segunda-feira, 27 de abril de 2020

Não Subestimem Bolsonaro

Bolsonaro quer ser ditador. O problema é que a única afinidade que ele tem com a ditadura é uma admiração pueril por um defunto regime militar, no qual, no presente momento, nem os militares acreditam mais.

Desde a aparição do fenômeno Bolsonaro, eu venho dizendo: seu governo só terá chances de sucesso se Bolsonaro deixar seus assessores governar. Se quiser mandar sozinho, o país será lançado em um rumo incerto, que pode terminar naquele conhecido roteiro, pelo qual o país expele corpos estranhos que de tanto em tanto se imiscuem em seu organismo político: refiro-me a Jânio Quadros em 1960, Collor de Mello em 1990, e no meio do caminho, Paulo Maluf em 1984, este expelido antes mesmo de se tornar presidente. Em comum, todos tiveram uma trajetória meteórica de ascensão e queda, tendo chegado ao centro do poder com um discurso anticonvencional, e desligados dos partidos políticos dominantes no momento. Bolsonaro será o próximo? Muitos apostam que sim.

Jair Bolsonaro teve raízes obscuras. De deputado do baixo clero, mais conhecido por seus bate-bocas de baixo calão, tornou-se presidente, mas não mudou de estilo: continua afeito a polêmicas estéreis, agora com seus assessores. Essas polêmicas quase sempre resultam em condenação no país e no exterior. Entre os que votaram nele, fica a sensação de que seu presidente faria melhor ficando de boca calada, e seus adversários ficam em júbilo pelo desgaste que ele próprio causa a sua figura.

Mas Bolsonaro não é para ser subestimado. É o que diz este artigo, escrito pelo brasilianista Anthony Pereira nos EUA (nos momentos de violenta polarização interna, o olhar vindo de fora é sempre oportuno).

"Não quero subestimar Bolsonaro como fenômeno político. O bolsonarismo é uma força orgânica no país"


Bolsonaro pode estar desgastado, mas ainda conta com respeitável percentual de aprovação, e o mais importante, seus apoiadores são fiéis. Sua ruptura com Moro foi o lance final da disputa entre o bolsonarismo e o lavajatismo, duas correntes que muitos julgavam parte da mesma linha política, mas que na verdade sempre foram distintas e independentes: o bolsonarismo mais preocupado com questões culturais e ideológicas, o lavajatismo querendo a continuação das investigações contra a corrupção.

É arriscado prever como essas duas correntes vão se comportar agora. O governo Bolsonaro terá, sem dúvida, um estremecimento, mas não é sabido se Moro ficará nas sombras, ou se emergirá como candidato à sucessão. Com o país imobilizado pela pandemia do Coronavírus, em compasso de espera, o melhor a fazer é esperar antes de fazer previsões. Em todo caso, a História está aí para servir de referência.

domingo, 19 de abril de 2020

O Neoliberalismo de Bolsonaro

Há pelo menos 30 anos, um rótulo nos persegue: o neoliberalismo. Tão repetido que já ninguém sabe defini-lo: seu significado é auferido do contexto. Foi dito que FHC introduziu o neoliberalismo no país, então o neoliberalismo tem a ver com cortes, privatizações, diminuição do Estado. Atualmente é ponto pacífico que o governo Bolsonaro conduz um modelo econômico neoliberal, embora nenhuma grande privatização tenha sido anunciada até agora.

Mas quando se tenta proceder a uma análise que contrapõe versão e fatos, as contradições aparecem. Esse artigo levanta uma série que questionamentos:

"O Bolsonarismo é anti-globalista, anti-multilateralista, anti-ambientalista. Então como pode ter na politica econômica uma plataforma que depende da percepção positiva do conjunto dos países centrais que tem como linha de ação geopolítica o anti-populismo de direita e ter um comando Neoliberal Globalista na economia?"


"A combinação Bolsonarismo com Neoliberalismo é impossível sob o ponto de vista conceitual, é um coquetel explosivo e impalatável"


"O Bolsonarismo é um conjunto de ideias populistas de ultra-direita, um sistema incompatível com o Neoliberalismo, que é globalista e pelo Estado mínimo, uma mistura indigesta, incompatível com a lógica politica e econômica"


Pois a meu ver, a explicação para tanta contradição é simples e até óbvia: o neoliberalismo não pode coexistir com a política do governo Bolsonaro porque de fato nunca foi adotado por este. Em linguagem simples, chama-se procurar chifre em cabeça de cavalo.

Na realidade, o neoliberalismo nunca existiu no Brasil. Foi coisa dos EUA de Reagan e da Inglaterra de Thatcher, e tratou-se de uma reação contra os excessos do Estado de Bem-Estar Social, cujos gastos excessivos estavam provocando estagnação econômica e desemprego. Mas no Brasil, nunca houve um Estado de Bem-Estar Social. O Estado brasileiro quebrou por seus gastos excessivos para sustentar a si próprio, e não aos cidadãos. Os anos 80 presenciaram o colapso do modelo de Estado Forte que foi a regra no país e em seus vizinhos desde meados do século passado, aqui passando pelo varguismo até chegar aos militares e seu nacional-desenvolvimentismo, que teve o auge nos anos setenta e o esgotamento na década seguinte. Sobrecarregado por seus gastos, o Estado brasileiro passou de indutor do desenvolvimento a peso morto que brecava o desenvolvimento. O que se chamou então de neoliberalismo na Era FHC nada mais foi do que a sequência de cortes e privatizações que todo o governo tem que fazer quando gasta mais do que arrecada. O termo, inclusive, já se encontra em desuso no resto do mundo, e só é repetido aqui, onde se tornou sinônimo de tudo o que há de ruim.

Mas o rótulo nos persegue, e volta e meia lá estamos nós de novo procurando chifre em cabeça de cavalo. Na prática, até governos nacionalistas de esquerda podem ser "neoliberais" quando a necessidade aperta, como foram o peronista Menem na Argentina e Dilma Rousseff em seu segundo mandato. Talvez esta fixação em malhar o judas neoliberal seja um sintoma de nostalgia do antigo Estado Forte, que criava um poderoso ethos nacional, resgatando valores nacionais, fomentando a cultura nacional e o patriotismo. Quanto a mim, não tenho saudades.