Como afirmei no último post aí embaixo, não dá para escrever sobre o presente sem desvencilha-lo do contexto histórico onde se encontra inserido. Em outras palavras, não dá para falar no presente sem falar no passado. Sobretudo quando o passado teima em repetir o presente.
Um exemplo de repetição do passado, tal como uma peça que é reencenada com atores diferentes, eu encontrei aqui nesse artigo que traça paralelos entre Dilma Rousseff e Isabelita Perón da Argentina. A comparação é oportuna no momento político em que estamos vivendo, e verificam-se paralelos e divergências igualmente importantes. Como se sabe, Isabelita foi a primeira mulher presidente da Argentina, chegou ao poder por obra e graça de seu marido e patrono político Juan Perón, governou sem autoridade e refém de aliados oportunistas como López Rega, seu ultracorrupto ministro do bem-estar social, e por fim levou seu país a uma séria crise que terminou com sua deposição. Alguma coisa a ver?
Para começar, a história pessoal de Isabelita nada tem em comum com a história pessoal de Dilma Rousseff. O currículo de Isabelita aponta como ocupação inicial antes de chegar à presidência ter sido dançarina de cabaré. Dilma, bem ou mal, sempre teve presença na cena política desde a juventude. Deve ser de pronto ressaltado que a história de Isabelita se insere em uma trama exclusivamente argentina, sem correspondente brasileiro: ela foi escalada para ser a segunda encarnação de Evita Perón, a mãe dos descamisados.
Nesse ponto já não sei se estou falando de Evita ou de Isabelita, já que ambas representaram o mesmo personagem, ou melhor, uma é a reencarnação da outra. Em meio ao antigo caudilhismo latino-americano e seu afã por um governante que se comporte como um Pai da Pátria, os argentinos alcançaram um estágio mais profundo: exigem não só um Pai, mas também uma Mãe. Evita Perón foi a primeira Mãe, e atendendo às expectativas, ela tratou o povo tal como uma mãe trata seus filhos. A morte de Evita coincidiu com o esgotamento das reservas acumuladas pelo país durante a 2a Guerra, e na cabeça do povo, os tempos difíceis que então se iniciaram foram atribuídos à ausência de sua provedora. Desde então, ressuscitar Evita tornou-se uma obsessão para muitas gerações de argentinos. Primeiro tentou-se preservar seu cadáver embalsamado. Não adiantou, e o cadáver foi até roubado. Depois tentou-se fazer uma segunda Evita na pessoa de Isabelita, a nova esposa de Perón. Mas ao contrário de sua encarnação original, Isabelita não revelou nenhuma capacidade como governante, e as funestas consequências de seu governo são por suficiente conhecidas para que eu precise repeti-las aqui. A encarnação atual de Evita é Cristina Kirschner, que juntamente com seu marido Nestor, reencenou a trama do Pai e da Mãe da Pátria, que tratam o povo como seu filho e o orçamento da nação como seu orçamento doméstico. Mas essa trama é uma especificidade argentina. Há algum paralelo com Dilma Rousseff?
Algum paralelo há, sim. Tal como Isabelita, Dilma é um astro sem luz própria, que chegou ao governo pelas mãos de um patrono, este sim imbuído de poder e carisma. Perón, na Argentina, e Lula no Brasil, em momentos diferentes usaram Isabelita e Dilma como joguetes de seus projetos pessoais, embora sem sucesso. A ideia de Lula era dar a Dilma um mandato-tampão, esperando que ela pusesse as contas em ordem após os gastos excessivos do último ano de seu governo. Dilma deveria tomar medidas de austeridade, arcar com o correspondente ônus de impopularidade e deixar tudo em ordem para o retorno triunfal de seu patrono em 2014, em clima de copa e olimpíada. Como sabemos, as coisas não transcorreram conforme planejado, e Lula adiou para 2018 seu projeto de volta ao poder. É nesse ponto que ficam evidentes outros paralelos mais inquietantes entre a nossa Dilma e a Isabelita deles: tal como Isabelita, nossa presidente tem se mostrado uma governante fraca, refém de aliados mal-intencionados, que conduz o país a uma crise econômica. Resta esperar que o desfecho não seja o mesmo!
Quanto a mim, sinceramente não creio que o desfecho de Dilma vai repetir o de Isabelita. Penso que as medidas de ajuste serão tomadas, e seus adversários ficarão contentes em vê-la queimada. Se Dilma não fez a faxina encomendada por Lula em seu primeiro mandato, terá que faze-la agora. No momento certo, Lula anunciará seu rompimento com Dilma, dirá que não sabia de nada e se lançará em campanha com discurso de oposicionista. E Dilma, como boa faxineira, sairá pela porta dos fundos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário