As manifestações deste domingo ainda estão sendo digeridas pelos observadores, e pipocam aqui e ali conclusões meio disparatadas. Mas desde já noto dois aspectos que não deixam dúvida. Primeiro, ao contrário das manifestações de 2013, desta vez há cartazes dizendo Fora Dilma e Fora PT. Os manifestantes têm um alvo, não estão contra "tudo isso que está aí". Segundo, noto que os manifestantes foram, em sua maioria, integrantes da classe média. Então, pela primeira vez em muitos anos, a classe média e a esquerda estão em campos opostos.
Isso não deveria ser uma contradição. Afinal, a classe média, também conhecida como pequena burguesia, é considerada conservadora e aliada da alta burguesia de acordo com todos os manuais de sociologia. Mas no Brasil, ao menos desde 1964, nos acostumamos a ver a classe média como celeiro de esquerdistas. É fato que o próprio PT, em seus primórdios, teve como esteio a classe média politizada, sobretudo estudantes e intelectuais, antes de cair no gosto do eleitorado-povão. Mas é preciso lembrar também que 1964 foi o ano que viu as últimas manifestações de massa promovidas pela classe média conservadora. Acredito então que o viés esquerdista que a classe média nacional adquiriu desde então foi produto da desilusão com o regime de ditadura que essa própria classe média havia ajudado a colocar no poder.
Mas agora a classe média está desiludida com o regime populista que igualmente ajudou a colocar no poder. Que o PT fosse um dia romper com esta classe que fora o seu esteio, isso era esperado a partir do momento em que este partido obtivesse um eleitorado suficiente para sustenta-lo no poder. Ora, a grande massa dos eleitores é pobre, nunca compartilhou dos valores tradicionais da classe média, e se o PT agora depende deste eleitor, é a ele que deve atender, e pode até dispensar o apoio da classe média, numericamente insuficiente para sustentar um partido majoritário. O PT serviu-se da classe média, tal como escada que usou para chegar ao topo, e depois de galgar o último degrau, chutou-a.
Isso é mau? De certa maneira, não. Isso fez as coisas voltarem a seu lugar e recolocou a classe média em sua posição natural de antagonista da esquerda, conforme pode ser percebido nos adjetivos com que tem sido brindada pelos militantes governistas. A farsa terminou. Mas convém lembrar: se a classe média é pouco relevante numericamente, ela é muito relevante culturalmente, capaz de gestar e veicular ideias que se propagam pelos núcleos de poder. Para o bem ou para o mal. O que virá desta vez?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSua análise é interessante, mas claro, pontualmente observando o senso comum da classe média, da velha classe média é claro. Pelo o que me lembro aqui na minha cidade a decepção com os 12 anos do psdb na figura de FHC era total no que diz respeito a classe média, e acredito que era no país todo; sim, pois caso contrário Lula e seu PT não teria ganhado as eleições. A classe média (ou grande parte dela, votou no PT em 2003) mais a maioria esmagadora de votos que elegeram o PT já naquela época eram de pessoas abaixo da tradicional classe média. A grande verdade era que o desemprego estava geral, a ilusão do plano real não se sustentava mais, a paridade falsa com o dólar bancando às custas de endividamentos e aumentos na dívida pública chegavam ao fim, o modelo privatista se mostrou um equívoco sem precedentes e é claro, naquela época não existiam investigações, processos e mais processos (quando alguma denúncia de corrupção visando interesses próprios era feito por um fogo amigo da Veja, Época ou rede Globo) eram engavetados descaradamente. Assim sendo, acredito que sua visão sobre o tema é mais profunda do que os tais panelaços do momento e as exaltações tresloucadas remetendo ao medo de outro engodo repetido: o comunismo, que na prática qualquer cidadão razoavelmente estudado sabe tratar-se de um fantoche! E, não por acaso, deve concordar que se dependermos da relevância cultural da classe média estamos perdidos, pois de fato a alta cultura se restringe à elite financeira do país e a nichos específicos localizados dentro da classe média ALTA (mas, estes dificilmente participam de panelaços!) e não na classe média "MÉDIA" mesmo, que sequer conhece a Constituição do país e apenas repete trechos soltas manipuladas por pseudos formadores de opinião que estão a serviço do sistema que inclusive enquadrou o PT dentro dos moldes aceitáveis de uma esquerda capitalista!
ResponderExcluirLogo, o problema não é o PT, assim como a solução não é o psdb (pois o buraco é mais embaixo, ou literalmente falando: acima) e nem a cultura a que você se refere provém naturalmente da classe média, embora assim o pareça, mas esta tal cultura (que é uma subcultura) lhe é alimentada pela força da Casa Grande uma vez que a classe média não se apropriou de fato de nenhum valor ou tradição, logo teve uma subcultura estabelecida pelas forças que citei, a prova do que digo: os panelaços... tem coisa mais ridícula e sem sentido? Fora Dilma... embasado em qual critério jurídico de justificava como rege a Constituição? Abçs.