domingo, 8 de outubro de 2023

Os Computadores Brasileiros

Descobri um vídeo interessante, feito por um pesquisador norte-americano, contando - veja só - a história dos computadores brasileiros. História de que eu também participei, como profissional da área, tendo chegado a pegar o final da Reserva de Mercado, mas desconhecia os primórdios. O autor descortina passo a passo a história do projeto brasileiro de ter uma tecnologia própria em computadores, e procura desvendar porque falhou.

Fiquei sabendo dos tempos heróicos, lá desde o início dos anos 60, quando os primeiros computadores nacionais começaram a ser montados dento de universidades e institutos de pesquisa - o Zezinho e o Patinho Feio - tudo sob a batuta do governo. Até aí tudo bem, faz lógica que uma nova tecnologia seja gestada nos ambientes acadêmicos antes de passar ao ambiente corporativo, após tornar-se comercialmente viável. Também faz lógica que inicialmente se procure estudar e licenciar produtos estrangeiros.

O esforço dos técnicos nacionais foi louvável. Mas chama a atenção como tudo era desde o início rigidamente controlado por agências governamentais, e nada parecia capaz de se mover sem o impulso do governo. Impondo uma reserva de mercado, o governo realmente conseguiu que surgissem numerosas empresas nacionais fabricantes de computadores e periféricos - a Cobra foi a principal delas, mas aqueles nomes até hoje me soam familiares, pois me defrontei com muitas delas no início de minha profissão. Entretanto, essas empresas nacionais não conseguiram acompanhar a evolução dos fabricantes estrangeiros, nem em qualidade, nem em preço. O autor chama a atenção para a falta de um grande fabricante brasileiro de semicondutores, e até aponta uma fábrica surgida no início dos anos 70, como tudo o mais sob os auspícios do governo, mas que não conseguiu uma boa produção e acabou fechando no final da década. O alto custo dos semicondutores importados foi a principal causa do alto preço dos computadores produzidos aqui - o autor até aponta que alguns fabricantes nacionais conseguiram exportá-los, o que eu não sabia; nenhum, porém, foi competitivo no exterior.

Ao final, o autor sintetiza com poucas palavras porque falhou a política brasileira de informática:

"Portanto, os fabricantes de computadores do Brasil ficaram em casa, onde era seguro. Os legisladores os protegeram enquanto puderam. Mas uma vez que essas proteções foram suspensas, essas empresas tiveram pouca chance de sobrevivência. E essa é a tragédia da indústria de informática brasileira"

Por aqui se vê que as causas do malogro não se limitaram às condições econômicas difíceis da época, mas a uma falha fundamental do modelo, por sua vez ligada a uma falha fundamental de nossa visão da economia: tudo ficou em casa. Os fabricantes nacionais produziam para empresas estatais, que estavam obrigadas a só adquirir produto nacional, e não para o mercado interno, que preferia computadores contrabandeados, muito menos para a exportação. Um colega meu, que trabalhava em uma dessas empresas, certa vez comentou sobre uma conversa que tivera com seu chefe. Ele questionou como podiam vender computadores por um preço inferior ao custo dos componente necessários para montá-lo. A resposta do chefe: "Fácil. Nós vendemos, mas não entregamos".

Pode parecer estranho, mas era assim que funcionava o Desenvolvimentismo Nacional-Estatista, modelo econômico que vigorou no Brasil a partir da Era Vargas e esgotou-se na crise dos anos 80 - a reserva de mercado da informática foi um dos últimos gritos deste modelo. Segundo acreditava-se, a iniciativa privada era inerme, e apenas o Estado podia ser indutor do desenvolvimento, o que obviamente demandava rígidos controles burocráticos e benesses distribuídas a escolhidos. O resultado foram empresas de todo dependentes dos incentivos governamentais, orbitando em torno do Estado. Para o empresário nacional, a fórmula do sucesso não era a competência nos negócios, nem a excelência técnica, tampouco o preço competitivo, mas sim o bom relacionamento com os ocupantes do poder. Tudo em casa.

Enquanto isso, os fabricantes dos países emergentes da Ásia se dedicaram desde o início à exportação, alinhando os preços domésticos aos internacionais, e hoje dominam a tecnologia dos celulares que usamos para assistir vídeos como este que descobri.