Todo final de ano, época de natal, é a mesma coisa: são exibidos na TV paga várias séries e documentários especulando sobre o "verdadeiro Jesus", ou o Jesus histórico. Confrontam informações da bíblia com as de historiadores antigos e da arqueologia, são em geral interessantes mas pecam pelo excesso de imaginação, deixando mais perguntas que respostas. Não sou nenhum especialista em teologia, mas tenho algumas opiniões a respeito.
O primeiro ponto que me chama a atenção é: como personagem de tal importância não foi citado por nenhum cronista contemporâneo? Josephus citou Herodes, Pilatus e João Batista, mas não disse uma palavra sobre Jesus, que só começa a aparecer em textos escritos mais de cem anos depois. A explicação que encontro é que Jesus era analfabeto, pois não existe amostra de sua escrita. Essa premissa é compatível com a origem humilde do messias. Por este motivo, suas ideias se propagaram inicialmente apenas por via oral, com lentidão. Seus ensinamentos não foram escritos pelo próprio, mas por discípulos conhecidos como evangelistas, sendo de todo justo que se levantem dúvidas quanto a sua autenticidade; de fato, há várias versões dos ditos evangelhos, algumas bem divergentes, mas a Igreja adotou como autênticos quatro textos que correspondem mais ou menos um ao outro. Os demais são considerados apócrifos. Alguns têm todo jeito de narrativa folclórica, como aquelas passagens da infância de Jesus fazendo mágicas para os amigos e atazanando seus pais, mas outros são bem instigantes. A discussão é longa e vou parar por aqui.
Outro ponto que me chama a atenção é a diferença da pregação de Jesus comparada com a dos demais profetas do Antigo Testamento. Todos aqueles tinham o foco no coletivo, dirigiam-se ao povo, censuravam os costumes do povo e anunciavam castigos para o povo inteiro. Jesus falava ao público, mas sua mensagem se dirigia ao indivíduo. Diversas passagens dos evangelhos mostram colóquios individuais entre Jesus e um interlocutor, geralmente uma mulher. Aparentemente, Jesus não foi influenciado por aqueles profetas antigos, então de que fonte bebeu? Houve época que estava na moda apontar Jesus como um membro dos essênios, a seita mais exotérica do judaísmo; há de fato pontos em comum, mas um estudo mais detalhado da doutrina dos essênios desmente essa assertiva. Outros comentaristas vão além e fazem um paralelo com o budismo. Faz algum sentido: de fato, o desapego aos bens materiais não era ideia muito em voga no Oriente Médio até então, mas é preciso muito esforço para imaginar Jesus viajando à Índia e à China para adquirir seus conhecimentos. Teria Jesus desenvolvido sua doutrina inteiramente sozinho? Alguns afirmam que ele foi discípulo de João Batista, mas nada se pode provar.
Mas inevitável mesmo, e recorrentes, são as especulações em torno de um Jesus "libertador", ou seja, revolucionário. Jesus censurava os ricos e exaltava os pobres. Um socialista? Jesus afirmou que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Disse, aquele que tem duas capas, dê uma aos pobres. Quanto a mim, não tenho dúvida nenhuma: se Jesus fosse mesmo um socialista, teria aceito a sugestão de satanás no deserto, de transformar pedras em pães (para distribuir aos pobres, é claro, mas também pegar para si, que ninguém é de ferro, né?) bem como a sugestão de adorar satanás prostrado para em troca ter o poder sobre todos os reinos da terra (para governar em favor dos pobres, é claro). Havia um discípulo em particular que pensava dessa maneira. Uma ocasião em que uma pecadora arrependida banhou os pés de Jesus com um perfume caríssimo, ele se indignou e declarou que melhor seria vender aquele perfume e distribuir o dinheiro aos pobres. Resposta de Jesus? Pobres, sempre os tereis convosco. O nome do discípulo? Judas Iscariotis. Que bem pode ser considerado o patrono da Teologia da Libertação, bem como da mais atual Teologia da Prosperidade...
A concepção de um Jesus "socialista" revela uma compreensão incompleta de sua doutrina. Jesus pregava o desapego aos bens materiais como premissa necessária para se obter a elevação espiritual. Portanto, o conselho de vender os bens e distribuir aos pobres tinha o propósito de beneficiar o doador dos bens, e não o receptor, pois de resto Jesus sempre esteve ciente de que mesmo se todos distribuíssem seus bens aos pobres, não bastaria para erradicar a pobreza do mundo - pobres, sempre os tereis convosco. Que Jesus não era um revolucionário, disso também estava ciente Pilatus, que hoje se sabe, era adepto da repressão violenta aos oponentes do domínio romano, e dispunha de um ótimo serviço de informações. Por isso sabia que Jesus não se opunha a Roma, e até declarava ser válido pagar impostos a César; era anátema para a elite farisaica, não para os romanos. No máximo, um desordeiro, caso para umas chicotadas, que Pilatus prontamente mandou aplicar, mas um governante romano deve preservar a Paz Romana, e por este motivo Pilatus cedeu aos sacerdotes e mandou crucificar Jesus.
Tenha sido quem foi o Jesus histórico, é fato que o cristianismo, religião surgida no oriente, foi indispensável para o estabelecimento da civilização ocidental como a conhecemos.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
Qual vai ser a reencarnação do PMDB?
Falar das próximas eleições é falar de História?
Sim, desde que se conheça a gênese dos partidos políticos. Quem conhece, não se espanta com certos fenômenos, pois é tudo dejà vu. Certos partidos políticos são a reencarnação de outros partidos do passado. É o caso do PMDB, que não lança candidato próprio faz 30 anos, mas está no poder desde sempre. O PMDB, como se sabe, é a reencarnação da velha ARENA implodida quando da eleição de Tancredo Neves, a qual, por sua vez foi a reencarnação do velho PSD, que por sua vez foi a reencarnação de velhos partidos da república velha. Em comum, todos esses partidos têm a ausência de ideais autônomos e o oportunismo de fazer conchavos que atendam a interesses provincianos, corporativos ou meramente pessoais de seus integrantes. Parece desprezível, mas são precisamente esses conchavos que permitem o que se chama a governabilidade. Em outras palavras, significam que o partido que está nominalmente no poder pode governar de fato, posto que assim se cria uma teia de compromissos que mantém colaborativas ou pelo menos quietas em seu canto todas as forças capazes de influir na política. Alguns presidentes, como JK, foram especialmente habilidosos em tecer essa teia, outros nem tanto, mas todos dependeram da existência de um partido que aglutinasse aqueles que não tinham ideais, apenas interesses.
Esse partido precisa existir, pois sem ele as peças do jogo político não se movem. É o chão da política, por assim dizer. É sujo? Sim, mas ser sujo é da natureza de todo chão, assim como é da natureza do chão sustentar o que se constrói sobre ele. E devemos admitir, o PMDB tem executado bem essa função nos últimos trinta anos. Sem fazer alarde, sustentou o bipartidarismo PSDB & PT que sucedeu ao colapso do nacional-estatismo autoritário e bem ou mal tem feito o país funcionar desde o Plano Real. Mas nada é para sempre, e como dizem os alemães, tudo tem um fim, exceto a salsicha, que tem dois. Revendo o passado, todos os partidos que correspondem às reencarnações passadas do PMDB um dia implodiram. E observando o quadro atual, com a crise, os escândalos e as prisões de seus principais dirigentes, a mim não fica dúvida: o PMDB acabou. Pode até estar nominalmente no poder, mas tem o presidente com menor índice de aprovação da história, sem a mínima possibilidade de fazer seu sucessor. Pode até ser majoritário no legislativo, mas não tem mais lideranças capazes de mobilizar seus próprios deputados a votar em projetos do governo, se é que estes ainda existem.
Sem o PMDB para formar o chão, o quadro eleitoral torna-se instável, e aparecem os arrivistas, outra tendência atávica de nossa política, já abordada por mim em outros artigos. Conhecemos bem as consequências a longo prazo desses arrivistas no poder, mesmo que tenham nele permanecido por pouco tempo. É improvável que o bipartidarismo PSDB & PT vá continuar, mesmo porque tampouco PSDB e PT são os mesmos. Fica a indagação: quem será a reencarnação do PMDB, que irá proporcionar uma nova era de estabilidade política?
Um candidato a este papel é o PSDB, um abortado partido social-democrata que se tornou liberal por força da circunstâncias, que até ontem fez par com o PT, um abortado partido bolivariano que se tornou social-democrata por forças das circunstâncias. O PSDB bem poderia descer mais um degrau e tornar-se conservador, reencarnando o PMDB. Mas retornando ao exemplo da História, convém lembrar que a encarnação passada da velha ARENA não foi a UDN, partido opositor aguerrido, e sim o PSD, partido de conchavos. E nos últimos anos, mais precisamente desde a primeira eleição de Lula, o PSDB tem sido mais uma UDN renascida, posto que foi única oposição declarada ao governo petista, mesmo que nem de longe tão ferina quanto a dita cuja. Para quem foi UDN, parece tarde para ser PSD. Sem renovação em suas lideranças, o PSDB periga cair na irrelevância e deixar o campo livre para o PT, que está bastante abalado, mas ainda tem Lula na liderança das intenções de voto. Mas como será um futuro governo do PT sem o PMDB para lhe garantir a tão necessária governabilidade? Periga fazer o caminho oposto, e de social-democrata passar a bolivariano, isso se tiver força. Se não tiver, suprema ironia, periga do próprio PT tornar-se a reencarnação do atual PMDB, devidamente amansado e sanitizado, tornado viveiro de políticos profissionais.
O ano que vem dará as respostas.
Sim, desde que se conheça a gênese dos partidos políticos. Quem conhece, não se espanta com certos fenômenos, pois é tudo dejà vu. Certos partidos políticos são a reencarnação de outros partidos do passado. É o caso do PMDB, que não lança candidato próprio faz 30 anos, mas está no poder desde sempre. O PMDB, como se sabe, é a reencarnação da velha ARENA implodida quando da eleição de Tancredo Neves, a qual, por sua vez foi a reencarnação do velho PSD, que por sua vez foi a reencarnação de velhos partidos da república velha. Em comum, todos esses partidos têm a ausência de ideais autônomos e o oportunismo de fazer conchavos que atendam a interesses provincianos, corporativos ou meramente pessoais de seus integrantes. Parece desprezível, mas são precisamente esses conchavos que permitem o que se chama a governabilidade. Em outras palavras, significam que o partido que está nominalmente no poder pode governar de fato, posto que assim se cria uma teia de compromissos que mantém colaborativas ou pelo menos quietas em seu canto todas as forças capazes de influir na política. Alguns presidentes, como JK, foram especialmente habilidosos em tecer essa teia, outros nem tanto, mas todos dependeram da existência de um partido que aglutinasse aqueles que não tinham ideais, apenas interesses.
Esse partido precisa existir, pois sem ele as peças do jogo político não se movem. É o chão da política, por assim dizer. É sujo? Sim, mas ser sujo é da natureza de todo chão, assim como é da natureza do chão sustentar o que se constrói sobre ele. E devemos admitir, o PMDB tem executado bem essa função nos últimos trinta anos. Sem fazer alarde, sustentou o bipartidarismo PSDB & PT que sucedeu ao colapso do nacional-estatismo autoritário e bem ou mal tem feito o país funcionar desde o Plano Real. Mas nada é para sempre, e como dizem os alemães, tudo tem um fim, exceto a salsicha, que tem dois. Revendo o passado, todos os partidos que correspondem às reencarnações passadas do PMDB um dia implodiram. E observando o quadro atual, com a crise, os escândalos e as prisões de seus principais dirigentes, a mim não fica dúvida: o PMDB acabou. Pode até estar nominalmente no poder, mas tem o presidente com menor índice de aprovação da história, sem a mínima possibilidade de fazer seu sucessor. Pode até ser majoritário no legislativo, mas não tem mais lideranças capazes de mobilizar seus próprios deputados a votar em projetos do governo, se é que estes ainda existem.
Sem o PMDB para formar o chão, o quadro eleitoral torna-se instável, e aparecem os arrivistas, outra tendência atávica de nossa política, já abordada por mim em outros artigos. Conhecemos bem as consequências a longo prazo desses arrivistas no poder, mesmo que tenham nele permanecido por pouco tempo. É improvável que o bipartidarismo PSDB & PT vá continuar, mesmo porque tampouco PSDB e PT são os mesmos. Fica a indagação: quem será a reencarnação do PMDB, que irá proporcionar uma nova era de estabilidade política?
Um candidato a este papel é o PSDB, um abortado partido social-democrata que se tornou liberal por força da circunstâncias, que até ontem fez par com o PT, um abortado partido bolivariano que se tornou social-democrata por forças das circunstâncias. O PSDB bem poderia descer mais um degrau e tornar-se conservador, reencarnando o PMDB. Mas retornando ao exemplo da História, convém lembrar que a encarnação passada da velha ARENA não foi a UDN, partido opositor aguerrido, e sim o PSD, partido de conchavos. E nos últimos anos, mais precisamente desde a primeira eleição de Lula, o PSDB tem sido mais uma UDN renascida, posto que foi única oposição declarada ao governo petista, mesmo que nem de longe tão ferina quanto a dita cuja. Para quem foi UDN, parece tarde para ser PSD. Sem renovação em suas lideranças, o PSDB periga cair na irrelevância e deixar o campo livre para o PT, que está bastante abalado, mas ainda tem Lula na liderança das intenções de voto. Mas como será um futuro governo do PT sem o PMDB para lhe garantir a tão necessária governabilidade? Periga fazer o caminho oposto, e de social-democrata passar a bolivariano, isso se tiver força. Se não tiver, suprema ironia, periga do próprio PT tornar-se a reencarnação do atual PMDB, devidamente amansado e sanitizado, tornado viveiro de políticos profissionais.
O ano que vem dará as respostas.
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