Pelo senso comum, a próxima eleição presidencial no país será disputada entre a extrema direita e a extrema esquerda, mais exatamente entre Bolsonaro e Lula, com todas as consequências que a polarização politica pode surtir. Mas direita e esquerda são termos gastos de tanto uso. Convém averiguar o quanto ainda se aplicam ao quadro político que se desenha com as próximas eleições.
Jair Bolsonaro com certeza é direita. Fica a gosto do freguês afirmar se ele é extrema direita ou apenas direita. Entretanto, ele não saiu de um partido formalmente direitista, nem é versado em ideologias. Seu direitismo reduz-se à admiração pelo regime militar de 1964, do qual não participou em razão da pouca idade. O eleitorado de direita aglutinou-se em torno dele simplesmente porque não havia mais ninguém que se assumisse direitista no país, desde a morte de Enéas Carneiro. E a ironia é que quem matou a direita no Brasil, foi justamente o regime militar que Bolsonaro admira.
Historicamente, a direita nacional era representada pela UDN, onde pontificavam líderes como Carlos Lacerda. Mas ao tomar o poder em 1964, a segunda coisa que os militares fizeram, depois de liquidar a esquerda comunista e trabalhista, foi liquidar a UDN, justamente para evitar que esse partido chegasse ao poder. Os principais líderes, como Carlos Lacerda, foram cassados, e os demais atirados à vala comum da ARENA, partido sem ideologia e sem força. Evidente que eliminar a direita não era o objetivo declarado do grupo que tomou o poder - eles queriam eliminar alternativas civis à presidência, independente da cor ideológica. Seu projeto era um Estado com plenos poderes, garantido pelos militares e gerido pelos tecnocratas, superministros cuja influência ia muito além do escopo de suas pastas, dos quais os mais notáveis representantes foram Delfim Neto e Mário Simonsen. Nada tão original, também era assim o getulismo da época do Estado Novo, por sua vez gestado no positivismo do século 19, que propugnava uma "ditadura republicana, racional e científica" conduzida por critérios puramente técnicos em lugar dos interesses regionais, corporativos ou meramente pessoais dos políticos profissionais.
Mas os políticos não foram banidos de todo. Diferente das ditaduras pré-segunda guerra, a polarização ideológica da guerra fria proclamava-se uma luta do "mundo livre" contra o totalitarismo comunista. Então o regime inaugurado em 1964 tinha que exibir uma fachada democrática, com corpos legislativos supostamente atuantes e ao menos um partido de oposição admitido. Para criar esse simulacro, toda a legislação eleitoral foi alterada para privilegiar rincões políticos do interior em detrimento dos grandes centros. As consequências dessa repaginação de nossa classe política se manifestaram muito além do fim do regime militar. Por este motivo a direita brasileira não se recompôs após a supressão de suas lideranças em 1964 - nunca mais surgiram líderes intelectualmente valorosos e administradores competentes como Carlos Lacerda, o que surgiu em seu lugar foram políticos provincianos e medíocres. Estou convicto de que em 1964, José Sarney não imaginava que um dia seria o presidente.
Então, no deserto da direita nacional, quem apareceu foi a singularidade de Jair Bolsonaro. Ele nunca foi um líder direitista capaz para além de um pequeno carisma. Sofre tanto da falta de disposição para o jogo político quanto da falta de poder efetivo para implantar a ditadura que almeja, e nem lá nem cá, vai produzindo sucessivos impasses, às vezes apenas por conta de uma teimosia pueril. O tempo passa, a economia trava e as promessas vão ficando no vazio.
Concorrendo com ele, há o Lula renascido da prisão. Cabe agora definir se é de extrema esquerda ou apenas esquerda. Na minha opinião, não é nem de esquerda, e ele concorda. Não o vejo sequer como petista. Lula é, simplesmente... lulista. Seu marketing pessoal sobreviveu a todas as intempéries, e desde suas origens no ABC tem demonstrado uma incrível capacidade de se reinventar. Mesmo que perdesse muitas eleições, sempre esteve em evidência. Com o PT desmoralizado por escândalos, emergiu como líder inquestionável. Não acredito que o PT teria grandes chances na próxima eleição se seu candidato não se chamasse Lula.
Direita ou esquerda, a próxima eleição será disputada entre dois candidatos que se valem de seu carisma. Ainda continuamos carentes de partidos fortes com propostas claras.
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