Não se pode visitar a página de um jornal ou um fórum qualquer da internet sem se deparar com essa palavra-de-ordem repetida vezes sem conta: golpe, golpe, houve um golpe, fulano é um golpista, fora o governo ilegítimo.
Golpe ou não, o governo Temer está aí. Ninguém espera muita coisa dele, mas sua vantagem reside justamente nessa premissa: o que vier é lucro. Pode até surpreender e começar a arrumar a economia, como um segundo Itamar Franco, mas com certeza será apenas um interregno até um novo governo eleito que ninguém sabe qual será. A probabilidade do PT voltar ao poder com Lula é alta. Isso pode ocorrer em duas hipóteses: primeiro, se o governo Temer for um desastre total, tudo piorar e a agitação ganhar as ruas, levando à antecipação das eleições; segundo se, paradoxalmente, o governo Temer for um sucesso, recolocar a economia nos eixos até 2018, e então o PT terá cacife para prometer uma nova era e prosperidade e conquistas sociais, repetindo o cenário de 2002.
Eu particularmente acho que não acontecerá nem a primeira nem a segunda hipótese. O PT está desgastado com o povo desde que seu saco de bondades ficou vazio, e tampouco a crise é grave o suficiente para suscitar atos de desespero como saques e quebra-quebra. Por outro lado, até 2018 é um prazo muito curto para uma recuperação significativa da economia. Mas estou me desviando do assunto. Perguntava-me se o que aconteceu foi ou não um golpe de estado.
Por definição, um golpe é uma batida, uma ação inesperada e rápida. Esse termo não se aplica a um processo que prolongou-se por meses a fio. Muitos dicionários por certo terão sua definição particular de golpe de estado, mas eu penso que a expressão pode ser descrita em poucas palavras como uma investida súbita de um grupo, geralmente minoritário, no sentido de apossar-se dos centros de poder, a fim de controlar o Estado dali por diante. Não foi isso o que aconteceu. O impedimento de Dilma Rousseff pode até ser questionável do ponto de vista jurídico, mas seguiu todos os trâmites previstos na constituição e foi acompanhado pelo STF. Sem contar que é um golpe muito estranho esse em que ninguém foi preso e a presidente até pode continuar usufruindo do palácio.
Isso no entanto não impede que os simpatizantes do governo continuem repetindo que houve um golpe de estado, certamente acreditando na velha máxima de que toda mentira repetida mil vezes transforma-se em verdade. Não é bem isso. O que acontece de fato é que após repetir mil vezes a mentira, o próprio mentiroso passa a acreditar nela.
quinta-feira, 26 de maio de 2016
terça-feira, 17 de maio de 2016
O fim do governo lombrosiano
Na primeira apresentação de Temer e seu novo ministério na TV, foi impossível ignorar uma impressão que tive de imediato, mas que procurei reprimir por achar que não era coisa digna de ser externada. Foi uma impressão de dejà vu. Depois de muito tempo, voltei a ver homens de terno, sérios e educados, discorrendo em português correto sobre questões pertinentes da política e da economia.
Mas o que é isso? Então estou julgando um governo por seu aspecto... estético? Alguém pode imaginar coisa mais idiota? Com certeza eu não devia estar dizendo isso. Mas com certeza outras pessoas também tiveram a mesma impressão, e cumpre verificar se não se esconde aí uma lógica profunda. A era petista foi, antes de tudo, uma era de feiura, de grotesco. Tipos mal ajambrados por toda parte, quando não simplesmente feios de cara, usando linguagem vulgar. Com certeza não devemos julgar o outros conforme sua aparência. Mas os petistas, além de feios e incultos, parecem também obstinados em condenar tudo o que é belo e instruído, até a norma culta da língua, estigmatizada como preconceito e arrogância. Um artigo muito bem escrito ajudou-me a abrir os olhos. Com certeza ninguém é culpado de ser feio, mas bem lembrou o autor, cuja esposa trabalha com um salão de beleza, um bom corte de cabelo, uma maquiagem, uma roupa bem escolhida e, principalmente, a boa vontade podem fazer para transformar o feio em, no mínimo, agradável. Os petistas fizeram o contrário: destacaram a própria feiura tanto quanto possível. E se o fizeram deliberadamente, é porque consideram tal caracterização um traço identitário, de modo a repudiar as convenções burguesas e se parecer com o povão, que na opinião deles, deve ser feio.
Mais do que feios, eu diria que os homens públicos que até pouco dominavam o cenário são tipos lombrosianos. Para quem não sabe, Cesare Lombroso foi um psiquiatra e criminologista do século 19 que desenvolveu a tese de que todo bandido tem cara de bandido. Para fundamenta-la, expôs variados painéis de traços fisionômicos que, segundo dizia, eram indicadores de propensão a um tipo de delito. Hoje em dia tal ideia causa risos, mas também repulsa: não há nada mais politicamente incorreto. E no entanto, todos estão cientes de que a polícia sabe muito bem que bandido tem cara de bandido. Alguma verdade há por aí, ou como diz o ditado popular, debaixo desse angu tem caroço. Eu particularmente sempre achei Zé Dirceu o mais lombrosiano de nossos homens públicos, nunca vi ninguém com tanta cara de safado. O segundo mais lombrosiano é Eduardo Cunha, e isso eu dizia muito antes das denúncias que o fizeram perder a presidência da câmara. Na verdade, qualquer cartaz de campanha eleitoral é um festival de tipos lombrosianos, e ver isso às vezes até me divertia. Procurando uma explicação racional, eu digo que não existe tendência inata ao crime, mas certos vícios que afetam a saúde e acabam impressos na fisionomia das pessoas, sem contar o antigo adágio: os olhos são o espelho da alma...
Parece que por hora o governo lombrosiano deu uma trégua no Brasil. É claro que ter um ministério de homens bem vestidos e bem educados, por si só não é garantia de um bom governo. Mas com certeza é um bom começo. Tanto que já tem gente se queixando por aí que o ministérios de Temer só tem brancos e não tem mulheres. Mas o ministério de Temer tem a mesma cara de qualquer diretoria de grande empresa: homens de meia idade, brancos e com boa formação. Obviamente essa não é a cara do país, mas os indivíduos mais capacitados para altas funções costumam ter essa cara. Isso é produto de nosso quadro social e educacional, que dificulta a indivíduos de outros grupos ter o preparo e as ligações necessárias para ascender a posições de poder. Simplesmente criar cotas para esses indivíduos desfavorecidos é fazer uma falsificação, um embuste, pois as causas estruturais que dificultam a tais indivíduos ascender pelas vias normais continuam existindo. Nenhuma farsa dura para sempre, e é sempre agradável a sensação de dejà vu que se segue a cada farsa desfeita.
Mas o que é isso? Então estou julgando um governo por seu aspecto... estético? Alguém pode imaginar coisa mais idiota? Com certeza eu não devia estar dizendo isso. Mas com certeza outras pessoas também tiveram a mesma impressão, e cumpre verificar se não se esconde aí uma lógica profunda. A era petista foi, antes de tudo, uma era de feiura, de grotesco. Tipos mal ajambrados por toda parte, quando não simplesmente feios de cara, usando linguagem vulgar. Com certeza não devemos julgar o outros conforme sua aparência. Mas os petistas, além de feios e incultos, parecem também obstinados em condenar tudo o que é belo e instruído, até a norma culta da língua, estigmatizada como preconceito e arrogância. Um artigo muito bem escrito ajudou-me a abrir os olhos. Com certeza ninguém é culpado de ser feio, mas bem lembrou o autor, cuja esposa trabalha com um salão de beleza, um bom corte de cabelo, uma maquiagem, uma roupa bem escolhida e, principalmente, a boa vontade podem fazer para transformar o feio em, no mínimo, agradável. Os petistas fizeram o contrário: destacaram a própria feiura tanto quanto possível. E se o fizeram deliberadamente, é porque consideram tal caracterização um traço identitário, de modo a repudiar as convenções burguesas e se parecer com o povão, que na opinião deles, deve ser feio.
Mais do que feios, eu diria que os homens públicos que até pouco dominavam o cenário são tipos lombrosianos. Para quem não sabe, Cesare Lombroso foi um psiquiatra e criminologista do século 19 que desenvolveu a tese de que todo bandido tem cara de bandido. Para fundamenta-la, expôs variados painéis de traços fisionômicos que, segundo dizia, eram indicadores de propensão a um tipo de delito. Hoje em dia tal ideia causa risos, mas também repulsa: não há nada mais politicamente incorreto. E no entanto, todos estão cientes de que a polícia sabe muito bem que bandido tem cara de bandido. Alguma verdade há por aí, ou como diz o ditado popular, debaixo desse angu tem caroço. Eu particularmente sempre achei Zé Dirceu o mais lombrosiano de nossos homens públicos, nunca vi ninguém com tanta cara de safado. O segundo mais lombrosiano é Eduardo Cunha, e isso eu dizia muito antes das denúncias que o fizeram perder a presidência da câmara. Na verdade, qualquer cartaz de campanha eleitoral é um festival de tipos lombrosianos, e ver isso às vezes até me divertia. Procurando uma explicação racional, eu digo que não existe tendência inata ao crime, mas certos vícios que afetam a saúde e acabam impressos na fisionomia das pessoas, sem contar o antigo adágio: os olhos são o espelho da alma...
Parece que por hora o governo lombrosiano deu uma trégua no Brasil. É claro que ter um ministério de homens bem vestidos e bem educados, por si só não é garantia de um bom governo. Mas com certeza é um bom começo. Tanto que já tem gente se queixando por aí que o ministérios de Temer só tem brancos e não tem mulheres. Mas o ministério de Temer tem a mesma cara de qualquer diretoria de grande empresa: homens de meia idade, brancos e com boa formação. Obviamente essa não é a cara do país, mas os indivíduos mais capacitados para altas funções costumam ter essa cara. Isso é produto de nosso quadro social e educacional, que dificulta a indivíduos de outros grupos ter o preparo e as ligações necessárias para ascender a posições de poder. Simplesmente criar cotas para esses indivíduos desfavorecidos é fazer uma falsificação, um embuste, pois as causas estruturais que dificultam a tais indivíduos ascender pelas vias normais continuam existindo. Nenhuma farsa dura para sempre, e é sempre agradável a sensação de dejà vu que se segue a cada farsa desfeita.
quinta-feira, 12 de maio de 2016
Uma história que se repete
Para quem escreve um blog tratando de História, a primeira constatação é que a História tende a se repetir - há padrões que se reproduzem em diferentes épocas e diferentes contextos, mas que mantêm seu paradigma com impressionante fidelidade. Um destes padrões que eu já havia reparado, e que foi bem destacado no último capítulo do mais recente guia politicamente incorreto de Leandro Narloch - este da economia - é uma síndrome várias vezes vista neste país. Um presidente resolve fazer um governo austero, corta gastos e equilibra as contas do país, arcando com o respectivo ônus de impopularidade. Seu sucessor colhe os frutos e faz um bom governo, obtendo grande aprovação popular. O que vem em seguida resolve meter o pé na jaca, abandona a política sensata de seus antecessores e conduz o país de volta à crise.
A primeira vez que esse roteiro foi registrado aconteceu na entrada do século 20. Na ressaca da crise do Encilhamento do primeiro governo da república, o presidente Campos Salles resolveu colocar ordem na casa. Renegociou a dívida externa, cortou gastos e aumentou a carga tributária. Deixou o palácio do Catete vaiado e apelidado de Campos Selos, em razão dos selos que criou para diversos documentos a fim de aumentar a arrecadação, mas legou a seu sucessor uma caixa bem abastecida. Rodrigues Alves, conforme é sabido, fez um governo notável por suas obras de urbanismo e saneamento, o conhecido Bota-Abaixo que abriu a Avenida Central, refez o porto e praticamente todo o centro da capital. Inicialmente contestado por suas arbitrariedades, teve que enfrentar a revolta da vacina, mas deixou o governo com aura de grande empreendedor. Seus sucessores, contudo, não tiveram o mesmo cuidado com a economia, e reiniciaram um período de gastos e intervencionismo do Estado na economia, particularmente a danosa política de comprar café para manter alto o preço. O país entrou em um período recessivo conhecido como a Carestia dos Anos Dez. Explodiram as greves.
A segunda vez que vimos esse filme foi nos anos sessenta. Castelo Branco assumiu tendo que lidar com a dupla crise econômica e política, legado de seus antecessores Juscelino Kubitchek e João Goulart. Fez ampla reforma financeira e controlou a inflação. Obviamente execrado pela esquerda, também não foi muito apreciado por seus colegas de farda, que lhe impuseram um sucessor com o qual ele não concordava. Saiu pela porta dos fundos, mas legou a seus sucessores um país com as contas em ordem. Viria a seguir o conhecido Milagre Econômico, período de espetacular crescimento que quase fez esquecer que o país vivia sob uma ditadura. Médici não foi eleito, mas saiu do governo como um dos presidentes de maior aprovação popular. Contudo, o choque do petróleo fez o milagre perder o fôlego. Seu sucessor, Ernesto Geisel, ao invés de voltar à austeridade de Castelo Branco, tomou o rumo oposto: pisou no acelerador, aumentou a presença do Estado na economia e emitiu moeda para cobrir os rombos. Estava armado o cenário para a longa combinação de inflação, recessão e desemprego que caracterizariam o anos 80.
O terceiro roteiro estamos vivendo agora. Após numerosos choques econômicos calculados para produzir resultados eleitoreiros de curto prazo, Fernando Henrique Cardoso assumiu disposto a fazer os inevitáveis cortes. Enxugou a máquina do Estado, privatizou 70 estatais e fez a Lei de Responsabilidade Fiscal. Conseguiu uma reeleição, mas saiu do governo com popularidade muito baixa em razão dos numerosos percalços por que passou ao país no período. Mas a inflação foi controlada, e seu sucessor ganhou uma herança maldita, na verdade bendita. Conforme é sabido, Lula fez um governo de amplos ganhos sociais sem se desviar da macroeconomia herdada de seu antecessor. A inflação permaneceu sob controle, os empregos aumentaram e o crédito farto permitiu um extraordinário aumento do consumo das classes menos desfavorecidas. Lula deixou o governo como o presidente mais popular da História. Mas Dilma Rousseff, sua sucessora, reincorporou o espírito nacional-estatista. Os gastos públicos explodiram, o governo interviu na economia para controlar preços, os bancos públicos voltaram a emitir moeda sem lastro. A crise retornou com força total. Não havia mais como proporcionar os ganhos sociais da Era Lula, e Dilma é hoje uma das presidentes mais impopulares da História.
A única diferença entre o caso presente e os passados, é que desta vez a bomba explodiu no colo de quem a armou.
A primeira vez que esse roteiro foi registrado aconteceu na entrada do século 20. Na ressaca da crise do Encilhamento do primeiro governo da república, o presidente Campos Salles resolveu colocar ordem na casa. Renegociou a dívida externa, cortou gastos e aumentou a carga tributária. Deixou o palácio do Catete vaiado e apelidado de Campos Selos, em razão dos selos que criou para diversos documentos a fim de aumentar a arrecadação, mas legou a seu sucessor uma caixa bem abastecida. Rodrigues Alves, conforme é sabido, fez um governo notável por suas obras de urbanismo e saneamento, o conhecido Bota-Abaixo que abriu a Avenida Central, refez o porto e praticamente todo o centro da capital. Inicialmente contestado por suas arbitrariedades, teve que enfrentar a revolta da vacina, mas deixou o governo com aura de grande empreendedor. Seus sucessores, contudo, não tiveram o mesmo cuidado com a economia, e reiniciaram um período de gastos e intervencionismo do Estado na economia, particularmente a danosa política de comprar café para manter alto o preço. O país entrou em um período recessivo conhecido como a Carestia dos Anos Dez. Explodiram as greves.
A segunda vez que vimos esse filme foi nos anos sessenta. Castelo Branco assumiu tendo que lidar com a dupla crise econômica e política, legado de seus antecessores Juscelino Kubitchek e João Goulart. Fez ampla reforma financeira e controlou a inflação. Obviamente execrado pela esquerda, também não foi muito apreciado por seus colegas de farda, que lhe impuseram um sucessor com o qual ele não concordava. Saiu pela porta dos fundos, mas legou a seus sucessores um país com as contas em ordem. Viria a seguir o conhecido Milagre Econômico, período de espetacular crescimento que quase fez esquecer que o país vivia sob uma ditadura. Médici não foi eleito, mas saiu do governo como um dos presidentes de maior aprovação popular. Contudo, o choque do petróleo fez o milagre perder o fôlego. Seu sucessor, Ernesto Geisel, ao invés de voltar à austeridade de Castelo Branco, tomou o rumo oposto: pisou no acelerador, aumentou a presença do Estado na economia e emitiu moeda para cobrir os rombos. Estava armado o cenário para a longa combinação de inflação, recessão e desemprego que caracterizariam o anos 80.
O terceiro roteiro estamos vivendo agora. Após numerosos choques econômicos calculados para produzir resultados eleitoreiros de curto prazo, Fernando Henrique Cardoso assumiu disposto a fazer os inevitáveis cortes. Enxugou a máquina do Estado, privatizou 70 estatais e fez a Lei de Responsabilidade Fiscal. Conseguiu uma reeleição, mas saiu do governo com popularidade muito baixa em razão dos numerosos percalços por que passou ao país no período. Mas a inflação foi controlada, e seu sucessor ganhou uma herança maldita, na verdade bendita. Conforme é sabido, Lula fez um governo de amplos ganhos sociais sem se desviar da macroeconomia herdada de seu antecessor. A inflação permaneceu sob controle, os empregos aumentaram e o crédito farto permitiu um extraordinário aumento do consumo das classes menos desfavorecidas. Lula deixou o governo como o presidente mais popular da História. Mas Dilma Rousseff, sua sucessora, reincorporou o espírito nacional-estatista. Os gastos públicos explodiram, o governo interviu na economia para controlar preços, os bancos públicos voltaram a emitir moeda sem lastro. A crise retornou com força total. Não havia mais como proporcionar os ganhos sociais da Era Lula, e Dilma é hoje uma das presidentes mais impopulares da História.
A única diferença entre o caso presente e os passados, é que desta vez a bomba explodiu no colo de quem a armou.
quinta-feira, 5 de maio de 2016
A Evolução dos Partidos no Brasil
Em muitos lugares do mundo, a história de um país confunde-se com a história de seus principais partidos políticos, o que por sua vez reflete a evolução e as transformações do quadro econômico e social. Mas não no Brasil. Aqui os partidos, como os remédios, sempre tiveram prazo de validade - a cada nova transição, seja da monarquia para a república, seja de uma república para outra, os partidos são liquidados e os políticos vão recompor um novo quadro partidário. Tem sido sempre assim. Alguns argumentam que essa fraqueza tradicional dos partidos predispõe à descontinuidade dos projetos políticos e ao aparecimento de lideranças personalistas, geralmente de trajetória meteórica. Mas eu penso que a questão é um pouco mais complexa, e por detrás dos partidos de pouca significância estão forças políticas bem mais determinantes, embora de rosto pouco distinguível. Os acontecimentos recentes vem demonstrar esta premissa.
Vou abordar aqui somente a última grande transmutação dos partidos políticos nacionais. Conforme é sabido, o quadro partidário da terceira república foi liquidado pelo AI-2, que deu margem à existência de somente dois partidos políticos, o da situação e o da oposição. Foi feito previamente um expurgo geral de todos os elementos que pudessem representar algum perigo ao novo regime, tanto entre os opositores quanto entre os situacionista. Disto resultou que a UDN, tida como a grande vitoriosa do movimento de 1964, ganhou mas não levou - seus principais líderes, como Carlos Lacerda, foram cassados e os demais atirados na vala comum da ARENA, o partido situacionista, junto com vários outros políticos do PSD e outros partidos, formando uma massa amorfa e despersonalizada. O regime dos generais prescindia de partidos políticos e só os mantinha pro forma. A fim de garantir sempre um sufrágio favorável ao partido situacionista, vários dispositivos foram criados com a finalidade de deformar a matemática da representatividade, privilegiando rincões pobres onde os eleitos mostravam submissão ao governo em detrimento a centros ricos e grandes metrópoles propensas a fornecer lideranças mais independentes. Agindo desta forma, ironicamente, foi o regime militar o responsável pela liquidação da vanguarda da direita do país, uma vez que substituiu os antigos líderes aguerridos da UDN e do PSD por políticos provincianos basicamente vassalos e vazios de ideologia. Obviamente não era essa a intenção dos generais, mas tampouco existe aí uma contradição, pois como já foi dito, o regime prescindia de partidos políticos.
Tanto a antiga ARENA quanto o antigo MDB eram sacos de gatos que pareciam destinados a se desintegrar tão logo fosse permitida a formação de novos partidos, e de fato isso começou a acontecer quando do fim do bipartidarismo. Mas foi também nessa ocasião que se manifestou pela primeira vez a já citada força que se oculta por detrás da aparente fraqueza partidos. Refiro-me ao veto à candidatura do deputado Paulo Maluf à presidência, que surtiu como consequência o rearranjo completo do quadro partidário pós-abertura. Paulo Maluf foi um arrivista que ousou articular seu caminho à presidência sem obedecer aos protocolos estabelecidos pela política de então, e por este motivo teve contra si os líderes mais conservadores do então partido governista, que preferiram liquidar seu próprio partido e passar à oposição a fim de barrar Maluf.
Em seu lugar assumiu Sarney, um político que sempre contou com vasto respaldo entre os extratos mais tradicionais da política brasileira, tanto que está no governo há 50 anos. Não teve problemas para manter-se no cargo. Mas aquela espécie de poder moderador capaz de descartar presidentes anticonvencionais não demorou a entrar novamente em ação: a vítima seguinte seria o jovem Collor de Mello. Tal como Maluf, Collor era inexperiente e audacioso, um arrivista que pretendeu assumir o poder sem articulações com as principais lideranças da política. Pouco se importava com partidos, haja visto que lançou-se pelo nanico e já extinto PRN. Acabou sofrendo impeachment.
Os sucessores de Collor foram políticos experientes de muita competência em articulações capazes de garantir-lhes uma boa base de sustentação. O país pareceu haver entrado em uma nova fase de maturidade institucional, onde traumas como o impedimento de um presidente seriam coisa do passado. Ao mesmo tempo, os partidos pareciam também estar ficando mais sólidos: desde então o país tem estado sob o domínio da dupla PT e PSDB, onde destaca-se o PT, o primeiro partido brasileiro surgido a partir de uma semente, ao invés da desagregação de um sistema partidário anterior, como foi o caso de todos os demais partidos e inclusive do PSDB. Desta forma o PT distinguiu-se desde sua origem por sólida disciplina entre seus militantes e aparente coerência entre ideias e ação, algo que no quadro nacional confuso de partidos fracos e sem identidade própria constitui uma enorme vantagem. Teríamos, então, finalmente partidos fortes e uma política sem surpresas?
Mas o fenômeno repetiu-se com Dilma Rousseff. Em termos de ideias e história pessoal, ela nada tem a ver com Maluf ou Collor, mas compartilha com aqueles dois sua condição de outsider, de peça que não se encaixa no tabuleiro político e quer governar sozinha. Mais uma vez os anticorpos do sistema mobilizam-se para expelir o corpo estranho. Ao contrário de seus antecessores, porém, ela conta com o respaldo de um partido forte, o que torna incerto o desfecho do caso. Prevalecerá o partido, submetendo as antigas lideranças dispersas no espectro político? Ou o país permanecerá sob a égide deste poder moderador sem rosto, sempre a postos para enquadrar presidentes anticonvencionais, sejam de esquerda ou de direita?
Não é possível responder com segurança, resta acompanhar os acontecimentos. Mas seja qual for o desfecho, o comportamento independente da Polícia Federal e do judiciário parecem ter inviabilizado uma forma tradicional de fazer política servindo-se do dinheiro público para comprar lealdades: seja quem assumir o governo daqui para diante, terá que encontrar outras fórmulas de governança. A menos que haja uma dramática reviravolta como a que sucedeu na Itália pós-mãos limpas.
Vou abordar aqui somente a última grande transmutação dos partidos políticos nacionais. Conforme é sabido, o quadro partidário da terceira república foi liquidado pelo AI-2, que deu margem à existência de somente dois partidos políticos, o da situação e o da oposição. Foi feito previamente um expurgo geral de todos os elementos que pudessem representar algum perigo ao novo regime, tanto entre os opositores quanto entre os situacionista. Disto resultou que a UDN, tida como a grande vitoriosa do movimento de 1964, ganhou mas não levou - seus principais líderes, como Carlos Lacerda, foram cassados e os demais atirados na vala comum da ARENA, o partido situacionista, junto com vários outros políticos do PSD e outros partidos, formando uma massa amorfa e despersonalizada. O regime dos generais prescindia de partidos políticos e só os mantinha pro forma. A fim de garantir sempre um sufrágio favorável ao partido situacionista, vários dispositivos foram criados com a finalidade de deformar a matemática da representatividade, privilegiando rincões pobres onde os eleitos mostravam submissão ao governo em detrimento a centros ricos e grandes metrópoles propensas a fornecer lideranças mais independentes. Agindo desta forma, ironicamente, foi o regime militar o responsável pela liquidação da vanguarda da direita do país, uma vez que substituiu os antigos líderes aguerridos da UDN e do PSD por políticos provincianos basicamente vassalos e vazios de ideologia. Obviamente não era essa a intenção dos generais, mas tampouco existe aí uma contradição, pois como já foi dito, o regime prescindia de partidos políticos.
Tanto a antiga ARENA quanto o antigo MDB eram sacos de gatos que pareciam destinados a se desintegrar tão logo fosse permitida a formação de novos partidos, e de fato isso começou a acontecer quando do fim do bipartidarismo. Mas foi também nessa ocasião que se manifestou pela primeira vez a já citada força que se oculta por detrás da aparente fraqueza partidos. Refiro-me ao veto à candidatura do deputado Paulo Maluf à presidência, que surtiu como consequência o rearranjo completo do quadro partidário pós-abertura. Paulo Maluf foi um arrivista que ousou articular seu caminho à presidência sem obedecer aos protocolos estabelecidos pela política de então, e por este motivo teve contra si os líderes mais conservadores do então partido governista, que preferiram liquidar seu próprio partido e passar à oposição a fim de barrar Maluf.
Em seu lugar assumiu Sarney, um político que sempre contou com vasto respaldo entre os extratos mais tradicionais da política brasileira, tanto que está no governo há 50 anos. Não teve problemas para manter-se no cargo. Mas aquela espécie de poder moderador capaz de descartar presidentes anticonvencionais não demorou a entrar novamente em ação: a vítima seguinte seria o jovem Collor de Mello. Tal como Maluf, Collor era inexperiente e audacioso, um arrivista que pretendeu assumir o poder sem articulações com as principais lideranças da política. Pouco se importava com partidos, haja visto que lançou-se pelo nanico e já extinto PRN. Acabou sofrendo impeachment.
Os sucessores de Collor foram políticos experientes de muita competência em articulações capazes de garantir-lhes uma boa base de sustentação. O país pareceu haver entrado em uma nova fase de maturidade institucional, onde traumas como o impedimento de um presidente seriam coisa do passado. Ao mesmo tempo, os partidos pareciam também estar ficando mais sólidos: desde então o país tem estado sob o domínio da dupla PT e PSDB, onde destaca-se o PT, o primeiro partido brasileiro surgido a partir de uma semente, ao invés da desagregação de um sistema partidário anterior, como foi o caso de todos os demais partidos e inclusive do PSDB. Desta forma o PT distinguiu-se desde sua origem por sólida disciplina entre seus militantes e aparente coerência entre ideias e ação, algo que no quadro nacional confuso de partidos fracos e sem identidade própria constitui uma enorme vantagem. Teríamos, então, finalmente partidos fortes e uma política sem surpresas?
Mas o fenômeno repetiu-se com Dilma Rousseff. Em termos de ideias e história pessoal, ela nada tem a ver com Maluf ou Collor, mas compartilha com aqueles dois sua condição de outsider, de peça que não se encaixa no tabuleiro político e quer governar sozinha. Mais uma vez os anticorpos do sistema mobilizam-se para expelir o corpo estranho. Ao contrário de seus antecessores, porém, ela conta com o respaldo de um partido forte, o que torna incerto o desfecho do caso. Prevalecerá o partido, submetendo as antigas lideranças dispersas no espectro político? Ou o país permanecerá sob a égide deste poder moderador sem rosto, sempre a postos para enquadrar presidentes anticonvencionais, sejam de esquerda ou de direita?
Não é possível responder com segurança, resta acompanhar os acontecimentos. Mas seja qual for o desfecho, o comportamento independente da Polícia Federal e do judiciário parecem ter inviabilizado uma forma tradicional de fazer política servindo-se do dinheiro público para comprar lealdades: seja quem assumir o governo daqui para diante, terá que encontrar outras fórmulas de governança. A menos que haja uma dramática reviravolta como a que sucedeu na Itália pós-mãos limpas.
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