Quem viveu tanto quanto eu, com certeza conheceu o tempo quando todos temiam o fim do mundo com a Terceira Guerra Mundial, a guerra nuclear, que não aconteceu. No mundo pós-guerra fria, uma coisa que não se sabe bem definir é a guerra moderna. Essa entre a Rússia e a Ucrânia é o primeiro grande conflito surgido após a temida guerra nuclear EUA X URSS sair de pauta. E já faz um ano de reme-reme. Exato um ano atrás eu escrevi, Não Se Fazem Mais Guerras Como Antigamente, e agora só tenho a dizer que essa guerra já deu. Outro dia alguém perguntou porque não acontecem guerras na América Latina. Eu respondo: seria uma perda de tempo. Tenho certeza que seria mais um reme-reme produzindo apenas mortos, feridos e dinheiro torrado ao invés de resultados.
Mas afinal, quando foi que as guerras deixaram de ser um acontecimento notável, capaz de redirecionar os rumos da História?
A Época Áurea das guerras foi a segunda onda de colonialismo que se seguiu à revolução industrial, no século 19. Era um tempo quando as potências tinham que assegurar o suprimento de matérias-primas e os mercados para seus produtos, em um mundo que não era globalizado, mas retalhado por impérios. Quem chegou tarde à corrida por colônias só tinha duas alternativas: aliar-se a uma das potências, em posição subalterna, ou conquistar seu próprio império colonial pela guerra. As tensões daí resultantes desembocariam no século 20 com a primeira e a segunda guerras mundiais. Nesse contexto surgiram os regimes fascistas, e a necessidade daquele domínio assegurador de recursos naturais e humanos foi consubstanciada pelos nazistas na expressão "espaço vital".
Mas ao fim da segunda guerra, um novo equilíbrio de forças surgiu. Desapareceram as potências de antes, substituídas por duas superpotências: os EUA e a antiga URSS. A luta entre esses dois novos atores não se fazia mais por busca de colônias ou territórios, mas no sentido de impor aos demais seus respectivos sistemas político e econômico, o capitalismo e o comunismo. O enfrentamento armado direto entre as duas superpotências foi descartado, pois significaria uma guerra nuclear que destruiria a ambas, e então, quando havia conflito armado, esse acontecia nos países satélites das duas superpotências, opondo exércitos ou grupos guerrilheiros apoiados por seu respectivo patrono ideológico.
Nesse novo contexto político e militar, tornou-se desnecessário recorrer à força armada para obter recursos naturais ou compradores, que podiam ser obtidos em um mercado global cuja existência era do interesse de ambas as superpotências. Os antigos impérios coloniais tornaram-se anacrônicos, e foram liquidados. Foi o fenômeno conhecido por descolonização, que fez nascer dezenas de novos países. As potências desfizeram-se de seus domínios de bom grado, pois muitos deles eram mantidos a alto custo e sem visível retorno. Nenhuma das antigas metrópoles empobreceu após livrarem-se de suas colônias, o que não causa surpresa, pois como foi afirmado, a manutenção das colônias no passado obedecia a um imperativo estratégico, e não econômico.
O quadro de permanente tensão e nenhum enfrentamento direto entre as duas superpotências ganhou o nome apropriado de guerra fria. Até que a própria guerra fria deixou de existir, com o fim da ex-URSS, e desde então não se sabe direito para o que é que serve a guerra.
Talvez para distrair populações e manter ditadores no poder, como previu o autor de 1984.
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