Tenho acompanhado a argumentação apresentada pelos simpatizantes do PT desde que se tornou notório o imenso esquema de corrupção protagonizado por este partido antes tido como a vanguarda da ética na política. Compreendem três fases distintas. Na primeira, negam as acusações. Na segunda, já não negam, mas acusam seus adversários de fazer o mesmo. Na terceira, assumem o que fizeram, mas afirmam que tal foi benéfico para o povo ou simplesmente necessário para seu projeto político.
Esta cara dura não me impressiona tanto assim, pois quem conhece a História sempre soube que o combate à corrupção jamais foi uma bandeira da esquerda. Não há motivo para sê-lo, pois quem empunha essa bandeira endossa uma moral burguesa: a proibição de roubar, derivada do tabu da inviolabilidade da propriedade privada. Ora, quem professa uma ideologia de inspiração marxistas ou anarquista necessariamente não reconhece o princípio da inviolabilidade da propriedade privada, e portanto não tem motivo algum para condenar a corrupção. Se alguém ainda insistir que roubar é moralmente errado, pode-se afirmar que a corrupção seria inerente ao sistema capitalista e só poderia ser eliminada junto com este - assim, o combate à corrupção, antes da liquidação do capitalismo, é inútil, e após, desnecessário. Por conseguinte, não há sentido para um militante de esquerda clamar por ética na política, e de fato, na História do Brasil, esse discurso tem sido mais típico dos partidos conservadores, apropriadamente taxado pela esquerda de "udenismo" e dito ser mero subterfúgio para derrubar governos legitimamente eleitos. Só com o surgimento do PT, na década de oitenta, essa tendência se inverteu à medida em que esse partido apresentava-se como reformador dos costumes políticos e paladino da ética, sempre atacando e eventualmente derrubando governos corruptos, e desde então, no senso comum daqueles cuja memória histórica é curta, estabeleceu-se a noção de que a luta anti-corrupção é uma bandeira da esquerda e que só a direita é corrupta.
Essa noção foi violentamente virada de cabeça para baixo tão logo o PT assumiu o poder, surpreendendo os ingênuos. Repetindo o que disse, eu próprio não me surpreendi, mas admito sentir um certo mal-estar nesse momento em que vejo a maioria dos apoiadores do PT chegando à fase 3 - aquela em que o malfeito é assumido e justificado. Como diz o ditado, a hipocrisia é a última homenagem que o vício presta à virtude. O que virá depois? Assusta-me que alguns artigos escritos por apologistas do PT sejam ponderados e bem embasados, sem tanta necessidade de recorrer ao cinismo. Um exemplo foi esse aqui de Luís Nassif. que encontrei no GGN. Destaca um suposto desastre político e econômico que a Operação Mãos Limpas teria provocado na Itália, e adverte para a possibilidade do mesmo ocorrer aqui, quando o juiz Sérgio Moro repete os métodos da Operação Mãos Limpas.
Afirma ele, a corrupção sempre fez parte dos costumes políticos italianos desde o tempo dos Médici, e a eliminação desta prática teria surtido consequências políticas e econômicas desastrosas, com a destruição do sistema político do pós-guerra, e liquidação dos quatro principais partidos políticos italianos - o Democrata Cristão, o Socialista, o Social Democrata e o Liberal - bem como de numerosas empresas privadas e estatais. Após a guerra, a Itália experimentara impressionante recuperação econômica e chegou ao posto de 5a economia do mundo, os empresários eram pujantes e criativos, o povo vivia feliz em meio à roubalheira dos políticos. Depois, acabou a esfuziante dolce vita: a economia estagnou, os empresários foram para a cadeia ou faliram, e no vácuo criado pela destruição do sistema político penetraram aventureiros como Sílvio Berlusconi. Conclui o autor, na construção das grandes economias há mais barões ladrões do que monges mendicantes.
Embora haja uma repulsa instintiva em assumir que a corrupção é melhor que a honestidade, é preciso admitir que tudo o que Luís Nassif argumentou é rigorosamente verdadeiro. A Itália, de fato, passou por um período de rápido crescimento até o início da Operação Mãos Limpas, desde então passa por um prolongado declínio econômico, e Berlusconi foi de fato um governante desastrado. Mas... será que foi mesmo a eliminação da corrupção que causou tudo isso?
É uma questão instigante, ainda mais porque cai em um terreno perigosamente fértil: nós aqui no Brasil também temos um longo caso de amor com a falta de ética. Fomos nós que romantizamos a malandragem, fomos nós que criamos o personagem Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, e temos sempre disposição para incensar todo tipo de personagem sem caráter, bem como para eleger e reeleger todo tipo de político ladrão. Enfim, não faltam argumentos para afirmar que a corrupção é indissociável do caráter brasileiro, e portanto ela é boa e necessária ao funcionamento de nossa sociedade. A mensagem é: deixem o PT roubar em paz, senão... acabaremos igual à Itália!
Devemos engolir isso?
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