sábado, 27 de junho de 2015

O futuro já está chegando?

Modéstia à parte, tenho certo talento em prever o futuro. Muito do que eu prevejo, efetivamente acontece, e às vezes eu bem desejaria estar errado. Quem me acompanha deve saber que desde o ano passado eu venho prevendo que Lula, em determinado momento, iria romper com Dilma, afirmar que não sabia de nada e lançar sua candidatura para 2018 com discurso de oposicionista. Eu esperava isso para daqui a uns dois anos.

Mas não é que Lula resolveu antecipar-se? Em sua recente entrevista, quando declarou o PT e Dilma "no volume morto", foi altamente crítico ao governo e já está brandindo um discurso claramente de oposicionista. Evidente que apenas personagens de extraordinário carisma pessoal como nosso ex-presidente podem jogar tal m* no ventilador sem que esta borrife sobre ele próprio, o mentor político da atual presidente e introdutor das políticas que redundaram no atual cenário de crise. Pois na visão do povo, PT é PT e Lula é Lula. Ele não tem culpa de nada. Mas conforme ele próprio reconheceu na mesma entrevista, também está "no volume morto", e as pesquisas confirmam isso: se a eleição fosse hoje, perderia fácil para Aécio.

Mas as eleições serão daqui a três anos e até lá muito pode mudar. A chance de Lula será descolar sua imagem do PT, e descolar a lembrança de seus oito anos de governo, indiscutivelmente bons, da lembrança dos oito anos de Dilma, indiscutivelmente ruins. O eleitorado vai se dividir entre os que desejam alguma coisa nova e os que desejam a volta dos bons anos de Lula. Qual tendência vai prevalecer? Desta vez não arrisco um prognóstico, pois só sou profeta quando tenho razoável certeza. E uma coisa de que tenho razoável certeza agora é de que, mesmo que Lula triunfe, a debacle do PT é certa. Eu que acompanho desde sempre os forum´s de discussão na internet, comecei a notar de quatro anos para cá uma massiva conversão dos comentaristas em petistas chapa-branca. Se no início do governo petista eles se mostravam reticentes, diziam que o PT deixara de ser socialista e exibiam um discurso ultra radical e algo porra-louca, de um momento para outro passaram a repetir o discurso-padrão do PT e fazer política partidária, sobretudo para atacar os tucanos. Surpreso a princípio, pus-me a raciocinar e atribuí essa mudança ao fato do dinheiro extraído da Petrobras ter começado a jorrar entre os blogueiros. Parece-me uma hipótese razoável.

Mas agora que a polícia apertou, a fonte secou, e os mesmos comentaristas mostram-se desapontados e já voltam a dizer que o PT abandonou o socialismo. O cenário é esse. Mas chega de ser profeta por hoje.

domingo, 7 de junho de 2015

Campanha pela volta da inflação

Eu que frequento vários forum´s de discussão por aí, tenho notado com incômoda frequência a presença de artigos querendo vender o peixe de que "um pouquinho de inflação" é necessário para o país sair da crise. Tem este aqui por exemplo, ou ainda esse outro. Não que eu desconheça essa velha falácia cepalina que fazia sucesso 50 anos atrás; muita gente acreditou, de Kubitchek a Figueiredo. Mas eu pensei que isso tudo havia sido enterrado em definitivo após o Plano Real. Agora pipocam opiniões por todo lado dizendo que o Plano Real foi uma maldade dos neoliberais e que inflação é bom. Querem o dólar a 4 reais dizendo que irá agilizar as exportações do país, e mais inflação dizendo ser necessário para manter o nível de emprego.

Ora, produzir inflação nada mais é do que emitir moeda sem lastro. Em outras palavras, emitir dinheiro falso. Quando se diz que o índice de inflação é 8%, o que se quer dizer é que de cada 108 moedas de 1 real emitidas pela Casa da Moeda, 8 são falsas. Isso é necessário para criar empregos, dizem. Mas empregos criados com dinheiro de mentira são empregos de mentira, gerados à custa da perda do poder aquisitivo daqueles que já estão empregados. É como se o seu patrão chegasse para você e dissesse: vou descontar 8% do seu salário para dar emprego àquele seu colega que está desempregado.

A quem, então, interessa a volta da inflação?

Ao governo, evidentemente. Pois inflação não é problema algum para quem emite o dinheiro, é problema para quem usa o dinheiro. Para quem emite, então, é solução: basta girar a maquininha da Casa da Moeda que os rombos do governo estão cobertos, e a fatura vai para o infeliz usuário do papel-moeda. É como um imposto invisível, com a vantagem de que pode ser criado sem aquela chatice de comprar deputados. Permite também diminuir salários, o que é proibido por lei: basta dar reajustes inferiores ao aumento dos preços. É óbvio que o governo anseia por ter de volta às mãos instrumento tão poderoso, capaz de fazer eu e você pagarmos pelo dinheiro que o BNDES vai mandar para o séquito de empresários amigos-do-rei. Tudo isso em prol do desenvolvimento do país, é o que dizem.

É nesse ponto que surge a minha suspeita: essa campanha pró-inflação pode ser parte de uma estratégia do governo já em andamento. Uma vez que o aumento de impostos foi barrado no legislativo, e a captação de dinheiro via corrupção foi barrada pelo judiciário, resta a terceira opção de captar o dinheiro do povo via inflação. É a melhor escolha, pois produzir inflação é uma forma de roubo altamente sofisticada, que prescinde até de retirar as cédulas do bolso do roubado.

O que tem segurado o governo até agora é uma coisa só: todo o aumento do consumo da parcela mais pobre da população nos últimos 12 anos, o que tem garantido as vitórias eleitorais do PT até agora, é devido essencialmente à expansão do crédito, que permitiu ao povo comprar geladeiras nas Casas Bahia pagando em 15 vezes. Esse quadro obviamente só se mantem em um cenário de inflação baixa. Se deixar a inflação voltar, a carruagem vira abóbora de novo, e os milhões que passaram à classe C voltam à classe D. Poderá o governo conter o descontentamento dessa gente?

O remédio é esperar, como dizia a música da normalista.

sábado, 30 de maio de 2015

Dilma e Isabelita: tudo a ver?

Como afirmei no último post aí embaixo, não dá para escrever sobre o presente sem desvencilha-lo do contexto histórico onde se encontra inserido. Em outras palavras, não dá para falar no presente sem falar no passado. Sobretudo quando o passado teima em repetir o presente.

Um exemplo de repetição do passado, tal como uma peça que é reencenada com atores diferentes, eu encontrei aqui nesse artigo que traça paralelos entre Dilma Rousseff e Isabelita Perón da Argentina. A comparação é oportuna no momento político em que estamos vivendo, e verificam-se paralelos e divergências igualmente importantes. Como se sabe, Isabelita foi a primeira mulher presidente da Argentina, chegou ao poder por obra e graça de seu marido e patrono político Juan Perón, governou sem autoridade e refém de aliados oportunistas como López Rega, seu ultracorrupto ministro do bem-estar social, e por fim levou seu país a uma séria crise que terminou com sua deposição. Alguma coisa a ver?

Para começar, a história pessoal de Isabelita nada tem em comum com a história pessoal de Dilma Rousseff. O currículo de Isabelita aponta como ocupação inicial antes de chegar à presidência ter sido dançarina de cabaré. Dilma, bem ou mal, sempre teve presença na cena política desde a juventude. Deve ser de pronto ressaltado que a história de Isabelita se insere em uma trama exclusivamente argentina, sem correspondente brasileiro: ela foi escalada para ser a segunda encarnação de Evita Perón, a mãe dos descamisados.

Nesse ponto já não sei se estou falando de Evita ou de Isabelita, já que ambas representaram o mesmo personagem, ou melhor, uma é a reencarnação da outra. Em meio ao antigo caudilhismo latino-americano e seu afã por um governante que se comporte como um Pai da Pátria, os argentinos alcançaram um estágio mais profundo: exigem não só um Pai, mas também uma Mãe. Evita Perón foi a primeira Mãe, e atendendo às expectativas, ela tratou o povo tal como uma mãe trata seus filhos. A morte de Evita coincidiu com o esgotamento das reservas acumuladas pelo país durante a 2a Guerra, e na cabeça do povo, os tempos difíceis que então se iniciaram foram atribuídos à ausência de sua provedora. Desde então, ressuscitar Evita tornou-se uma obsessão para muitas gerações de argentinos. Primeiro tentou-se preservar seu cadáver embalsamado. Não adiantou, e o cadáver foi até roubado. Depois tentou-se fazer uma segunda Evita na pessoa de Isabelita, a nova esposa de Perón. Mas ao contrário de sua encarnação original, Isabelita não revelou nenhuma capacidade como governante, e as funestas consequências de seu governo são por suficiente conhecidas para que eu precise repeti-las aqui. A encarnação atual de Evita é Cristina Kirschner, que juntamente com seu marido Nestor, reencenou a trama do Pai e da Mãe da Pátria, que tratam o povo como seu filho e o orçamento da nação como seu orçamento doméstico. Mas essa trama é uma especificidade argentina. Há algum paralelo com Dilma Rousseff?

Algum paralelo há, sim. Tal como Isabelita, Dilma é um astro sem luz própria, que chegou ao governo pelas mãos de um patrono, este sim imbuído de poder e carisma. Perón, na Argentina, e Lula no Brasil, em momentos diferentes usaram Isabelita e Dilma como joguetes de seus projetos pessoais, embora sem sucesso. A ideia de Lula era dar a Dilma um mandato-tampão, esperando que ela pusesse as contas em ordem após os gastos excessivos do último ano de seu governo. Dilma deveria tomar medidas de austeridade, arcar com o correspondente ônus de impopularidade e deixar tudo em ordem para o retorno triunfal de seu patrono em 2014, em clima de copa e olimpíada. Como sabemos, as coisas não transcorreram conforme planejado, e Lula adiou para 2018 seu projeto de volta ao poder. É nesse ponto que ficam evidentes outros paralelos mais inquietantes entre a nossa Dilma e a Isabelita deles: tal como Isabelita, nossa presidente tem se mostrado uma governante fraca, refém de aliados mal-intencionados, que conduz o país a uma crise econômica. Resta esperar que o desfecho não seja o mesmo!

Quanto a mim, sinceramente não creio que o desfecho de Dilma vai repetir o de Isabelita. Penso que as medidas de ajuste serão tomadas, e seus adversários ficarão contentes em vê-la queimada. Se Dilma não fez a faxina encomendada por Lula em seu primeiro mandato, terá que faze-la agora. No momento certo, Lula anunciará seu rompimento com Dilma, dirá que não sabia de nada e se lançará em campanha com discurso de oposicionista. E Dilma, como boa faxineira, sairá pela porta dos fundos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Quando penso no futuro...

"Meu filho, tome cuidado, quando penso no futuro, não esqueço meu passado"

Esse blog, como afirma o título, versa sobre História, aquilo que é passado. Mas mesmo quando comento assuntos do presente, é impossível separa-los de seu contexto histórico.

Com o anúncio pelo governo do ajuste fiscal, estamos assistindo a mais um debacle da euforia desenvolvimentista, como tantos outros que já tivemos em nossa História. Uma interessante explicação para tantos "voos de galinha" eu encontrei aqui nesse artigo de Diogo de Almeida Fontana, intitulado Take your time, Brazil.

Cito alguns trechos:

"...nosso primeiro século de existência independente foi um tempo de condescendência, no qual se reconhecia as mazelas, se apontava os problemas, com a consciência de que havia muito por fazer, mas reputando tudo sempre como desculpável, explicável por nossa juventude. Com o tempo, com o trabalho, cedo ou tarde haveríamos de atingir o patamar dos povos da Europa (...) Subitamente, todavia, despontou ao Norte um gigante que vencia europeus no campo de batalha, que erguia torres que chegavam até o céu, que fabricava automóveis, aviões, navios, e tudo o mais que se possa imaginar, que decidia uma guerra mundial. (...) Doravante não havia mais desculpa, não havia mais perdão. Caiam as escamas dos olhos nacionais. O Brasil revelava-se definitivamente um país atrasado, periférico, um povo bárbaro que ficara para trás na carreira da História"


"Desde então a pressa, um sentimento de urgência, um aflitivo imediatismo, tomou de vez a alma nacional. O Brasil já não tinha tempo a perder, era preciso correr, fazer 50 anos em 5..."

"Pressa, pressa, sempre a pressa a pautar nossas decisões! Levamos luz elétrica aos rincões e aos subúrbios, mas em horrorosos postes de concreto com a fiação exposta. Construímos estradas e pontes, mas com aparência militar, cinzas, feias, sem adorno, sem acabamento."

Algo que nunca deixei de reparar na paisagem urbana brasileira é como tudo parece ter sido feito "nas coxas", apressadamente, de qualquer maneira, sobretudo quando comparado a obras similares realizadas nos países desenvolvidos. O último governo não foi diferente: Dilma ressuscitou o nacional-estatismo que Fernando Henrique havia mal-e-mal sepultado, e retornamos à rotina de obras caras e mal feitas financiadas com dinheiro público distribuído pelo BNDES ao séquito de empresários amigos-do-rei, os juros subsidiados à custa dos juros altos pagos pelos que não são amigos do rei, ou pela totalidade da população na forma de perda do poder aquisitivo de sua moeda.

Quando nosso futuro deixará de repetir o passado?

domingo, 10 de maio de 2015

Lula assumindo

Uma notícia recente veio na medida para confirmar o que eu havia escrito em meu último post: O ex-presidente uruguaio José Mujica, em um relato autobiográfico, afirmou haver ouvido do ex-presidente Lula que o mensalão era a única forma de governar o Brasil.

É claro que Mujica prontamente desmentiu a notícia que difamava o colega. Mas a impressão que ficou foi de que Lula, e possivelmente o PT como um todo, estão chegando àquela terceira etapa a que me referi: vão assumir que fizeram, e dizer, sem temor, que aquilo que fizeram foi bom para o país. Estará o PT, então, despindo de vez sua capa constitucional e assumindo sua essência?

Quem quiser conhecer a essência do PT pode visitar essa página do partido. Nota-se o enorme abismo entre o discurso das bases militantes e a prática do PT no poder. O que concluir? As hipóteses são duas:

1) O plano da base militante é o que efetivamente norteia o PT, e a prática da cúpula governista é uma fachada, ou

2)  A base militante não passa de massa de manobra que serve de cabo eleitoral à cúpula governista.

Podemos discutir se a realidade é (1) ou (2), mas é indiscutível que essas duas facetas do PT têm convivido desde muito tempo. Por que essa aparente contradição interna não racha o PT? Ao contrário, ambas parecem capazes de conviver juntas por tempo indeterminado. Qual seria o "real" PT?

O senso comum, comparando o governo petista com outros governos de esquerda ditos bolivarianos no continente, é que o PT seria muito mais moderado. Mas analisando retroativamente, vê-se que todas as propostas radicais implementadas pelos governos bolivarianos, aí incluídas a regulação da mídia e a criação de conselhos populares, foram em algum momento colocadas pelo PT. A diferença foi que, aqui, elas foram rejeitadas por ampla margem no legislativo. Ideologicamente, portanto, não se pode afirmar que o PT difira da Venezuela de Chávez e da Argentina de Kirschner. A diferença reside na capacidade de impor tais medidas. Os outros regimes bolivarianos dispõem de uma militância armada e adestrada. A militância petista é desarmada e entretida com o chamado marxismo cultural. O que vale dizer: o PT depende dos trâmites do estado de direito para implementar seus projetos. Em outras palavras, depende de eleições e maiorias nas câmaras. Mas eleição só se ganha com o povo satisfeito, tendo emprego e crédito para comprar uma geladeira nas Casas Bahia pagando em 15 vezes. Todos sabem que isso só tem sido possível conservando-se a macroeconomia herdada do Plano Real, a qual por sua vez contradiz visceralmente o projeto da base militante. Foi esse o capital político que o PT acumulou e permitiu-o vencer as eleições nos últimos doze anos, e que agora começa a ser corroído pela crise. A circunstância de depender de eleição jogou o PT em um dilema:

1) Para ter sucesso na economia e assim angariar capital político, o PT precisa abandonar o ideário da base militante;

2) Para implementar o ideário da base militante, o PT precisa destruir o capital político que acumulou anteriormente.

Ora, mas é justamente com esse capital político que o PT contava para implementar o ideário da base militante! Se o destrói, dá um tiro no próprio pé. A única conclusão que podemos chegar é que a ascenção ao poder da base militante do PT é inviável pela via democrática. Enquanto o legislativo e o judiciário forem independentes, as eleições forem limpas e o eleitorado responder com desagrado à destruição da economia, o bolivarianismo só chega ao poder pela via revolucionária. Pode o PT realizar essa revolução? Sinceramente não creio. Penso que será em breve apeado do poder por obra e graça de um eleitorado por demais inculto para se deixar seduzir por discursos ideológicos, e que só vê o próprio bolso e os preços do mercado da esquina. Mas se essa derrota eleitoral se concretizar, tampouco deve-se ter a ilusão de que o PT terá caído por causa do mensalão ou do que mais diga respeito à corrupção que praticou. Será apenas uma consequência do caráter humano: é característica do venal ser também mau agradecido.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Deixem o PT roubar, senão...

Tenho acompanhado a argumentação apresentada pelos simpatizantes do PT desde que se tornou notório o imenso esquema de corrupção protagonizado por este partido antes tido como a vanguarda da ética na política. Compreendem três fases distintas. Na primeira, negam as acusações. Na segunda, já não negam, mas acusam seus adversários de fazer o mesmo. Na terceira, assumem o que fizeram, mas afirmam que tal foi benéfico para o povo ou simplesmente necessário para seu projeto político.

Esta cara dura não me impressiona tanto assim, pois quem conhece a História sempre soube que o combate à corrupção jamais foi uma bandeira da esquerda. Não há motivo para sê-lo, pois quem empunha essa bandeira endossa uma moral burguesa: a proibição de roubar, derivada do tabu da inviolabilidade da propriedade privada. Ora, quem professa uma ideologia de inspiração marxistas ou anarquista necessariamente não reconhece o princípio da inviolabilidade da propriedade privada, e portanto não tem motivo algum para condenar a corrupção. Se alguém ainda insistir que roubar é moralmente errado, pode-se afirmar que a corrupção seria inerente ao sistema capitalista e só poderia ser eliminada junto com este - assim, o combate à corrupção, antes da liquidação do capitalismo, é inútil, e após, desnecessário. Por conseguinte, não há sentido para um militante de esquerda clamar por ética na política, e de fato, na História do Brasil, esse discurso tem sido mais típico dos partidos conservadores, apropriadamente taxado pela esquerda de "udenismo" e dito ser mero subterfúgio para derrubar governos legitimamente eleitos. Só com o surgimento do PT, na década de oitenta, essa tendência se inverteu à medida em que esse partido apresentava-se como reformador dos costumes políticos e paladino da ética, sempre atacando e eventualmente derrubando governos corruptos, e desde então, no senso comum daqueles cuja memória histórica é curta, estabeleceu-se a noção de que a luta anti-corrupção é uma bandeira da esquerda e que só a direita é corrupta.

Essa noção foi violentamente virada de cabeça para baixo tão logo o PT assumiu o poder, surpreendendo os ingênuos. Repetindo o que disse, eu próprio não me surpreendi, mas admito sentir um certo mal-estar nesse momento em que vejo a maioria dos apoiadores do PT chegando à fase 3 - aquela em que o malfeito é assumido e justificado. Como diz o ditado, a hipocrisia é a última homenagem que o vício presta à virtude. O que virá depois? Assusta-me que alguns artigos escritos por apologistas do PT sejam ponderados e bem embasados, sem tanta necessidade de recorrer ao cinismo. Um exemplo foi esse aqui de Luís Nassif. que encontrei no GGN. Destaca um suposto desastre político e econômico que a Operação Mãos Limpas teria provocado na Itália, e adverte para a possibilidade do mesmo ocorrer aqui, quando o juiz Sérgio Moro repete os métodos da Operação Mãos Limpas.

Afirma ele, a corrupção sempre fez parte dos costumes políticos italianos desde o tempo dos Médici, e a eliminação desta prática teria surtido consequências políticas e econômicas desastrosas, com a destruição do sistema político do pós-guerra, e liquidação dos quatro principais partidos políticos italianos - o Democrata Cristão, o Socialista, o Social Democrata e o Liberal - bem como de numerosas empresas privadas e estatais. Após a guerra, a Itália experimentara impressionante recuperação econômica e chegou ao posto de 5a economia do mundo, os empresários eram pujantes e criativos, o povo vivia feliz em meio à roubalheira dos políticos. Depois, acabou a esfuziante dolce vita: a economia estagnou, os empresários foram para a cadeia ou faliram, e no vácuo criado pela destruição do sistema político penetraram aventureiros como Sílvio Berlusconi. Conclui o autor, na construção das grandes economias há mais barões ladrões do que monges mendicantes.

Embora haja uma repulsa instintiva em assumir que a corrupção é melhor que a honestidade, é preciso admitir que tudo o que Luís Nassif argumentou é rigorosamente verdadeiro. A Itália, de fato, passou por um período de rápido crescimento até o início da Operação Mãos Limpas, desde então passa por um prolongado declínio econômico, e Berlusconi foi de fato um governante desastrado. Mas... será que foi mesmo a eliminação da corrupção que causou tudo isso?

É uma questão instigante, ainda mais porque cai em um terreno perigosamente fértil: nós aqui no Brasil também temos um longo caso de amor com a falta de ética. Fomos nós que romantizamos a malandragem, fomos nós que criamos o personagem Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, e temos sempre disposição para incensar todo tipo de personagem sem caráter, bem como para eleger e reeleger todo tipo de político ladrão. Enfim, não faltam argumentos para afirmar que a corrupção é indissociável do caráter brasileiro, e portanto ela é boa e necessária ao funcionamento de nossa sociedade. A mensagem é: deixem o PT roubar em paz, senão... acabaremos igual à Itália!

Devemos engolir isso?

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Por que a corrupção aumentou nas obras públicas?

O assunto do dia é a terceirização, objeto de uma lei que está em debate na câmara, com a finalidade de permiti-la em todas as atividades de uma empresa. Os argumentos pró e contra são aqueles rasos e maniqueístas de sempre: a terceirização é "precarização" do trabalho, mas vai garantir o aumento das contratações, etc. Mas em meio a essa balbúrdia eu encontrei aqui um raro artigo melhor elaborado que procura correlacionar a terceirização com o aumento da corrupção nas obras públicas.

O autor afirma que o notório aumento da corrupção nas obras públicas foi a consequência do desmonte dos departamentos de engenharia das estatais. Antes esses departamentos eram responsáveis pelo Projeto Básico, e muitas vezes também o Projeto Executivo, e as empreiteiras ficavam somente com a execução, fiscalizadas de perto pelos engenheiros da empresa. Assim minimizavam-se as oportunidades de adendos contratuais e mudanças nos projetos com o fim de encarecer a obra. Com a terceirização, isso acabou: as empreiteiras ficaram com todo o projeto na mão, e puderam deitar e rolar.

Bom artigo, muito racional e honesto, mas faltou responder uma questãozinha essencial: se os departamentos de engenharia das estatais eram tão bons assim, por que motivo eles foram desmontados?

Os petistas vão bradar que a culpa é dos tucanos que sucatearam as empresas em sua busca pelo "estado mínimo", e os tucanos vão bradar que o PT, uma vez no poder, nada fez para mudar esse estado de coisas, muito pelo contrário. Mas se quisermos dar seguimento ao tom de honestidade deste artigo, tempos que ir à raiz do problema. Eu já trabalhei em empresa estatal mais de uma vez, tanto como terceirizado quanto como concursado, e posso dizer que conheço o problema por dentro, e por suas duas vertentes. Seja lá o que foi que aconteceu, ocorreu entre o fim do regime militar e o atual governo. O autor do artigo foi honesto bastante para expor aqui uma verdade muito embaraçosa, que todo o mundo sabe mas ninguém diz: no tempo dos militares havia bem menos corrupção nas estatais. E olha que não era para ser assim, pois no tempo deles havia censura e se eles quisessem, qualquer escândalo podia ser abafado. Veio a democracia, acabou a censura. Então, o que deu errado?

A raiz do problema da terceirização, a meu ver, é a própria CLT, que com o tempo tornou-se tão complicada, arriscada e onerosa, que os empregadores acharam preferível pagar a conta altíssima dos atravessadores de mão-de-obra. Mas no que diz respeito às firmas estatais, existe um considerável agravante: a enorme burocracia para fazer contratações, em razão da obrigatoriedade de concurso público. Não sei se vocês fazem ideia de como é demorado e custoso realizar um concurso público. Primeiro tem que ter previsão orçamentária. Aí tem que publicar o edital, fazer as provas, corrigir, formar o cadastro reserva, e só pode chamar de um em um, conforme a classificação na lista. Imagine que a empresa necessita urgente de um profissional com determinado perfil. Não há tempo para fazer um concurso, e mesmo se houvesse, não compensaria fazer concurso para preencher uma só vaga. Mesmo se houver sobras do cadastro reserva do último concurso, pode não haver ali um profissional com o perfil requerido, e se houver, ele pode estar em uma posição mais atrás na lista e não pode ser chamado antes dos outros que estão na frente. Simplesmente não há outra alternativa além da terceirização!

No tempo dos militares, as pessoas eram mais honestas? Não creio. Eu penso que a explicação é outra: no tempo dos militares a CLT era menos complicada e havia menos burocracia para as empresas estatais contratarem, sem tanta exigência de concurso público. A teoria que eu tenho para explicar a decadência e o desmonte dos departamentos de engenharia é a seguinte: com o tempo, as contratações foram ficando tão difíceis que os departamentos não puderam ser renovados à medida em que os engenheiros saíam, se aposentavam ou morriam. Chegou um momento em que não houve outra alternativa senão terceirizar tudo, do projeto à execução.

Como solucionar esse impasse?

Voltando à raiz do problema, é preciso rever a CLT, que se tornou totalmente obsoleta. No caso específico das estatais, é preciso que elas tenham a mesma liberdade quanto à gestão de seu pessoal de que desfrutam as empresas privadas. Quando uma empresa privada necessita de um profissional, ela vai no mercado e o contrata sem mais delongas. Então, ou se privatiza de uma vez todas as empresas, ou se acaba com a obrigatoriedade de concurso público, mesmo porque concurso público é algo indicado somente para funcionários públicos, pessoas que exercem funções de responsabilidade que exigem uma formação específica - fiscais, auditores, juízes, etc.

Se isso for feito, penso que a terceirização retornará a seu escopo original - as atividades contratadas como empreitada, com prazo para terminar. Afinal, ao contrário do que muitos pensam, terceirizar não sai barato: as empresas alocadoras de mão-de-obra cobram cerca do triplo do salário em carteira de cada trabalhador alocado. O empregador, invariavelmente, se dispõe a pagar um valor X por cada empregado, valor esse determinado pelo mercado de trabalho. Se desse valor, um total y será descontado na forma de encargos trabalhistas pela CLT ou na forma de pagamento à empresa terceirizada, isso é indiferente para o empregador: ele desembolsou X, e ponto final. Mas não é indiferente para o empregado, que recebe X - y em seu contracheque. Acredito que para o trabalhador, interessante seria se ele recebesse o valor X integralmente - sem nem o Estado, nem o atravessador de mão-de-obra no caminho.