Sem dinheiro não faz nada, bradou Dilma em um raro momento de sinceridade. Isso vem provar que até os mais cínicos enganadores falam a verdade quando encurralados pelos fatos. Mesmo ato falho ela já havia cometido em outra ocasião, quando afirmou: "nós esgotamos todos os recursos que tínhamos para evitar a crise de 2008", querendo referir-se ao país como um todo, mas esquecendo-se de que o "nós" aí era o governo, chefiado por ela própria. De fato, sua capacidade de fornecer desculpas esgotou-se, pois aqueles a quem ela poderia culpar, como a crise de 2008 e o governo do PSDB, já ficaram bem atrás no passado.
Nos últimos anos presenciamos no Brasil mais um voo de galinha, como os demais saudado como nossa entrada definitiva no clube dos países ricos; cada um desse episódios, contudo, sucedeu em um contexto político bem distinto. O mote desta vez foi a redistribuição de riqueza, e funcionou por algum tempo, até que esbarramos em uma realidade cabal: só se pode distribuir a riqueza já produzida. Quando esta se acaba, resta-nos repetir a frase de Dilma: sem dinheiro não se faz nada. O fato é que o país inteiro beneficiou-se de um prolongado período de crescimento na economia mundial e de subida de preços de nossa commodities, e o PT capitalizou em seu favor essa bonança, mas tal como o resto do país, apenas surfou a onda que se ergueu em sua direção. Outros voos de galinha ocorreram nos anos JK e na época do "milagre" dos militares. Nessas ocasiões, o incremento do padrão de vida da população foi puxado por um forte crescimento econômico que fez aumentar a oferta de empregos, mas que não foram paralelos a um equilíbrio nas contas públicas - junto aumentou a inflação, ou o endividamento, ou ambos. Por este motivo não foram auto-sustentáveis, pois o crescimento econômico não coexiste com o descalabro financeiro por muito tempo.
No ciclo de desenvolvimento dos anos Lula, tivemos uma novidade. O crescimento do PIB não foi tão forte quanto nos ciclos anteriores, mas desta vez o financeiro estava em ordem. Pela primeira vez em nossa História, a população experimentou um consistente aumento em seu padrão de vida puxado pela estabilidade econômica, que permitiu uma expansão do crédito e consequente aumento do consumo. Mas Dilma ressuscitou o nacional-estatismo que havia sido responsável pelo fracasso dos ciclos anteriores, com seu corolário de autofinanciamento dos bancos públicos pela emissão de moeda, produzindo inflação a fim de forçar a população a cobrir os deficit´s das contas do governo mediante a perda de seu poder aquisitivo. É uma ideia cepalina de 60 anos atrás, quando Celso Furtado afirmava que "um pouquinho de inflação" era necessária ao desenvolvimento e que a desvalorização da moeda era necessária para aumentar as exportações. Podia fazer algum sentido naquele tempo em que nossa indústria era incipiente e nossa carga tributária era baixa, mas no momento atual, o primeiro efeito de tal política será liquidar todo o incremento de padrão de vida experimentado pela população desde o Plano Real.
Quando vão acabar esses voos de galinha? Talvez no dia em que nos convencermos de que sem dinheiro não se faz nada.
sábado, 25 de julho de 2015
quinta-feira, 16 de julho de 2015
A volta da direita?
No cenário atual de enfraquecimento do governo do PT, ouve-se aqui e ali uma grita medrosa contra a volta da direita e um suposto golpe que estaria sendo tramado. Entretanto, ninguém consegue ver direito a cara dessa nova direita. Aparentemente é o PSDB, o único partido até agora a falar em impeachment da presidente Dilma, mas se é assim, o que é do discurso de direita do PSDB? Esse discurso, quando se ouve por aí, parte de intelectuais desvinculados de quadros partidários ou de um ou outro líder político ou religioso meio folclórico, o PSDB apenas repete em linhas gerais a mesma e vaga declaração de princípios de todo partido de centro-esquerda, e na prática não tem projeto nenhum para o país. Suposto herdeiro do país após o esgotamento da era petista, o PSDB revela um desconcertante abulismo.
O caso é que a direita, no Brasil, desde o regime militar tornou-se um xingamento. Não que tenha deixado de existir, mas perdeu o rosto, já que ninguém mais assume-se como de direita - é politicamente incorreto no mínimo. Todos viraram esquerda. Desde então, sempre que há um recuo na esquerda, o que se observa é uma espécie de refluxo, um deslocamento de ar que vai preencher o vácuo recém-criado, sem que se possa discernir com precisão de onde ele vem nem para onde vai. Foi assim nas manifestações de 2013, cuja amplitude bem revelava o tamanho do descontentamento, sem que nenhum dos manifestantes ousasse expressar sua condenação ao governo. Desnecessário dizer que aquele cidadão que está descontente, mas não sabe dizer com o que, é a massa de manobra ideal que todo governo sonhou.
Mas agora o cenário está mudando. Nas manifestações deste ano, os manifestantes já conseguem dizer Fora Dilma. Ao que parece, a direita quer mesmo renascer. Mas quem a representará? O último partido assumidamente de direita que tivemos foi a UDN, e lá se vão 50 anos. O PSDB parece movido mais pela ambição pessoal de Aécio Neves e tampouco mostra-se disposto a exibir um projeto de direita para suceder ao atual governo: refiro-me ao liberalismo econômico, redução do tamanho do Estado, livre mercado, responsabilidade fiscal, desregulamentação. Tudo o que o PSDB pregou no tempo de Fernando Henrique, depois renegou. É aí que está o perigo: o vácuo já foi criado, mas não se sabe quem irá preenche-lo. Na falta de uma referência sólida para a direita, abrem-se as brechas para outsiders e aventureiros, de que nossa História registra muitos exemplos. Há os folclóricos, como Enéas Carneiro, mas ninguém sabe o que pode resultar de um Jair Bolsonaro, atual campeão de votos, tal como foi Enéas Carneiro, ambos canalizando aquela porção desencantada do eleitorado que não tem um partido que represente duas ideias. Um líder carismático sem uma base partidária sólida é um candidato natural a ditador - lembram-se de Jânio Quadros? E lembram-se do que veio depois de Jânio Quadros?
Jânio foi a UDN de porre, como disseram na época. Cansada de ser derrotada pela coalização trabalhista, a UDN teve a infeliz ideia de emular o populismo dos adversários criando um candidato genuinamente popular, mas de direita. Conseguiu vencer a eleição, mas... Na época atual, o PSDB, cansado de ser derrotado pelo PT, renegou seu ideário da era FHC e procurou emular o discurso petista, mas quem ia querer a imitação se pode ter o original?
Resta saber se a direita brasileira renascerá embasada em um partido, ou se teremos mais uma volta do mesmo.
O caso é que a direita, no Brasil, desde o regime militar tornou-se um xingamento. Não que tenha deixado de existir, mas perdeu o rosto, já que ninguém mais assume-se como de direita - é politicamente incorreto no mínimo. Todos viraram esquerda. Desde então, sempre que há um recuo na esquerda, o que se observa é uma espécie de refluxo, um deslocamento de ar que vai preencher o vácuo recém-criado, sem que se possa discernir com precisão de onde ele vem nem para onde vai. Foi assim nas manifestações de 2013, cuja amplitude bem revelava o tamanho do descontentamento, sem que nenhum dos manifestantes ousasse expressar sua condenação ao governo. Desnecessário dizer que aquele cidadão que está descontente, mas não sabe dizer com o que, é a massa de manobra ideal que todo governo sonhou.
Mas agora o cenário está mudando. Nas manifestações deste ano, os manifestantes já conseguem dizer Fora Dilma. Ao que parece, a direita quer mesmo renascer. Mas quem a representará? O último partido assumidamente de direita que tivemos foi a UDN, e lá se vão 50 anos. O PSDB parece movido mais pela ambição pessoal de Aécio Neves e tampouco mostra-se disposto a exibir um projeto de direita para suceder ao atual governo: refiro-me ao liberalismo econômico, redução do tamanho do Estado, livre mercado, responsabilidade fiscal, desregulamentação. Tudo o que o PSDB pregou no tempo de Fernando Henrique, depois renegou. É aí que está o perigo: o vácuo já foi criado, mas não se sabe quem irá preenche-lo. Na falta de uma referência sólida para a direita, abrem-se as brechas para outsiders e aventureiros, de que nossa História registra muitos exemplos. Há os folclóricos, como Enéas Carneiro, mas ninguém sabe o que pode resultar de um Jair Bolsonaro, atual campeão de votos, tal como foi Enéas Carneiro, ambos canalizando aquela porção desencantada do eleitorado que não tem um partido que represente duas ideias. Um líder carismático sem uma base partidária sólida é um candidato natural a ditador - lembram-se de Jânio Quadros? E lembram-se do que veio depois de Jânio Quadros?
Jânio foi a UDN de porre, como disseram na época. Cansada de ser derrotada pela coalização trabalhista, a UDN teve a infeliz ideia de emular o populismo dos adversários criando um candidato genuinamente popular, mas de direita. Conseguiu vencer a eleição, mas... Na época atual, o PSDB, cansado de ser derrotado pelo PT, renegou seu ideário da era FHC e procurou emular o discurso petista, mas quem ia querer a imitação se pode ter o original?
Resta saber se a direita brasileira renascerá embasada em um partido, ou se teremos mais uma volta do mesmo.
sexta-feira, 10 de julho de 2015
A crise de 1989 e a atual
Quem acompanha o meu blog sabe que gosto de identificar paralelismos entre ocorrências do passado e do presente, a fim de estabelecer padrões que se repetem e ver a mesma peça encenada por outros atores. Recentemente estive pensando: a crise atual tem alguma coisa a ver com a crise de 1989?
O ano de 1989 foi o último em que presenciamos, no Brasil, o fim de um ciclo e o início de outro. A ditadura já havia acabado, mas o nacional-estatismo fora tocado por Sarney com potência máxima, incluindo o congelamento de preços do Plano Cruzado, ponto máximo do intervencionismo estatal na economia, jamais ousado por um governo anterior. O retumbante fracasso do plano, bem como de outras políticas condizentes com o espírito da época como a Reserva de Mercado na Informática, enterrou não somente o governo Sarney mas também todo o ciclo nacional-estatista iniciado décadas antes por Vargas. No cenário arrasado surgiram outsiders: Lula e Collor de Melo. Venceu Collor. Seu governo acabou sendo um fracasso ainda mais retumbante, mas o país não voltou atrás: a partir de então estabeleceu-se o consenso de que o Estado devia encolher, desregulamentar-se, que nosso setor privado era ineficiente e acostumado a viver de subsídios do Estado, que o número de empresas estatais era excessivo e o Estado não tinha recursos para moderniza-las, que o nacionalismo tacanho tornava nossos carros iguais a carroças. Lenta mas inexoravelmente, tal como um transatlântico, o país mudou de rumo. Vieram o Plano Real, e as privatizações e a Lei de Responsabilidade Fiscal. O país parecia convencido enfim que as despesas não podiam superar as receitas.
O governo Lula inicialmente não reverteu esse quadro. Embora embalado por um discurso social e altamente crítico ao "neoliberalismo" de Fernando Henrique, Lula preservou com unhas e dentes a macroeconomia herdada do Plano Real. A inflação caiu e o PIB subiu. Pela primeira vez na nossa História, os trabalhadores experimentaram uma consistente melhora em seus rendimentos puxada pela estabilidade econômica e pela expansão do crédito. Mas Lula também implementou uma espécie de getulismo tardio, voltando a aumentar o tamanho do Estado, aumentando a carga tributária e subsidiando empresas nacionais com recursos públicos, comprando navios com soldas defeituosas de estaleiros nacionais pelo dobro do preço cobrado por um navio coreano com soldas perfeitas. As nuvens estavam no horizonte...
Com o governo Dilma inicia-se o efetivo desmonte da Era FHC e retorno ao nacional-estatismo, com o BNDES emitindo dinheiro para empresta-lo a juros subsidiados ao séquito de empresários amigos-do-rei. O último e essencial componente do antigo modelo - a inflação - ameaça voltar. A inflação foi saudada pelos próceres do nacional-estatismo, de JK a Celso Furtado, como essencial para o desenvolvimento, pois permitia ao governo cobrir seus deficits emitindo dinheiro e assim mandar a fatura para a população, que a pagava com a perda de seu poder aquisitivo. Essa ideia fazia algum sentido naqueles tempos em que tínhamos uma indústria incipiente e uma baixa carga tributária, mas na época atual, seu efeito imediato será liquidar todo o aumento de renda proporcionado por Lula à classe trabalhadora, o qual sustenta-se, como aqui já mencionei, na estabilidade da economia e na expansão do crédito que permite ao trabalhador "tirar" uma geladeira nas Casas Bahia pagando em 15 vezes. O povo já está sentindo isso no bolso, e a cúpula petista já percebeu que não vai colar.
Ao que tudo indica, como em 1989, vivemos o fim de um ciclo, o ciclo do PT no poder. Mas o que virá em seguida? Aventureiros outsiders como outro Collor de Melo? Uma radicalização que remete a outra crise, a de 1964? Ou recuando ainda mais até 1954, um auto-sacrifício de Lula que reverterá a onda anti-petista?
Ou talvez nada disso aconteça e o país fique em piloto automático, conduzido por super-ministros e eminências pardas.
O ano de 1989 foi o último em que presenciamos, no Brasil, o fim de um ciclo e o início de outro. A ditadura já havia acabado, mas o nacional-estatismo fora tocado por Sarney com potência máxima, incluindo o congelamento de preços do Plano Cruzado, ponto máximo do intervencionismo estatal na economia, jamais ousado por um governo anterior. O retumbante fracasso do plano, bem como de outras políticas condizentes com o espírito da época como a Reserva de Mercado na Informática, enterrou não somente o governo Sarney mas também todo o ciclo nacional-estatista iniciado décadas antes por Vargas. No cenário arrasado surgiram outsiders: Lula e Collor de Melo. Venceu Collor. Seu governo acabou sendo um fracasso ainda mais retumbante, mas o país não voltou atrás: a partir de então estabeleceu-se o consenso de que o Estado devia encolher, desregulamentar-se, que nosso setor privado era ineficiente e acostumado a viver de subsídios do Estado, que o número de empresas estatais era excessivo e o Estado não tinha recursos para moderniza-las, que o nacionalismo tacanho tornava nossos carros iguais a carroças. Lenta mas inexoravelmente, tal como um transatlântico, o país mudou de rumo. Vieram o Plano Real, e as privatizações e a Lei de Responsabilidade Fiscal. O país parecia convencido enfim que as despesas não podiam superar as receitas.
O governo Lula inicialmente não reverteu esse quadro. Embora embalado por um discurso social e altamente crítico ao "neoliberalismo" de Fernando Henrique, Lula preservou com unhas e dentes a macroeconomia herdada do Plano Real. A inflação caiu e o PIB subiu. Pela primeira vez na nossa História, os trabalhadores experimentaram uma consistente melhora em seus rendimentos puxada pela estabilidade econômica e pela expansão do crédito. Mas Lula também implementou uma espécie de getulismo tardio, voltando a aumentar o tamanho do Estado, aumentando a carga tributária e subsidiando empresas nacionais com recursos públicos, comprando navios com soldas defeituosas de estaleiros nacionais pelo dobro do preço cobrado por um navio coreano com soldas perfeitas. As nuvens estavam no horizonte...
Com o governo Dilma inicia-se o efetivo desmonte da Era FHC e retorno ao nacional-estatismo, com o BNDES emitindo dinheiro para empresta-lo a juros subsidiados ao séquito de empresários amigos-do-rei. O último e essencial componente do antigo modelo - a inflação - ameaça voltar. A inflação foi saudada pelos próceres do nacional-estatismo, de JK a Celso Furtado, como essencial para o desenvolvimento, pois permitia ao governo cobrir seus deficits emitindo dinheiro e assim mandar a fatura para a população, que a pagava com a perda de seu poder aquisitivo. Essa ideia fazia algum sentido naqueles tempos em que tínhamos uma indústria incipiente e uma baixa carga tributária, mas na época atual, seu efeito imediato será liquidar todo o aumento de renda proporcionado por Lula à classe trabalhadora, o qual sustenta-se, como aqui já mencionei, na estabilidade da economia e na expansão do crédito que permite ao trabalhador "tirar" uma geladeira nas Casas Bahia pagando em 15 vezes. O povo já está sentindo isso no bolso, e a cúpula petista já percebeu que não vai colar.
Ao que tudo indica, como em 1989, vivemos o fim de um ciclo, o ciclo do PT no poder. Mas o que virá em seguida? Aventureiros outsiders como outro Collor de Melo? Uma radicalização que remete a outra crise, a de 1964? Ou recuando ainda mais até 1954, um auto-sacrifício de Lula que reverterá a onda anti-petista?
Ou talvez nada disso aconteça e o país fique em piloto automático, conduzido por super-ministros e eminências pardas.
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