domingo, 21 de junho de 2020

Brasil da Utopia à Distopia

Quem é da minha geração deve se lembrar de um tempo de otimismo algo ingênuo quanto aos destinos do país. Não sei se tudo começou com a obra Porque Me Ufano de Meu País, publicada em 1900, que lançou o termo ufanismo, mas no meu tempo era bem perceptível. Pelo senso comum, o Brasil era pobre (ou subdesenvolvido), mas tinha um futuro promissor. Havia a utopia do país moderno, da construção de Brasília e dos 50 anos em 5 de Kubitschek. Os guerrilheiros que pegaram em armas contra o regime militar tinham a utopia de uma sociedade socialista. Os próprios militares tinham a utopia do "milagre brasileiro".

Hoje isso acabou. Não há mais otimismo ingênuo no ar, que parece carregado de eletricidade. Escreveu um estudioso francês. O Brasil passou do sonho à distopia. Entende-se por distopia um cenário de governos totalitários ou ideologias que criam condições de vida insuportáveis à sociedade. O oposto da utopia.

"Estrada defende que o tripé "democracia/crescimento/previsibilidade" que fazia o Brasil ser visto há dez anos como "o campeão dos emergentes" ruiu e que o "inaceitável passou a se tornar aquilo que é normal" no governo do presidente Jair Bolsonaro"


"O consenso democrático pós-1988 no Brasil já caiu por terra. A democracia brasileira já está sob tutela, ressalta Estrada"


O atual presidente, que poucos anos atrás ninguém cogitava pudesse tornar-se presidente, chegou ao poder graças a um descontentamento difuso que corroeu a confiança nas lideranças tradicionais. Houve de fato um excesso de promessas e decepções nos últimos anos. O voto em Bolsonaro foi um voto de impaciência e raiva. Ou de desalento. Os alarmistas clamam que o presidente é fascista e que planeja implantar uma ditadura. Mas quem ainda consegue raciocinar sem paixão vê que não é bem assim, como nesse artigo intitulado "Bolsonaro Talvez Nunca Seja o Fascista que Gostaria de Ser".

"Bolsonaro 'mente como um fascista, elogia ditaduras e ditadores como um fascista, glorifica a violência', afirma Finchelstein. Porém faltam os elementos na sociedade necessários para sustentar um regime fascista, como a supressão da imprensa e a submissão do Judiciário. No mundo, seu comportamento está próximo ao dos primeiros-ministros Narendra Modi, na Índia, e Viktor Orbán, na Hungria"


Inexistem, de fato, as condições políticas e sociais para que se possa implantar um regime ditatorial fascista no país na época atual. O presidente é um populista de direita, não um fascista. Provavelmente chegará ao final do mandato, mas não fará seu sucessor, e será mais uma das singularidades de nossa história política, daquelas que surgem de tanto em tanto em momentos de descrédito e desejo ansioso por mudanças. O que virá depois, não sei. Tudo depende de por quanto tempo permanecerá sobre o país essa nuvem de desalento que dá origem às distopias, e do surgimento ou não de novas lideranças.

Essas novas lideranças vão criar novas utopias? Espero que não. Entre utopia e distopia não vai uma distância grande, depende só da imaginação, há sonhos bons e sonhos maus. E certas utopias têm o poder de imobilizar e prender ao passado, em busca de um futuro que não será alcançado - ou com perdão pela autocontradição, em busca por um futuro que já passou. É assim que ficamos andando em círculos enquanto lá fora o mundo avança sem nós. Como escreveu Jabor certa vez, alguns países se constroem por soma, outros por subtração. Penso que, quando eliminarmos todas as falsas expectativas e utopias requentadas, o que sobrar será o Brasil