A eleição de Maurício Macri na Argentina, derrotando o candidato do kirshnerismo que havia pouco parecia imbatível, foi saudada por muitos como o sinal do início do fim do ciclo populista latino-americano iniciado por Hugo Chávez em 1998. Quanto a mim, procuro ser mais cauteloso.
A própria presença de ciclos na história de um país ou região já é mau agouro. Denota uma repetição compulsiva, uma incapacidade de romper com o passado e seguir adiante. Na América Latina, nenhum país sofre mais desta síndrome do que a Argentina desde o primeiro governo Perón. Estando o país com um formidável saldo na balança comercial no fim da guerra, em consequência das exportações feitas aos países beligerantes, Perón pôde proporcionar a seus concidadãos muitos anos de bonança enquanto o cofre esteve abastecido. Depois que acabou, os argentinos associaram os maus tempos à ausência do caudilho, e desde então têm procurado de todas as maneiras reviver o peronismo, mesmo que tenham que fazer o casal Evita/Perón reencarnar no casal Kirschner. De fato, os argentinos já reconduziram os peronistas ao poder mesmo em situações bem piores que a atual, daí que não foi sem surpresa que eu vi a vitória de Macri.
Protótipo do caudilhismo populista, Perón inaugurou na América Latina um ciclo nefasto, repetido em variadas épocas e locais. A fórmula consiste de raspar até o fundo do cofre a fim de comprar o apoio do povão, e depois que o dinheiro acaba, baixar o cacete. Se não é estabelecida uma ditadura, a eleição seguinte fatalmente tira os populistas do poder. Tenho visto divertidas teorias em forum´s por aí, taxando o povo de ingrato. Dizem que o governo popular tira o povão da pobreza e o transforma em classe média; enriquecido, o povão passa a se identificar com a oligarquia e vota na direita; no poder, a direita os faz voltar à pobreza. Não é nada disso. Indivíduos que ascendem à classe média podem de fato incorporar os valores de sua nova classe social, mas a classe média na América Latina é minoritária e não decide eleição. Quem tira os populistas do poder é o mesmo eleitor pobre que os levou ao poder, decepcionado com as promessas não cumpridas e com o fim das benesses. Nada de veleidade ideológicas aí.
Mas simetricamente, é ilusório achar que o eleitor que agora está votando em candidatos como Macri mudou sua mentalidade. Ele apenas está apostando suas fichas em outro. Por isso, é de se temer que o fim do ciclo populista seja sucedido por um novo ciclo "neoliberal" que uma vez tendo saneado a economia, prepare o início de um futuro o ciclo populista. O que precisa ser feito é quebrar os ciclos, parar de repetir fórmulas passadas. Mas isso só será feito no dia em que o eleitor for seduzido por ideias, e não por benesses.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
Basta de Histórias!
É irônico que em meu blog que tem como tema a História, eu escreva uma postagem com o título Basta de Histórias. Mas esse é o título de um livro que li algum tempo atrás, do jornalista argentino Andrés Oppenheimer. O livro veio-me à cabeça depois de haver lido um artigo no Jornal GGN intitulado Brasil tem mais faculdades de Direito que todos os países.
O artigo afirma que existem 1.240 cursos de Direito no Brasil, contra 1.100 em todo o resto do mundo somado. A informação me é surpreendente, e não vou discutir aqui sua veracidade ou não, por falta de dados. Vou comentar que o autor viu nessa proliferação de advogados um mau sinal, evidência de insegurança jurídica, sem contar que a quantidade é inimiga da qualidade. Um comentarista colocou:
Nesse ponto lembrei-me do citado livro. Andrés Oppenheimer analisa o fato de em sua Argentina natal, e possivelmente em todo o resto da América Latina, os estudantes de História e Filosofia superam em número os estudantes de Engenharia e Informática, e contrapõe ao que acontece na China, onde a esmagadora maioria dos estudantes opta por cursos na área tecnológica, muito embora a China tenha uma História e um legado em Filosofia muito maiores e mais antigos que a Argentina. Nada a ver com o fato da China estar crescendo a largos passos enquanto a América Latina marca passo? Certamente que não!
Sem cair na discussão inútil sobre quem é mais útil ao país, o engenheiro ou o advogado - ambas funções essenciais e não conflitantes - vou direto à raiz do problema: a ambição da grande maioria dos estudantes brasileiros não é inventar uma engenhoca e fundar sua própria empresa, mas passar em um concurso público. E são os cursos de humanas, em especial Direito, os mais requisitados para os concursos. Algo de errado nisso? Sim. Todos sabem que funcionários públicos estão presos a planos de carreira e têm vencimentos tabelados. Se o funcionário enriquece, não é com seus vencimentos. E se o ideal de ascenção social é uma carreira no funcionalismo público, ou há um erro de cálculo ou segundas intenções. Estudantes que optam por tal carreira deveriam fazê-lo por vocação específica, e não por desejo de enriquecer - nesse caso, deveriam ter como ideal entrar na iniciativa privada e fundar suas próprias empresas.
Funcionários e burocratas são essenciais para um país, mas não produzem riqueza. Só haverá recursos para a expansão de carreiras e novos concursos se aqueles que pagam impostos forem prósperos. Do contrário, a grande maioria dos estudantes que sonham passar em um concurso jamais atingirá o seu objetivo. Quanto tempo levará até que entendam isso?
O artigo afirma que existem 1.240 cursos de Direito no Brasil, contra 1.100 em todo o resto do mundo somado. A informação me é surpreendente, e não vou discutir aqui sua veracidade ou não, por falta de dados. Vou comentar que o autor viu nessa proliferação de advogados um mau sinal, evidência de insegurança jurídica, sem contar que a quantidade é inimiga da qualidade. Um comentarista colocou:
É como eu sempre digo: pobre do país que produz mais advogados do que engenheiros.... É sintoma de algo está muito, mas muito errado.
Nesse ponto lembrei-me do citado livro. Andrés Oppenheimer analisa o fato de em sua Argentina natal, e possivelmente em todo o resto da América Latina, os estudantes de História e Filosofia superam em número os estudantes de Engenharia e Informática, e contrapõe ao que acontece na China, onde a esmagadora maioria dos estudantes opta por cursos na área tecnológica, muito embora a China tenha uma História e um legado em Filosofia muito maiores e mais antigos que a Argentina. Nada a ver com o fato da China estar crescendo a largos passos enquanto a América Latina marca passo? Certamente que não!
Sem cair na discussão inútil sobre quem é mais útil ao país, o engenheiro ou o advogado - ambas funções essenciais e não conflitantes - vou direto à raiz do problema: a ambição da grande maioria dos estudantes brasileiros não é inventar uma engenhoca e fundar sua própria empresa, mas passar em um concurso público. E são os cursos de humanas, em especial Direito, os mais requisitados para os concursos. Algo de errado nisso? Sim. Todos sabem que funcionários públicos estão presos a planos de carreira e têm vencimentos tabelados. Se o funcionário enriquece, não é com seus vencimentos. E se o ideal de ascenção social é uma carreira no funcionalismo público, ou há um erro de cálculo ou segundas intenções. Estudantes que optam por tal carreira deveriam fazê-lo por vocação específica, e não por desejo de enriquecer - nesse caso, deveriam ter como ideal entrar na iniciativa privada e fundar suas próprias empresas.
Funcionários e burocratas são essenciais para um país, mas não produzem riqueza. Só haverá recursos para a expansão de carreiras e novos concursos se aqueles que pagam impostos forem prósperos. Do contrário, a grande maioria dos estudantes que sonham passar em um concurso jamais atingirá o seu objetivo. Quanto tempo levará até que entendam isso?
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
As Duas Heranças de JK
Diante do desolador panorama político da atualidade, a tentação é voltar o olhos para o passado, buscando se não uma explicação para o presente, ao menos o conforto de rememorar uma época em que o grande embate se fazia entre personagens como Juscelino Kubitchek e Carlos Lacerda, ao invés de Dilma Rousseff e Eduardo Cunha. Um certo artigo publicado no Jornal GGN sobre JK chamou-me a atenção.
O artigo recorda a difícil eleição e o conturbado governo de Juscelino, perturbado no início por uma rebelião de militares da aeronáutica e até o final pela furiosa oposição de Lacerda. Apesar de tais percalços, os anos JK são hoje recordados como uma época radiosa, e o autor dá a sua versão para explicar: Juscelino preocupou-se em criar um clima de confiança que permitisse a colaboração de todos em prol de seu projeto político, e com este fim evitou confronto com seus adversários, anistiou revoltosos e não puniu corruptos.
Pareceu-me mais um subterfúgio para justificar a corrupção petista: o certo é deixar roubar, como fez Juscelino, que o país progredirá e todos serão felizes. Mas dá para pensar. Tirando a imensa diferença na estatura de seus protagonistas, há alguma semelhança entre os anos JK e a época presente? Eu penso que sim. Seja-se contra ou a favor, é preciso admitir que Juscelino Kubitchek foi um daqueles personagens cuja influência ultrapassa as gerações e molda os costumes políticos. Ele e Vargas foram os dois pilares do nacional-desenvolvimentismo, modelo econômico que marcou o país no século 20, dos anos 30 aos anos 80, tendo em Vargas sua vertente "nacionalista", estatizante, e em JK sua vertente "entreguista", aberta ao capital estrangeiro. Além disso, Juscelino pertence àquela galeria de personagens que são muito criticados em sua época, mas que depois de mortos ganham uma dimensão que não tiveram em vida. Hoje Juscelino é o Pelé dos presidentes, e uma vez transformada a História em romance, assume o papel do galã-mocinho, enquanto o papel de vilão cabe a Carlos Lacerda.
É claro que no mundo real as coisas são mais complicadas, e nem Juscelino foi santo, nem Lacerda foi demônio, ambos foram personagens de uma época específica que não podem ser julgados em separado do contexto desta época. É fora de dúvida, contudo, que Juscelino foi o último presidente que teve um projeto bem delineado e genuíno entusiasmo para realiza-lo. Mesmo seus adversários reconhecem a honestidade de suas intenções e sua generosidade natural. Juscelino foi tudo isso, sim. Mas também foi ingênuo. Ele fez o país progredir "50 anos em 5", mas pagou a conta com dinheiro de banco imobiliário - ou seja, fez o povo pagar a conta por intermédio da inflação. Como se sabe, a crise sobrou para seus sucessores e foi decisiva para o enfraquecimento e posterior queda dos dois governos que vieram em seguida, de Jânio Quadros e Goulart. Outro erro enorme foi a anistia dada aos revoltosos, que minou a disciplina nas forças armadas, e o resultado foi o que se viu. Desnecessário lembrar que os perdoados não perdoaram JK, que foi cassado e humilhado.
Tanto o país quanto o próprio JK pagaram um alto preço pela euforia dos 50 anos em 5. A par de suas portentosas realizações, Juscelino deixou duas heranças nefastas para o país, uma econômica e outra política, que chegaram até os dias de hoje e à crise atual.
A má herança econômica foi a crença, até hoje endossada por muita gente, de que "um pouquinho de inflação" é essencial para o desenvolvimento. Mas produzir inflação nada mais é do que criar um imposto invisível sem passar pelo parlamento, de modo a obrigar o povo a cobrir os rombos das conta do governo com a perda de eu poder aquisitivo. A ingenuidade de JK a respeito foi bem apontada por Roberto Campos, então ministro: em seu livro de memórias, ele citou uma conversa que teve com o presidente, quando ele afirmou ser contra emitir dinheiro para aumentar o número de funcionários, mas a favor quando se tratava de promover o desenvolvimento. Como se a cédula que sai da prensa da Casa da Moeda estivesse ciente de servir ou não ao desenvolvimento do país, comentou o velho Bobby Fields...
A má herança política foi a crença, também até hoje endossada por muita gente, de que os crimes não devem ser apurados a fim de se preservar um clima político "bom", que permita ao governo tocar seu projeto. Assim, se há corrupção, é preciso deixar roubar, pois processar os corruptos vai prejudicar os negócios. Se há revoltas, é preciso anistiar os revoltosos, pois processa-los irá endurecer a oposição e prejudicar a governabilidade. É uma crença messiânica em um futuro radioso que precisa ser alcançado a todo custo, pois uma vez alcançado, todos os crimes do passado supostamente se tornarão pecadilhos sem importância...
JK jamais foi igualado, mas fez escola. Todo jogador de futebol quer ser Pelé, e todo político quer ser JK. As duas heranças nefastas moldaram a opinião de milhões de personalidades, influentes ou não, e em toda parte há gente fazendo hercúleos esforços retóricos para vender a ideia de que o governo, para ser tão benéfico quanto foi o governo JK, precisa abandonar a austeridade fiscal e deixar roubar, pois inflação e corrupção são necessárias ao desenvolvimento. Mas não haverá outro JK, apenas imitadores medíocres, até que o país se convença de que construir prisão pode ser mais urgente do que construir viaduto, e que moldar o caráter é mais importante do que moldar a infraestrutura física.
O artigo recorda a difícil eleição e o conturbado governo de Juscelino, perturbado no início por uma rebelião de militares da aeronáutica e até o final pela furiosa oposição de Lacerda. Apesar de tais percalços, os anos JK são hoje recordados como uma época radiosa, e o autor dá a sua versão para explicar: Juscelino preocupou-se em criar um clima de confiança que permitisse a colaboração de todos em prol de seu projeto político, e com este fim evitou confronto com seus adversários, anistiou revoltosos e não puniu corruptos.
Pareceu-me mais um subterfúgio para justificar a corrupção petista: o certo é deixar roubar, como fez Juscelino, que o país progredirá e todos serão felizes. Mas dá para pensar. Tirando a imensa diferença na estatura de seus protagonistas, há alguma semelhança entre os anos JK e a época presente? Eu penso que sim. Seja-se contra ou a favor, é preciso admitir que Juscelino Kubitchek foi um daqueles personagens cuja influência ultrapassa as gerações e molda os costumes políticos. Ele e Vargas foram os dois pilares do nacional-desenvolvimentismo, modelo econômico que marcou o país no século 20, dos anos 30 aos anos 80, tendo em Vargas sua vertente "nacionalista", estatizante, e em JK sua vertente "entreguista", aberta ao capital estrangeiro. Além disso, Juscelino pertence àquela galeria de personagens que são muito criticados em sua época, mas que depois de mortos ganham uma dimensão que não tiveram em vida. Hoje Juscelino é o Pelé dos presidentes, e uma vez transformada a História em romance, assume o papel do galã-mocinho, enquanto o papel de vilão cabe a Carlos Lacerda.
É claro que no mundo real as coisas são mais complicadas, e nem Juscelino foi santo, nem Lacerda foi demônio, ambos foram personagens de uma época específica que não podem ser julgados em separado do contexto desta época. É fora de dúvida, contudo, que Juscelino foi o último presidente que teve um projeto bem delineado e genuíno entusiasmo para realiza-lo. Mesmo seus adversários reconhecem a honestidade de suas intenções e sua generosidade natural. Juscelino foi tudo isso, sim. Mas também foi ingênuo. Ele fez o país progredir "50 anos em 5", mas pagou a conta com dinheiro de banco imobiliário - ou seja, fez o povo pagar a conta por intermédio da inflação. Como se sabe, a crise sobrou para seus sucessores e foi decisiva para o enfraquecimento e posterior queda dos dois governos que vieram em seguida, de Jânio Quadros e Goulart. Outro erro enorme foi a anistia dada aos revoltosos, que minou a disciplina nas forças armadas, e o resultado foi o que se viu. Desnecessário lembrar que os perdoados não perdoaram JK, que foi cassado e humilhado.
Tanto o país quanto o próprio JK pagaram um alto preço pela euforia dos 50 anos em 5. A par de suas portentosas realizações, Juscelino deixou duas heranças nefastas para o país, uma econômica e outra política, que chegaram até os dias de hoje e à crise atual.
A má herança econômica foi a crença, até hoje endossada por muita gente, de que "um pouquinho de inflação" é essencial para o desenvolvimento. Mas produzir inflação nada mais é do que criar um imposto invisível sem passar pelo parlamento, de modo a obrigar o povo a cobrir os rombos das conta do governo com a perda de eu poder aquisitivo. A ingenuidade de JK a respeito foi bem apontada por Roberto Campos, então ministro: em seu livro de memórias, ele citou uma conversa que teve com o presidente, quando ele afirmou ser contra emitir dinheiro para aumentar o número de funcionários, mas a favor quando se tratava de promover o desenvolvimento. Como se a cédula que sai da prensa da Casa da Moeda estivesse ciente de servir ou não ao desenvolvimento do país, comentou o velho Bobby Fields...
A má herança política foi a crença, também até hoje endossada por muita gente, de que os crimes não devem ser apurados a fim de se preservar um clima político "bom", que permita ao governo tocar seu projeto. Assim, se há corrupção, é preciso deixar roubar, pois processar os corruptos vai prejudicar os negócios. Se há revoltas, é preciso anistiar os revoltosos, pois processa-los irá endurecer a oposição e prejudicar a governabilidade. É uma crença messiânica em um futuro radioso que precisa ser alcançado a todo custo, pois uma vez alcançado, todos os crimes do passado supostamente se tornarão pecadilhos sem importância...
JK jamais foi igualado, mas fez escola. Todo jogador de futebol quer ser Pelé, e todo político quer ser JK. As duas heranças nefastas moldaram a opinião de milhões de personalidades, influentes ou não, e em toda parte há gente fazendo hercúleos esforços retóricos para vender a ideia de que o governo, para ser tão benéfico quanto foi o governo JK, precisa abandonar a austeridade fiscal e deixar roubar, pois inflação e corrupção são necessárias ao desenvolvimento. Mas não haverá outro JK, apenas imitadores medíocres, até que o país se convença de que construir prisão pode ser mais urgente do que construir viaduto, e que moldar o caráter é mais importante do que moldar a infraestrutura física.
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