o termo "latino", é importante ressaltar, não tem o significado corrente na Europa e aqui, designando alguém que fala uma língua derivada do latim, originada da desintegração do antigo Império Romano do Ocidente - ou seja, um espanhol, português, francês, italiano ou seus descendentes. Para os americanos do norte, o latino tem uma conotação racial, e inclusive a palavra consta nos documentos oficiais de classificação. Assim fica simples: os norte-americanos são brancos, negros ou asiáticos, produto de um histórico de povoamento peculiar. Os sul-americanos são todos latinos. Ponto.
Mas onde entra o Brasil nesta salada? De cara, fica eliminado nosso enquadramento como "hispânicos", pois não fomos colônia espanhola. Então, somos latinos? Essa questão tem sido alvo de acirrados debates em forums de discussão americanos, conforme eu verifiquei pessoalmente. Cumpre ressaltar, forums em geral frequentados somente por americanos. De início eu estranhei a importância dada a uma questão subjetiva que nem deveria ser um assunto da alçada deles, mas depois compreendi: é crucial, pois quebra a dicotomia que foi construída. Como contrapor? Os EUA são o produto da colonização do Novo Mundo por parte de um império europeu; o Brasil é produto da colonização do Novo Mundo por parte de um império europeu. Os EUA herdaram um território vasto que não se desintegrou em países independentes; o Brasil herdou um território do mesmo tamanho que não se desintegrou em países independentes. A população dos EUA é constituída de nativos, africanos escravizados e imigrantes do mundo todo. A população do Brasil é constituída de nativos, africanos escravizados e imigrantes do mundo todo.
Tendo tantos paralelos, e ao mesmo tempo apresentando resultados tão díspares, o Brasil surge aos olhos do americano médio como um döppelganger zombeteiro, um terrível exemplo do que os EUA podem se tornar se não tomarem cuidado. Não é por acaso que a expressão "Brasil do Norte" é recorrente nos discursos de líderes direitistas norte-americanos que se opõem à imigração, como este aqui. É expressado o temor de que a mistura descontrolada descaracterize os EUA, deslocando do poder a grande classe média americana (fetichizada como branca) e substituindo-a por um proletariado desarticulado e propenso à espoliação por parte de empresários gananciosos e políticos populistas. Por este motivo, sempre notei da parte dos comentaristas americanos uma propensão a ressaltar somente as diferenças entre o Brasil e os EUA, com acepção crítica ou elogiosa, tanto faz, mas apontar semelhanças sempre tirava-as de sua zona de conforto.
Entre nós, o desconforto originado da comparação também existe, mas na forma de um sentimento de inferioridade. Afinal, se há tantos paralelos históricos e antropológicos entre a formação dos EUA e a do Brasil, como explicar que os resultados tenham saído tão diferentes? Surge indefectível a pergunta: o que foi que nós fizemos de errado? O conceito de "colônia de exploração", conforme já expliquei, não serve. A diferença não pode ser definitivamente encontrada em fatores sociais, mas sim, políticos e econômicos. E é então que a discussão se alarga.
Os americanos até simpatizam conosco. Nunca houve um histórico de conflito no passado, como houve com os vizinhos hispânicos; a distância e o cosmopolitismo do Brasil criaram um clima de neutralidade que evita a polarização. Mas cumpre ressaltar: gostam, desde que mantidas certas dicotomias quase sempre desairosas para nós. Daí que quase sempre só se atenham a aspectos periféricos de nossa cultura, a herança comum da civilização ocidental não é olhada, e às vezes nem reconhecida. A impressão que tenho é que gostam de nós, desde que façamos coisas tolas e falemos bobagens; se falamos coisas sérias, não gostam mais.
Mas se os EUA podem ser o Brasil do Norte, o Brasil também pode ser os EUA do Sul. Mas primeiro temos que deixar de repudiar essa comparação.
Mas somos realmente tão diferentes?
Conforme é sabido, o ignorante tende a julgar pelos aspectos de percepção mais imediata, assim como quem acomoda os livros em uma estante conforme a altura da capa. O início do aprendizado caracteriza-se pela descoberta de diferenças entre coisas que antes julgávamos iguais, nascendo aí o conceito de divisão e classificação de acordo com atributos comuns. O aprofundamento do aprendizado, contudo, ruma no sentido inverso: passamos a descobrir sutis semelhanças entre coisas que antes tínhamos certeza de serem totalmente díspares. É assim que o biólogo descobre que uma espécie de ratinho e um elefante são aparentados. E também é assim que descobrimos analogias entre o Brasil e os EUA. Colônia de exploração? Com essa afirmação fica parecendo que aqui só aportaram vice-reis, funcionários e fidalgos para tomar posse de sesmarias, tal como aconteceu em antigos membros de impérios europeus como a Índia e a Indonésia. É esquecido que para cá também vieram enormes levas de colonos e imigrantes despossuídos, ou seja, o Brasil também foi uma colônia de povoamento. E os EUA também foram uma colônia de exploração, ou alguém se esqueceu do sul escravocrata que praticava a monocultura do algodão?
As diatribes dos brasileiros contra os EUA, sobretudo comentaristas de esquerda, são bem conhecidas: os EUA são imperialistas e estão por trás de todas as conspirações havidas aqui, etc. Bem menos conhecidas são as obsessões dos americanos em relação ao Brasil. Sim, elas existem. Fui descobrindo aos poucos, ao longo de muitas pesquisas e debates na internet com comentaristas americanos.
Explico: os americanos criaram uma dicotomia entre eles e seus vizinhos sul-americanos cunhando uma identidade a que chamam "latino", ou "hispânico". Sobretudo o termo "latino", é importante ressaltar, não tem o significado corrente na Europa e aqui, designando alguém que fala uma língua derivada do latim, originada da desintegração do antigo Império Romano do Ocidente - ou seja, um espanhol, português, francês, italiano ou seus descendentes. Para os americanos do norte, o latino tem uma conotação racial, e inclusive a palavra consta nos documentos oficiais de classificação. Assim fica simples: os norte-americanos são brancos, negros ou asiáticos, produto de um histórico de povoamento peculiar. Os sul-americanos são todos latinos. Ponto.
Mas onde entra o Brasil nesta salada? De cara, fica eliminado nosso enquadramento como "hispânicos", pois não fomos colônia espanhola. Então, somos latinos? Essa questão tem sido alvo de acirrados debates em forums de discussão americanos, conforme eu verifiquei pessoalmente. Cumpre ressaltar, forums em geral frequentados somente por americanos. De início eu estranhei a importância dada a uma questão subjetiva que nem deveria ser um assunto da alçada deles, mas depois compreendi: é crucial, pois quebra a dicotomia que foi construída. Como contrapor? Os EUA são o produto da colonização do Novo Mundo por parte de um império europeu; o Brasil é produto da colonização do Novo Mundo por parte de um império europeu. Os EUA herdaram um território vasto que não se desintegrou em países independentes; o Brasil herdou um território do mesmo tamanho que não se desintegrou em países independentes. A população dos EUA é constituída de nativos, africanos escravizados e imigrantes do mundo todo. A população do Brasil é constituída de nativos, africanos escravizados e imigrantes do mundo todo.
Tendo tantos paralelos, e ao mesmo tempo apresentando resultados tão díspares, o Brasil surge aos olhos do americano médio como um döppelganger zombeteiro, um terrível exemplo do que os EUA podem se tornar se não tomarem cuidado. Não é por acaso que a expressão "Brasil do Norte" é recorrente nos discursos de líderes direitistas norte-americanos que se opõem à imigração, como este aqui. É expressado o temor de que a mistura descontrolada descaracterize os EUA, deslocando do poder a grande classe média americana (fetichizada como branca) e substituindo-a por um proletariado desarticulado e propenso à espoliação por parte de empresários gananciosos e políticos populistas. Por este motivo, sempre notei da parte dos comentaristas americanos uma propensão a ressaltar somente as diferenças entre o Brasil e os EUA, com acepção crítica ou elogiosa, tanto faz, mas apontar semelhanças sempre tirava-as de sua zona de conforto.
Entre nós, o desconforto originado da comparação também existe, mas na forma de um sentimento de inferioridade. Afinal, se há tantos paralelos históricos e antropológicos entre a formação dos EUA e a do Brasil, como explicar que os resultados tenham saído tão diferentes? Surge indefectível a pergunta: o que foi que nós fizemos de errado? O conceito de "colônia de exploração", conforme já expliquei, não serve. A diferença não pode ser definitivamente encontrada em fatores sociais, mas sim, políticos e econômicos. E é então que a discussão se alarga.
Os americanos até simpatizam conosco. Nunca houve um histórico de conflito no passado, como houve com os vizinhos hispânicos; a distância e o cosmopolitismo do Brasil criaram um clima de neutralidade que evita a polarização. Mas cumpre ressaltar: gostam, desde que mantidas certas dicotomias quase sempre desairosas para nós. Daí que quase sempre só se atenham a aspectos periféricos de nossa cultura, a herança comum da civilização ocidental não é olhada, e às vezes nem reconhecida. A impressão que tenho é que gostam de nós, desde que façamos coisas tolas e falemos bobagens; se falamos coisas sérias, não gostam mais.
Mas se os EUA podem ser o Brasil do Norte, o Brasil também pode ser os EUA do Sul. Mas primeiro temos que deixar de repudiar essa comparação.
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