domingo, 6 de novembro de 2016

Visconde do Uruguai, fundador de nossa diplomacia

A Revista de História da Biblioteca Nacional, que recentemente voltou a sair nas bancas (embora a intervalos irregulares) prestou mais um bom serviço à difusão do conhecimento histórico, com um bem escrito artigo de Miguel Gustavo de Paiva Torres resgatando a figura de Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai.

Que o Brasil trata mal seus vultos históricos, é bem sabido. Quando não os relega ao esquecimento, deturpa sua memória, apresentando-os como vilões e envolvendo-os em anedotas e teorias conspiratórias. Mas há outro tipo de deturpação: a interpretação errada ou incompleta quanto ao papel histórico efetivamente desempenhado pela figura. É o caso do Visconde do Uruguai, cuja atuação política durante a regência e o início do segundo reinado é razoavelmente conhecida, mas é frequentemente esquecida sua atuação na política externa, pela qual merece ser considerado o real fundador de nossa diplomacia.

Nada de desmerecer o Barão do Rio Branco, considerado com justiça nosso maior diplomata. Mas se José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, integrou um corpo diplomático já profissionalizado, deve isto a Paulino Soares de Souza, o Visconde do Uruguai. Como observa Miguel Gustavo:

...seu legado imprimiu à política externa a noção de razão de estado, sobrepondo o coletivo aos interesses particulares, consolidando os fundamentos do interesse nacional e profissionalizando o ofício diplomático (...) a diplomacia se resumia a uma pequena rede de pessoas chefiadas por plenipotenciários nomeados pelo imperador, de acordo com as necessidades das circunstâncias externas.


Em sua primeira gestão à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi essencial para reconhecer a independência do Paraguai, contrariando as pretensões expansionistas do general argentino Juan Manuel Rosas. Suas gestões também contribuíram para frear as ambições deste caudilho quanto ao Uruguai, em reconhecimento do que recebeu o título pelo qual é conhecido. Tendo garantido a estabilidade e a livre navegação no Rio da Prata, em sua segunda gestão no Ministério dos Negócios Estrangeiros tratou de fechar o rio Amazonas à navegação internacional, pois estava ciente das pretensões norte-americanas de incorporar aquela região à economia sulista algodoeira e escravocrata. Garantida a integridade das fronteiras externas, em sua gestão como Ministro da Justiça lutou para manter a integridade do território nacional, ameaçada por movimentos separatistas. O visconde defendia o centralismo monárquico e não acreditava na viabilidade aqui do modelo federalista norte-americano, pois bem sabia que seu único efeito seria substituir a autoridade da corte pelo mandonismo de miríades de chefes regionais, os famigerados coronéis do sertão, o que viria efetivamente a ocorrer após a proclamação da república. E realizou o primeiro concurso público para ingresso na diplomacia.

Tendo caído progressivamente no esquecimento, o ministro, senador e conselheiro do império faleceu pobre e recluso em 1866. Não havia mordomias nem pensões para políticos naquele tempo, mas o patriotismo era genuíno.

Esperemos que a Revista de História da Biblioteca Nacional permaneça ativa e continue resgatando momentos e indivíduos esquecidos de nossa História.

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