terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Bolsonaro veio para ficar

É essa a conclusão a que chego, após um ano de governo. E para que não digam que é uma opinião particular minha, mostro esse e mais esse artigos publicados na imprensa francesa.

Quando o fenômeno Bolsonaro começou a tomar corpo, especulei se ele não seria mais um daqueles cometas que periodicamente cruzam o céu de nossa política para logo desaparecer no horizonte, como foram Jânio Quadros e Collor de Mello. Decorrido um ano de governo, o desempenho parece aquém das expectativas. O índice de aprovação caiu para cerca de 30%. O crescimento da economia foi pequeno. A maior parte do pacote anti-crime de Moro foi vetada.

Mas convém lembrar que em sete meses, Jânio Quadros já havia renunciado, e em menos tempo ainda Collor de Mello e seu pacote econômico já estavam desmoralizados. A queda do índice de aprovação de Bolsonaro segue o padrão de todos os presidentes após a "lua de mel" da época da eleição, não se trata de uma queda brutal e inesperada. A economia avançou pouco, mas avançou. A reforma da previdência foi aprovada sem grande alarde. Estatísticas mostram uma diminuição nos crimes. Não há grandes escândalos de corrupção, nem manifestações massivas contra o governo.

Enfim, penso estar autorizado a concluir que Bolsonaro não segue o roteiro dos "cometas" que o precederam, e ao que tudo indica terminará seu mandato e tem grandes chances de fazer seu sucessor, conforme mostram as projeções. Para o bem ou para o mal, o fenômeno Bolsonaro parece que vai cristalizar-se em nossa política, congregando facções conservadoras até então desgarradas ou naufragadas no antigo DEM, dando partida, talvez, a um bipartidarismo com facções de esquerda moderada, papel que o PSDB falhou em executar. O mais é futurismo, pois nossa política é inerentemente instável, mas considero factíveis essas previsões.

Aos que se desapontam com este quadro, resta tentar encontrar uma explicação. Penso que aqueles que apostaram contra Bolsonaro, subestimaram o personagem que ele representa. Sim, pois todo líder que ascende pela via do carisma, sem estar apoiado por lideranças políticas estabelecidas, cria um personagem para si mesmo, e passa a representa-lo. E Bolsonaro, que passou de oficial subalterno sem prestígio para político exótico e alternativo, mais conhecido por suas declarações polêmicas do que por seus projetos, soube de fato criar um personagem que foi acolhido por uma multidão órfã de líderes de direita e cansada de líderes de esquerda. De fato, desde que a vanguarda da direita do Brasil foi liquidada, paradoxal que pareça, pelo regime de 1964, que cassou Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek, e atirou os demais na vala comum da ARENA, não surgiu no país um líder convincente de direita para além do exótico Enéas Carneiro. E tampouco os líderes de esquerda souberam se renovar, ao contrário, desgastaram-se por suas práticas corruptas e por seu discurso que feriu os sentimentos conservadores e religiosos do povão, que preferiu correr para os pastores pentecostais das periferias.

Mas por que Bolsonaro não se queimou, como tantos outros linguarudos? Eu acredito que o segredo de Bolsonaro foi nunca se colocar na pele de seu personagem, ao contrário do que fizeram Jânio Quadros e Collor de Mello, que efetivamente se entusiasmaram, acreditaram ter o prestígio que se creditava aos personagens que criaram, e como diz o ditado popular, deram um passo maior que as pernas. Bolsonaro, no fundo, não deixou de ser aquele homenzinho enfezado que diz coisas escatológicas, provocando ora riso, ora indignação. Mas ao redor dele há um governo que, bem ou mal, caminha devagar, mas caminha na direção prometida. É esse governo que tem merecido a confiança de uma população desalentada e cansada de promessas não cumpridas. Voltando a recorrer a ditos populares, Bolsonaro não deixou a peteca cair nem o caldo entornar.

O futuro, veremos.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Marxismo Cultural, ele existe?

Certas palavras estão inefavelmente ligadas a certas épocas e locais. Um termo que parece muito ligado e que pretensamente explica o momento político atual é Marxismo Cultural. O governo e os direitistas acusam o PT e a esquerda de promover tal coisa com o fim de demolir os valores tradicionais da população e assim engendrar uma espécie de revolução cultural que transformará todos em dóceis militantes. A esquerda obviamente nega que tal coisa exista.

Diz o verbete no wikipedia:

"Marxismo cultural é uma teoria da conspiração difundida nos círculos conservadores e da extrema-direita estadunidense desde a década de 1990. Refere-se a uma suposta forma de marxismo, alegadamente adaptada de termos econômicos a termos culturais pela Escola de Frankfurt, que teria se infiltrado nas sociedades ocidentais com o objetivo final de destruir suas instituições e valores tradicionais através do estabelecimento de uma sociedade global, igualitária e multicultural"


Historicamente, o termo introduziu-se no âmbito acadêmico na década de 1930. Os teóricos da Escola de Frankfurt, assim como Marx, consideram que a cultura é inseparável de seu contexto social, econômico e político e, portanto, deve ser estudada levando em conta o sistema e as relações sociais que a produzem. No ambiente acadêmico do Brasil, como tudo o mais, só chegou bem mais tarde. Nos anos 60 ninguém falava disso, e até se acreditava em revolução armada. Mas como temos o vício antropofágico de deglutir e dar uma feição peculiar ao que vem de fora, e é certo que palavras, mesmo vazias, de tão repetidas podem mesmo materializar conceitos, o marxismo cultural ganhou vida e recebeu uma acepção própria entre nós. É produto da progressiva substituição dos trabalhadores pelos lúmpens como o público revolucionário por excelência, fenômeno que vem desde o final do século passado, mais exatamente desde o fracasso da luta armada, que não teve o apoio dos trabalhadores.

Uma vez que os trabalhadores aderiram ao capitalismo, então os militantes procuraram seu novo público entre os marginais da sociedade, aqueles a quem Marx denominava lúmpen-proletariado, e afirmava serem imprestáveis como revolucionários. A coisa funciona assim: onde quer que exista um grupo de indivíduos desfavorecidos em algum conflito, antissociais, desajustados e inconformistas, os militantes vão lá e buscam a sua adesão, mesmo que o conflito no qual eles estão envolvidos não tenha nada a ver com luta anticapitalista. Com este fim, produzem um discurso que se convencionou chamar de marxismo cultural.

Mas esse discurso causa imensa repulsa nas massas populares, em geral religiosas e conservadoras em termos de costumes, e tem sido a causa principal do divórcio entre o eleitorado trabalhador e a esquerda.

Ao fim e ao cabo, vemos que Marx estava de todo certo ao considerar os lúmpens imprestáveis como revolucionários. Embora eles afrontem a ordem burguesa com sua conduta antissocial, por outro lado são facilmente cooptados pela burguesia, em razão de seu caráter venal. Através da História, os burgueses sempre compraram os lúmpens por poucos tostões, inclusive para jogá-los contra os trabalhadores.