sexta-feira, 25 de março de 2016

O que fazer quando o tempo para?

Não tenho nenhuma dúvida de que o tempo no Brasil está parado, tal como uma imagem congelada, repetindo sempre as mesmas cenas de escândalos, denúncias e manobras do governo para fugir do impeachment. O tão falado ajuste fiscal já está no segundo ministro mas ainda não saiu da estaca zero, posto que não interessa nem ao governo nem à oposição. Sem ajuste, a economia permanece parada. O único objetivo da oposição, no momento, é derrubar o governo. E o único objetivo do governo, no momento, é permanecer no poder. Refletindo a paralisia geral da política e da economia, os forum´s de debate que frequento apenas repetem tal como disco arranhado, do tempo em que os discos arranhavam, as mesmas teorias conspiratórias embaladas nos mesmos adjetivos para desqualificar as ações da operação Lava Jato, entre os quais se destaca sobretudo o termo fascista.

O que pode um comentarista fazer quando o tempo para? Se não há presente, então falar do passado! Seria oportuno desencavar o tão citado termo fascismo. Que raio de coisa é, afinal, esse tal de fascismo?

Na época atual, o termo não passa de um xingamento. Fascista designa tudo aquilo que é totalitário, truculento e ignorante, desde que se refira aos nossos adversários. Mas em suas origens, o fascismo foi uma doutrina político-ideológica surgida no início do século 20, na esteira da crise que seguiu-se à 1a Guerra Mundial. Surgiu inicialmente em países europeus industrializados, mas logo gerou sucedâneos em países periféricos de industrialização recente, como o Brasil. Seu mentor foi o ditador italiano Benito Mussolini. Não cabe aqui um estudo completo de suas ideias, mas a citação de algumas de suas frases mais conhecidas é bastante esclarecedora:

Se liberalismo significa indivíduo, fascismo significa Estado. É ele que vai solucionar as dramáticas contradições do capitalismo (...) Nada  fora do Estado, nada contra o Estado, tudo no Estado, tudo para o Estado!


Ouvidas essas palavras, parece estranho que hoje em dia os maiores fregueses da pecha de fascistas sejam os liberais (ou neoliberais, como queiram), aqueles que desejam uma presença menor do Estado. Pois o fascismo não preconizava exatamente o oposto? E parece ainda mais estranho que os países que mais se declaram anti-fascistas, ao menos aqui na América Latina, sigam exatamente este receituário. O maior exemplo é o autointitulado regime bolivariano da Venezuela. Enumeremos essas características:

- Não abole o capitalismo, mas sujeita-o ao Estado.


- Não abole o trabalho assalariado, mas o Estado tutela as relações trabalhistas.


- Nacionalismo exacerbado.


- Militarismo.


- Ódio ao inimigo, real ou imaginário.


- Partido Único.


- Culto à personalidade do Líder.


- Constantes cerimônias cívicas, slogans, marchas e bandeiras.


- Organizações de massa arregimentando estudantes e operários.


- Milícias armadas sob o comando do Partido, e não do Estado.


- Privilégios a capitalistas amigos do regime.


À exceção do item Partido Único, poderíamos estar falando tanto da Itália fascista quanto da Venezuela bolivariana. Mas as características comuns podem ser estendidas também ao peronismo argentino dos anos quarenta, cujo líder declarou-se abertamente um admirador de Mussolini, bem como em menor escala ao getulismo brasileiro dos anos trinta, e na época atual a vários outros regimes sul-americanos conhecidos genericamente como de esquerda. Mas o fascismo não é direita? É nesse ponto que muitos interlocutores apontam o absurdo de minha argumentação: como pode um regime de direita ser amigável à esquerda? Mas se fosse assim, teríamos que concluir que Uê e Marcinho Vp deveriam ter sido amigos, já que ambos eram traficantes de drogas... É fato histórico que a inimizade visceral sempre havida entre fascistas e socialistas originou-se porque ambos concorriam pelo mesmo público de intelectuais inconformistas e proletários insatisfeitos, enquanto a classe média conservadora preferia os partidos tradicionais. De resto, a afinidade entre ambas ideologias é evidente: o fascismo originou-se do mesmo tronco que o socialismo, fruto das mesmas contradições econômicas e sociais nascidas com a revolução industrial e o imperialismo europeu. Melhor dizendo, o fascismo foi um pastiche feito para concorrer com o socialismo, e de fato apresenta vantagens: é uma alternativa mais fácil e atraente que a longa revolução socialista. Prescinde da liquidação completa do sistema capitalista, e portanto da enorme crise que viria em consequência, e apela a sentimentos caros a cidadãos comuns porque universais e politicamente neutros, tais como patriotismo, altruísmo, cultura nacional, folclore, valorização de raízes étnicas, esporte e vida saudável. Não é pouca coisa. Daí que tantos notórios líderes de direita tenham sido socialistas em sua juventude, a começar pelo próprio Benito Mussolini, mas podemos também citar no Brasil Carlos Lacerda, Olavo de Carvalho, Paulo Francis, Reinaldo Azevedo.

Mas se apenas repetimos palavras sem sequer conhecer o seu real significado, que outra coisa podemos fazer enquanto as rodas da História não destravam, exceto estudar a própria História?

Nenhum comentário:

Postar um comentário