domingo, 14 de janeiro de 2024

Equador: não se combate o crime como antigamente

Tem tomado conta do noticiário os acontecimentos no Equador, desafiado pelas gangues e havendo declarado um estado de exceção para combatê-las. Nada de novo: já vivemos experiências do tipo por aqui, 2006 em SP e 2010 no RJ. E o caso do Equador apenas reedita o já acontecido com a vizinha Colômbia, em escala muito maior nos tempos de Pablo Escobar.

A realidade é evidente: não é mais possível combater o crime como antigamente. Pois o crime, na época atual, não é mais como era 50 ou 100 anos atrás. As quadrilhas municiaram-se de armamento, pessoal, financiamento e organização, a ponto de serem hoje capazes de desafiar frontalmente o Estado, tal como faziam os grupos guerrilheiros na época da Guerra Fria, com a diferença de que as quadilhas não querem assumir o governo, mas terem curso livre para suas atividades. O Equador recentemente tornou-se uma rota ideal para entorpecentes, em razão de sua localição privilegiada próximo ao mar e aos principais produtores de cocaína, Peru e Colômbia. É fácil imaginar o enorme poder que essas gangues milionárias e bem armadas têm sobre um país pequeno e pobre.

Mas lendo as matérias e os comentários, o que mais tem me chamado a atenção é a insistência em enquadrar os presentes acontecimentos nos paradigmas do passado, como bem exemplificado neste vídeo, onde abundam aqueles argumentos que faziam todo o sentido nos tempos antigos, mas que em nada mais se aplicam no tempo atual, parecendo mais um sinal de desalento, catatonia e recusa em enxergar a realdade. A maioria orgina-se de uma insistência em dar uma leitura de Luta de Classes ao fenômeno da criminalidade, o que é esperado de uma geração formada pelo marxismo escolar.

- "O culpado é o governo" (ou as elites). É o vício de atirar às classes superiores a culpa de todos os males, sendo o homem do povo visto como uma vítima patética, mesmo quando comete crimes. Se o governo tem alguma culpa, é a de não reprimir eficazmente o crime. No estágio atual do poder das quadrilhas, elas não necessitam mais de parceria com o governo. Ainda ecoa no ouvido de todos aquela afirmação de El Chapo, mega traficante mexicano: por que eu desejaria ser presidente, se tenho mais poder que o presidente?

- "O problema é a corrupção". Sem dúvida que a corrupção existiu e ainda existe, mas na atualidade as gangues têm sua rede própria de um extremo a outro, e não mais dependem de subornos pagos a agentes do governo, já que têm poder para confrontar abertamente o governo. Agora elas simplesmente matam quem se lhes opõe.

- "Prender não adianta, é preciso dar educação e emprego". Essa afirmação pressupõe que o indivíduo entra para o crime por falta de alternativa: ele bem desejaria ser um trabalhador, mas não teve escola e não tem emprego. Podia fazer sentido décadas atrás, mas não tem nada a ver com o perfil dos atuais membros das gangues. Eles não estão interessados em escola ou emprego, posto que perceberamque o crime é mais rendoso, com boas perspectivas de impunidade.

- "É só prender o chefe da quadrilha". Mais uma amostra da deformação causada pelo enquadramento marxista ao fenômeno da criminalidade. As quadrilhas não têm ums estrutura política hierárquica, onde a derrubada do chefe-de-estado extingue o regime; as quadrilhas são formadas por vários núcleos que rapidamente se reoganizam em novos grupos quando um líder é eliminado. Por conseguinte, o crime não pode ser combatido pelo topo, mas apenas pela base: esquina a esquina, bandido a bandido. O crime nunca é eliminado totalmente, mas pode ser reduzido a níveis toleráveis.

- "É preciso agir em duas mãos, ação da polícia e obras sociais". Novamente é pressuposto que o indivíduo entra para o crime por falta de apoio do governo. Obras sociais são úteis e necessárias, mas não têm nenhum efeito sobre a criminalidade, e podem até constituir um estímulo. Uma vez que as comunidades estão sob o controle das gangues, a realização de obras sociais ali implica um acordo com as gangues que será do interesse delas, fato que foi exemplarmente mostrado no filme Tropa de Elite.

Portanto, assim como os paradigmas atuais do crime não são mais os do passado, os velhos paradigmas do combate ao crime já não funcionam mais. Se as gangues atuam como um exército capaz de desafiar tropas do governo, então é preciso enfrentá-las como em uma guerra, o que já está sendo feito no Equador, mas a solução definitiva passa por uma reforma completa do código penal, com penas mais longas e isolamento dos criminosos em mega prisões guardadas por número suficiente de agentes, pois prisões superlotadas com centenas de presos para cada agente penitenciário rapidamente caem em poder das quadrilhas e viram quartéis das mesmas. Apenas o encarceramento massivo de longa duração será dissuasão suficiente para os que julgam o crime uma opção preferencial. O exemplo bem sucedido de El Salvador é a evidência, mas paradoxalmente, quase não é citado nos comentários, alguns nem sabem nada a respeito, outros propagam boatos sem fundamento.

A maioria ainda não entendeu que não se combate o crime como antigamente.

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