quinta-feira, 12 de maio de 2016

Uma história que se repete

Para quem escreve um blog tratando de História, a primeira constatação é que a História tende a se repetir - há padrões que se reproduzem em diferentes épocas e diferentes contextos, mas que mantêm seu paradigma com impressionante fidelidade. Um destes padrões que eu já havia reparado, e que foi bem destacado no último capítulo do mais recente guia politicamente incorreto de Leandro Narloch - este da economia - é uma síndrome várias vezes vista neste país. Um presidente resolve fazer um governo austero, corta gastos e equilibra as contas do país, arcando com o respectivo ônus de impopularidade. Seu sucessor colhe os frutos e faz um bom governo, obtendo grande aprovação popular. O que vem em seguida resolve meter o pé na jaca, abandona a política sensata de seus antecessores e conduz o país de volta à crise.

A primeira vez que esse roteiro foi registrado aconteceu na entrada do século 20. Na ressaca da crise do Encilhamento do primeiro governo da república, o presidente Campos Salles resolveu colocar ordem na casa. Renegociou a dívida externa, cortou gastos e aumentou a carga tributária. Deixou o palácio do Catete vaiado e apelidado de Campos Selos, em razão dos selos que criou para diversos documentos a fim de aumentar a arrecadação, mas legou a seu sucessor uma caixa bem abastecida. Rodrigues Alves, conforme é sabido, fez um governo notável por suas obras de urbanismo e saneamento, o conhecido Bota-Abaixo que abriu a Avenida Central, refez o porto e praticamente todo o centro da capital. Inicialmente contestado por suas arbitrariedades, teve que enfrentar a revolta da vacina, mas deixou o governo com aura de grande empreendedor. Seus sucessores, contudo, não tiveram o mesmo cuidado com a economia, e reiniciaram um período de gastos e intervencionismo do Estado na economia, particularmente a danosa política de comprar café para manter alto o preço. O país entrou em um período recessivo conhecido como a Carestia dos Anos Dez. Explodiram as greves.

A segunda vez que vimos esse filme foi nos anos sessenta. Castelo Branco assumiu tendo que lidar com a dupla crise econômica e política, legado de seus antecessores Juscelino Kubitchek e João Goulart. Fez ampla reforma financeira e controlou a inflação. Obviamente execrado pela esquerda, também não foi muito apreciado por seus colegas de farda, que lhe impuseram um sucessor com o qual ele não concordava. Saiu pela porta dos fundos, mas legou a seus sucessores um país com as contas em ordem. Viria a seguir o conhecido Milagre Econômico, período de espetacular crescimento que quase fez esquecer que o país vivia sob uma ditadura. Médici não foi eleito, mas saiu do governo como um dos presidentes de maior aprovação popular. Contudo, o choque do petróleo fez o milagre perder o fôlego. Seu sucessor, Ernesto Geisel, ao invés de voltar à austeridade de Castelo Branco, tomou o rumo oposto: pisou no acelerador, aumentou a presença do Estado na economia e emitiu moeda para cobrir os rombos. Estava armado o cenário para a longa combinação de inflação, recessão e desemprego que caracterizariam o anos 80.

O terceiro roteiro estamos vivendo agora. Após numerosos choques econômicos calculados para produzir resultados eleitoreiros de curto prazo, Fernando Henrique Cardoso assumiu disposto a fazer os inevitáveis cortes. Enxugou a máquina do Estado, privatizou 70 estatais e fez a Lei de Responsabilidade Fiscal. Conseguiu uma reeleição, mas saiu do governo com popularidade muito baixa em razão dos numerosos percalços por que passou ao país no período. Mas a inflação foi controlada, e seu sucessor ganhou uma herança maldita, na verdade bendita. Conforme é sabido, Lula fez um governo de amplos ganhos sociais sem se desviar da macroeconomia herdada de seu antecessor. A inflação permaneceu sob controle, os empregos aumentaram e o crédito farto permitiu um extraordinário aumento do consumo das classes menos desfavorecidas. Lula deixou o governo como o presidente mais popular da História. Mas Dilma Rousseff, sua sucessora, reincorporou o espírito nacional-estatista. Os gastos públicos explodiram, o governo interviu na economia para controlar preços, os bancos públicos voltaram a emitir moeda sem lastro. A crise retornou com força total. Não havia mais como proporcionar os ganhos sociais da Era Lula, e Dilma é hoje uma das presidentes mais impopulares da História.

A única diferença entre o caso presente e os passados, é que desta vez a bomba explodiu no colo de quem a armou.

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