Está fazendo 100 anos agora do surgimento de um fenômeno que impactou bastante os rumos da história brasileira dali por diante, e suscita mesmo a questão: ainda estamos experimentando um longinquo efeito deste impacto? Refiro-me ao tenentismo, rebelião de jovens oficiais contra a República Velha que eclodiu nos anos 20. Saiu uma reportagem a respeito na revista Aventuras na História.
Revendo os feitos dos tenentes da época, não dá para disfarçar a admiração. Enfrentaram de peito aberto os tiros na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. Derrotados em suas insurreições, não se renderam: embrenharam-se pelo interior, bem longe da Avenida Atlântica, e marcharam a chamada Coluna Prestes, que percorreu uma distância superior àquela da famosa Grande Marcha de Mao Tsé-tung, até se internar na Bolívia. Muita fibra. Aos olhos de hoje, parecem jovens idealistas audazes, dispostos a desafiar os arcaicos arcabouços políticos e socias da república dominada pelos grandes fazendeiros. É empolgante pensar: o novo contra o velho, a cidade contra o interior atrasado, a emergente classe média contra a velha aristocracia.
Mas se mostraram muita coragem ao percorrer matas virgens, pantanais e caatinga, por onde passaram saqueavam fazendas, roubavam gado e torturavam quem lhes negasse informação ou suprimento, não muito diferente do que faziam os cangaceiros do sertão. O que faz suspeitar da pureza de seus ideais. O futuro confirmou as suspeitas: quase todos se tornaram adeptos de ideologias totalitárias. Luís Carlos Prestes, aquele da coluna, como se sabe tornou-se o primeiro e mais notório comunista do país. De fato, o comunismo nasceu do tenentismo e vicejou entre os militares antes de vicejar nos movimentos estudantil e sindical, característica de um país de industrialização tardia. Mas a maioria tomou o rumo oposto: admiradores do fascismo italiano, aderiram primeiro ao integralismo de Plínio Salgado, e mais tarde fizeram do anticomunismo profissão de fé, endossando conspirações e golpes que culminaram na conquista do poder em 1964. Mas aí os tenentes já eram generais.
Mas voltando à pergunta:ainda estamos experimentando um longinquo efeito do tenentismo? Se sim, então estamos sendo governados pelo último tenente: o ex-capitão Jair Bolsonaro.
Mutos acharão desapropriada a comparação. Alguém consegue imaginar Bolsonaro percorrendo o sertão sem comida, roupa ou remédio, disposto a enfrentar patrulhas do exército, da polícia e de milicianos à sua caça? Além do que, é sabido que quando a História se repete, é como farsa. Foi assim que Bolsonaro surgiu para o país, em 1987: tal como os antigos tenentes enfrentaram os coronéis da política, o último tenente enfrentou Sarney, o último coronel, contra o arrocho salarial da classe média.
Mas se Bolsonaro é de fato o último tenente, espero que seja mesmo o último para este país que tem enorme dificuldade de desvencilhar-se do passado. Hoje se vê como o tenentismo foi um fenômeno nefasto, que ulcerou décadas da vida do país, suscitanto instabilidade política, luta armada, destruição, mortes e ideologias totalitárias. Do tenentismo dos anos vinte emergiram tanto a guerrilha quanto o golpismo, tanto o comunismo quanto o anticomunismo.
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