O distanciamento no tempo permite a avaliação correta do significado dos acontecimentos históricos. E há um cuja explicação ainda não é um consenso. Refiro-me ao fenômeno das manifestações de 2013. Surgiram meio como raio em céu sereno, disparadas por um quase anódino movimento que pregava o passe livre nas conduções, em um momento político que parecia tranquilo para um governo que colhia bons frutos das duas administrações anteriores de Lula, e revelara uma profunda inquietação popular. Hoje, ao contrário, quando o momento político e econômico é conturbado, não se vê grandes manifestações. O horizonte está vazio de ideias.
O que teriam sido de fato aquelas manifestações que encheram as ruas por várias semanas? O despertar de uma nova geração de movimentos sociais, desvinculados de organizações tradicionais e de partidos políticos? Ou o surgimento de uma onda conservadora que permanece até agora no poder? O que se sabe é que o fenômeno fugiu totalmente ao planejamento da esquerda tradicional então no poder. Logo de início o governo petista tentou pegar carona no movimento e anunciou com alarde a convocação de uma assembleia constituinte, sonhada para dar o golpe e por fim instalar um regime bolivariano onde o legislativo passaria a ser controlado por "organizações sociais" obviamente controladas pelo PT. Mas tal como a moça feia da canção de Chico Buarque, enganou-se achando que a banda tocava para ela. Hoje não há dúvida de que aquelas manifestações foram o começo da queda do governo Dilma e da própria era petista.
Passada quase uma década, o que se nota é que não houve um movimento único, mas vários movimentos manifestando-se ao mesmo tempo. O rescaldo de uma breve era de otimismo - os dois governos de Lula, em um momento econômico favorável e crescimento. Muitas promessas foram levantadas, e sentimentos reprimidos vieram à tona. Mas seguiu-se uma sensação de engodo depois que Dilma assumiu. O povão viu que as promessas não seriam cumpridas, e a classe média decepcionou-se com o ostensivo desprezo com que era tratada pelos líderes petistas. De repente ficou claro que aquele governo não era o que parecia ser, e tinha propósitos ocultos. Sua ideologia não conseguiu cativar a parcela mais pobre da população, mas foi suficiente para pisotear valores antigos muito caros, o que deu origem à onda conservadora da Nova Direita. As manifestações de 2013 foram basicamente o choque entre a fervura e a água.
Mas isso agora é passado, e difícil é prever o futuro. Teremos uma nova era de fermentação de ideias e otimismo? Ou vai continuar o embate entre uma nova direita que já envelheceu, e uma velha esquerda que não sabe se renovar? O que sei é que tenho saudades de 2013.