sábado, 25 de maio de 2019

Porque a Economia Brasileira não tem um Crescimento Sustentado em longo prazo

Esta é uma pergunta que tem sido muito feita ultimamente, enquanto estamos nesse impasse de ausência de crescimento e espera por reformas. Como tudo o que se refere à economia, tem muitas respostas e dá para discutir longamente. Mas vou seguir a pista da comparação com aqueles que eram pobres como nós e conseguiram o crescimento sustentado que almejamos: os novos países industrializados da Ásia.

Respondo sem titubear: basicamente, a causa da ausência de um crescimento sustentado é a baixa taxa de poupança interna. Esse tem sido o diferencial entre o Brasil e os países da Ásia, que desde os anos 60 mantém um crescimento sustentado com altas taxas de poupança interna.

Antes dos anos 80, nós optamos pela poupança externa (endividamento) e pela emissão de moeda, causando inflação. O crescimento sustentado por esses fatores é sempre temporário. As taxas de juros não se mantém baixas indefinidamente. E a emissão de moeda dá um resultado imediato, mas a médio prazo, com a perda do poder aquisitivo da população, o consumo cai, as empresas quebram e mandam embora. As robustas taxas de crescimento anteriores a 1980 escondiam um desastre financeiro: os ganhos que os trabalhadores obtinham com o pleno emprego eram prontamente anulados pelo surto inflacionário que vinha em seguida. Assim obtivemos uma combinação de alto crescimento com pouca ou nenhuma inclusão social, dando origem ao quadro de alta desigualdade que persiste até hoje.

Com o Plano Real, a inflação foi controlada, mas persistiram diversos desajustes nas contas públicas, daí não ter havido um crescimento sustentado. A crise de 1997 nos pegou com força porque tínhamos poucas reservas externas. Com os cortes e privatizações promovidos por FHC, à custa de alta impopularidade, o país chegou no início do século 21 com mais reservas e um quadro econômico mais estável, que combinado com um contexto externo favorável (alta dos preços das commodities) permitiu um surto de crescimento nos dois mandatos de Lula após uma breve recessão no primeiro ano, esta causada pelas incertezas que se dissiparam quando o mercado percebeu que Lula não ia desmantelar o legado do Plano Real, conforme era prometido pelo PT em campanhas passadas.

Preservando a macroeconomia herdada de FHC, Lula conseguiu manter boas taxas de crescimento em seus dois mandatos, mas tampouco preocupou-se com a sustentabilidade a longo prazo. Isto significou que os desajustes das contas deixados pela administração passada, entre os quais já se destacava o da previdência, não foram mexidos: Lula apenas preocupou-se em surfar a onda de prosperidade. A situação começou a degringolar após o anúncio da Nova Matriz Econômica já na metade do segundo mandato, mas ninguém percebeu isso de imediato porque o governo continuou gastando a fim de manter o crescimento alto mesmo após a crise de 2008, que Lula ironizou chamando-a de “marolinha”.

A Nova Matriz Econômica ressuscitou o nacional-estatismo esgotado desde os anos 80, e revelou-se obviamente desastrosa, sobretudo para a Petrobrás, que foi obrigada a manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos e quase quebrou. Nesse quadro, a corrupção teve um efeito mais de desprestígio político do que de prejuízo econômico, embora não seja difícil construir teorias conspiratórias afirmando que a causa da recessão foi a Lava-Jato e os EUA de olho no pré-sal. Com enorme desequilíbrio nas contas, Lula terminou seu mandato saindo bonito na foto, mas legou uma bomba para explodir no colo de sua sucessora.

Desde então a incerteza política tem sido a causa da ausência da retomada do crescimento: Dilma viu a economia se deteriorar durante seu primeiro mandato, e fez uma campanha agressiva e cheia de mentiras para se reeleger. Conseguiu, mas logo no primeiro mês ficou flagrante que a crise era real. Enfurecido com o estelionato eleitoral, o povo abandonou a presidente a seus inimigos, que a destituíram do cargo sem que ninguém movesse uma palha para defendê-la. Seu sucessor, figura obscura e desprestigiada, nem de longe teve força no parlamento para fazer os ajustes necessários, na verdade era um refém dos deputados em razão de suas práticas corruptas. Agora a questão é saber se Bolsonaro terá a força que Temer não teve.

Crescimento sustentável, só com contas no azul e alta poupança interna. Desenvolvimento sustentável é desenvolvimento onde as contas fecham, onde a verba sai do orçamento e é aplicada conforme previsto sem desvios, onde os contratos são respeitados e o prometido é cumprido. O mais é embromação.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Maio de 1968, Maio de 2019

O entendimento dos fenômenos consiste em identificar similaridade onde tudo parece diferente, e perceber diferenças onde tudo parece igual. Assim sabemos que um camundongo é parente de uma capivara, e não de uma toupeira. No estudo da História, deve-se notar quando certos eventos se repetem, e procurar compara-los após remove-los de seu contexto específico.

A discussão é antiga. Uns dizem que a História se repete, outros dizem que são os historiadores que se repetem uns aos outros. Mas observando as recentes manifestações estudantis anti-Bolsonaro, não pude deixar de lembrar de outro maio, o de 1968. Há alguma semelhança após 51 anos?

O senso comum afirma que manifestações anti-governo ocorrem em momentos de crise, quando a população está obviamente insatisfeita. Mas não foi assim em maio de 1968. A explosão de descontentamento da juventude de então decorreu do surto de prosperidade do pós-guerra, que fez aumentar enormemente o número de estudantes universitários, os quais, pela primeira vez, puderam tornar-se protagonistas da História. Sentindo-se emponderados, eles clamavam por hedonismo. Queriam vida boa e acesso ao dormitório das meninas, ao invés da vida dura de trabalhar desde cedo sob as ordens dos pais. A aliança que no primeiro instante formou-se entre o movimento estudantil e os trabalhadores logo mostrou-se um mal entendido. Hoje aquele pessoal parece um bando de românticos inconsequentes.

Guardadas as proporções, algo semelhante ocorreu no Brasil em 2013, quando o país foi sacudido por um surto de manifestações tão violentas quanto inesperadas. Tinha ocorrido um período de prosperidade nos anos anteriores, o que fez despertar muitas expectativas. A decepção explodiu quando o povo se inteirou do engodo do governo Dilma.

Diferentemente de 1968 e 2013, as manifestações estudantis agora ocorrem, coerentemente, em um momento de retração econômica com cortes diversos. Mas o discurso parece requentado. E não se observa aliança entre trabalhadores e estudantes. Sabe-se que o movimento estudantil, desde muito, tem sido monopolizado por determinados partidos políticos, já nada tem de romântico ou inconsequente. Diante deste quadro, é impossível não pensar na acusação que foi feita por Bolsonaro: serão todos um bando de idiotas úteis?

Quem viver, verá.