Lendo por acaso sobre futebol (é difícil evitar, nessa época de copa do mundo) por acaso lembrei-me do primeiro artigo que escrevi sobre o racismo no Brasil, tentando explicar sua peculiaridade, e porque é diferente do racismo norte-americano. O que tem a ver, afinal, futebol e racismo? Explico mais adiante.
A tese que defendi no artigo citado foi de que o racismo brasileiro sempre foi, historicamente, diferente do racismo norte-americano, porque nos EUA o racismo foi motivado sobretudo pela reação da classe trabalhadora branca contra a entrada daquela mão-de-obra barata em seus locais de trabalho e de residência, colocando em risco seu padrão de vida. Não que o racismo seja exclusivo da classe trabalhadora, é claro. O branco rico também é racista, mas na prática, ele raramente tem que se confrontar com negros, posto que esses estão excluídos a priori dos locais que frequenta, não por serem negros, mas por serem pobres. Diferente do que acontece com o branco pobre, que a toda hora tem que entrar em disputas com negros, e por esse motivo o racismo vindo da classes trabalhadoras seria mais vicioso - por assim dizer, seria um racismo padrão norte-americano, ao passo que o racismo mais subjetivo vindo dos ricos, calcado em desprezo e indiferença, seria um racismo padrão brasileiro.
Entretanto, lendo a história do futebol no Brasil - afinal, futebol também é História - notei que, no início do século 20, o futebol foi um dos poucos ramos de atividade da sociedade brasileira onde já existiu um racismo explícito e organizado - inclusive fiquei sabendo que fazia parte de estatutos de clubes o fim da cessão de patrimônios como campos e sedes da parte de seus sócios-proprietários, caso no futuro os clubes viessem a aceitar atletas negros. Também ocorreram diversas cisões de ligas, com clubes abandonando suas ligas originais e fundando outras quando aquelas permitiam a entrada de clubes que aceitavam negros. Esse estado de coisas durou até a implantação definitiva do profissionalismo nos anos 30, e a tese do artigo era essa: foi o profissionalismo que acabou com o racismo no futebol brasileiro. Tudo fecha: o futebol foi uma das poucas áreas onde houve disputa ferrenha entre bancos e negros no Brasil, coisa que naquela época não acontecia nas fábricas, dominadas por operários imigrantes, geralmente italianos e portugueses, enquanto a maioria dos negros ainda vivia no campo. Isso confirma a minha tese, e também outra ideia que lancei: que a cura definitiva para o racismo é a meritocracia. Onde existe a busca pelo lucro e somente pelo lucro, não há espaço para critérios raciais, e por este motivo foi o profissionalismo que matou o racismo no futebol brasileiro. No mundo atual, existe o exemplo de Singapura, uma pequena cidade-estado onde convivem etnias bem distintas como os malaios, os indianos e os chineses, mas não se verificam ali os choques inter-étnicos tão comuns naquela parte do mundo, justamente porque Singapura é uma sociedade profundamente competitiva, com mão-de-obra altamente qualificada, onde impera a meritocracia. A meritocracia dissolve o racismo.
É nesse ponto que recaímos mais uma vez na discussão das cotas para negros e índios em universidades. O assunto foi mais uma vez discutido no Centro de Mídia Independente, aqui nessa postagem. Minha opinião: no Brasil, o funil de acesso ao nível superior é tão estreito, e o nível do ensino já é tão ruim, mesmo sem cotas, que acredito que as coisas não vão mudar muito, e que o nível acadêmico dos alunos cotistas, e mesmo o seu nível social, não seja muito diferente daquele dos alunos não-cotistas. Aí o governo pode fazer o seu bonitão sem correr muito risco. Mas se começarem a inventar cotas e mais contas, enchendo as universidades públicas de alunos sem preparo, todos sabem muito bem qual será a consequência: as universidades públicas se tornarão tão ruins quanto hoje são as escolas secundárias públicas, o mercado de trabalho rejeitará os formados, e o único meio de conseguir um bom emprego será ter dinheiro para cursar uma boa faculdade privada.
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