Uma sensação generalizada e inequívoca no momento atual é de que nunca houve tanta corrupção no Brasil. E como ela vem em um crescendo desde a descoberta do mensalão em 2005, não há qualquer vislumbre de onde iremos parar. Não se vê a luz no fim do túnel nem o fundo do poço. Sem dúvida que nada disso é novidade por estas bandas, mas ainda assim ficamos com uma sensação de promessa desfeita, de que as coisas não encaixam e as informações são contraditórias, agridem nosso senso comum. Como é possível que o auge da corrupção coexista com uma geral conformidade da população, a ponto do governo haver sido reeleito poucos meses atrás? A corrupção não vinha diminuindo desde o impeachment de Collor? Os últimos governos não têm tido cada vez mais respaldo popular, então não deveriam encampar cada vez mais o desejo geral do povo em acabar com a corrupção? Como é que pode estar tudo andando para trás agora?
Mas todo paradoxo nada mais é do que uma observação incompleta da realidade, que tem como consequência uma divergência entre a realidade observada e o senso comum. A rigor, não há nenhuma contradição, tudo o que está acontecendo é o esperado. O primeiro erro foi acreditar que o fim da corrupção é uma aspiração geral do povo brasileiro. Se fosse assim, esse mesmo povo não reelegeria políticos sabidamente ladrões. O fim da corrupção é uma aspiração da classe média que paga impostos e se sente roubada, mas a classe média é minoritária e não decide eleição. A maior parte do eleitorado, sobretudo nos estados mais pobres, é dispensada de pagar impostos diretos porque não tem renda suficiente, ou porque vive na informalidade (é verdade que pagam os impostos indiretos embutidos no custo das mercadorias, mas como esses não são sentidos, não têm valor didático). Então, esse eleitor não se sente pessoalmente lesado ao saber que seu candidato roubou um dinheiro que não saiu do bolso dele. Vale a regra do Rouba-Mas-Faz que vem do tempo de Adhemar, e bem ou mal, o PT fez coisas que redundaram em benefício dos mais pobres. O povo só não tolera o Rouba-E-Não-Faz, e como o dinheiro acabou, parece-me que já estamos entrando nesse estágio.
O segundo erro do senso comum foi creditar aos partidos de esquerda uma condição moral superior, oposta à corrupção. Este equívoco vem desde o tempo do combate á ditadura: víamos os partidos de esquerda como os porta-vozes dos valores pisados. Mas observando a História a partir de um horizonte mais antigo, anterior à ditadura, vemos que o discurso moralizante sempre foi mais característico dos partidos de direita representantes da classe média pagadora de impostos. Tanto que esse discurso ganhou o apelido de "udenismo" dado pelas esquerdas, referindo-se à UDN, o partido que se opunha ao trabalhismo varguista, notório pelas denúncias de corrupção. O denuncismo da UDN, diziam, era uma estratégia para fomentar um golpe de estado - qualquer semelhança com os dias atuais não e mera coincidência. E a rigor, não há qualquer fundamentação filosófica para crer que os partidos de esquerda sejam inimigos figadais da corrupção, pois o se assim fossem estariam endossando valores burgueses - a proibição de roubar é um tabu originado da inviolabilidade da propriedade privada, princípio que não é reconhecido pela ideologia marxista que embala os partidos de esquerda. A miragem de uma esquerda moralizante foi produto da ingenuidade da classe média que aplaudiu o PT nos estertores do regime militar. Esqueceram-se de que o público das esquerdas nunca foi a classe média, e sim as massas, aquelas mesmas que não pagam impostos e não se incomodam com a corrupção.
Enfim, nada há de contraditório no que estamos vendo. A inocência foi perdida e voltamos às origens.
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