domingo, 18 de fevereiro de 2018

Intervenção militar no Rio: a mesma história

Impressionou-me o frisson provocado nos forum´s da internet por conta do anúncio feito pelo presidente Temer de uma intervenção militar no Rio de Janeiro em razão do caos da segurança pública. Por toda parte pipocaram matérias e opiniões, como esta aqui, a maioria descrendo da eficácia da estratégia e fazendo previsões nefastas, como se tal acontecimento fosse coisa inédita e de consequências imprevisíveis. Eu já perdi a conta das intervenções militares no Rio desde 1992, passando por copas e olimpíadas, sempre com os mesmos resultados: os bandidos se escondem enquanto os soldados estão nas ruas, depois tudo volta ao normal.

Mas tanta excitação despertada por um acontecimento que deveria ser percebido como rotineiro e desmoralizado mostra que existe todo um mundo de expectativas e temores por detrás desta proposta, e eles são recorrentes. Pode-se enumera-los.

Um ponto muito comum é ver um significado político na ação. A real finalidade da intervenção militar, dizem, não seria combater o crime, mas impor um estado-de-sítio que eliminasse os adversários do governo opressor e impedisse qualquer revolta da parte do povo oprimido das favelas. É a obsessão do analista de formação marxista em dar uma leitura de luta de classes ao fenômeno da criminalidade. A maioria, porém, aponta um direcionamento errado da estratégia, que supostamente não vai de encontro às "reais causas" do crime. Afirma-se que de nada adianta investir contra as favelas, se as drogas entram no país pelas fronteiras; que melhor seria investigar os bairros elegantes, onde a droga é consumida; que o problema não são as drogas, mas a proibição das drogas; que de nada adianta utilizar as Forças Armadas, se o trabalho é da policia; que de nada adianta utilizar a polícia, se a policia é corrupta; que de nada adiantam ações armadas, se o que deve ser feito é investigação; que o problema não é militar, mas social, cabendo investimentos em educação, saúde e recreação para tirar a juventude do crime.

Um bom apanhado dessa argumentação típica se encontra aqui, nesse artigo da antropóloga Alba Zaluar, que vem estudando a violência no Rio de Janeiro há 30 anos. Ela acredita que a intervenção deve fortalecer a organização criminosa do PCC, insiste que só a inteligência e a investigação resolvem, e chega a temer uma "guerra civil" já que os ânimos da população estão acirrados por causa dos confrontos entre traficantes e polícia. Conclui que o país precisa acabar com a política de guerra as drogas e de encarceramento em massa.

Não sou antropólogo nem especialista em violência urbana, mas sou um bom observador. A impressão que eu tenho é que todas essas recomendações são feitas com o propósito, consciente ou inconsciente, de NÃO resolver o problema.

Devemos vigiar as fronteiras ao invés das favelas, para impedir a entrada de drogas? Que loucura! Nossas fronteiras são imensas e desertas. Se nem os EUA, com todo o aparato humano e tecnológico que possuem, conseguem impedir a entrada de drogas em suas fronteiras, como conseguiremos nós?

Devemos mandar a polícia para a avenida Vieira Souto ao invés da favela do Cantagalo, porque é lá que a droga é consumida? Primeiro de tudo, não há prova alguma de que os ricos consomem mais drogas que os pobres, esta é uma das tantas lendas que de tão repetida ganhou foros de verdade. Ao contrário, tudo o que ouço falar indica que nas favelas o consumo é muito maior, já que as drogas ali são bem mais baratas do que na avenida Vieira Souto. E de qualquer modo, reprimir os consumidores é impraticável, pois eles estão dispersos pelo país inteiro e no mais das vezes consomem as drogas em ambiente privado. É o que eu já havia apontado em meu ensaio A Ampulheta dos Traficantes. A favela é o nodo central e estreito da ampulheta, acima do qual se encontra a boca larga da extremidade produtora, e abaixo da qual se encontra o fundo largo da extremidade consumidora. É no espaço exíguo da favela que se encontra a base material e operacional da distribuição dos entorpecentes, portanto apenas na favela o tráfico pode ser combatido eficazmente.

Bastaria eliminar a proibição do comércio das drogas para o tráfico acabar? Que ingenuidade! Se isso fosse verdade a máfia norte-americana teria acabado no dia seguinte à extinção da Lei Seca, em 1933. Como se sabe, Al Capone e seus asseclas migraram para outros negócios ilícitos. Aqui, nossos traficantes têm quadrilhas montadas, arsenais e capital de giro. Eles também migrarão para outros negócios, e não dá para descriminalizar a extorsão, o sequestro e o contrabando de armas.

O combate ao crime depende de investigação, e não de ações militares? Depende do crime. Investigação é para crime que não foi desvendado. Aqui, nossos traficantes gostam de desfilar à luz do dia exibindo armas, todos na favela sabem onde estão as bocas. A questão é ir lá e iniciar um combate que necessariamente deixará muitos mortos e balas perdidas.

A polícia é corrupta? Então devemos abolir a polícia. Isso resolveria o problema da criminalidade, ao menos do pondo de vista dos criminosos.

O problema é social, e o que devemos fazer é construir creches e escolas nas favelas? Mais escolas = Menos prisões, dizem. Isso podia fazer sentido uns 80 anos atrás, quando muitas crianças moravam na roça, longe de qualquer escola, cresciam analfabetas, depois não encontravam emprego e viravam ladrões de galinha. Hoje, o jovem delinquente da favela frequenta escolas, sim, mas as abandona à medida em que nota que há uma vantagem comparativa em entrar para o crime, pois ganha-se mais e o risco é baixo, posto que mesmo que seja preso logo está solto de novo por decisão do Estatuto da Criança e do Adolescente, que só prevê internação em casos excepcionais. De resto, a escola para ele é um espaço dominado, onde pode agredir professores e colegas, vender drogas e aliciar jovens para suas quadrilhas. Se no passado o combate ao crime passava por mandar os delinquentes à escola, hoje o que urge fazer é tirá-los da escola, para que cessem de ameaçar e corromper seus colegas.

Não haverá nenhuma guerra civil como Alba Zaluar teme. O povo das favelas está acuado e atemorizado, e os únicos que ali possuem armas são os integrantes das quadrilhas, que as usam apenas para seus interesses particulares. Muitos comentaristas de esquerda sonham com o dia em que "a favela vai descer e não for carnaval". Desde o fracasso da luta armada dos anos setenta, que não teve o apoio dos trabalhadores, os pensadores de esquerda têm escolhido os marginais das favelas como seu novo público revolucionário. Faz um certo sentido: os marginais são aguerridos, sabem usar armas e quando querem são até organizados. O problema é que eles são capitalistas.

A meu ver, a solução é uma só: prender os bandidos e mantê-los presos. Isso passa pelo endurecimento da legislação penal, com penas mais longas, e o aumento da população carcerária. Ao contrário de ações armadas, barulhentas, que impressionam no primeiro momento e logo são esquecidas, o encarceramento age como uma esponja que gradual e silenciosamente absorve a população delinquente. Mais bandidos na prisão = Menos bandidos nas ruas. A superlotação das prisões vai fortalecer as organizações criminosas tipo PCC? O que dá origem a essas organizações é o controle das prisões pelos prisioneiros, que acontece inevitavelmente quando o número de agentes penitenciários é pequeno para tantos detentos. É claro que será necessário construir mais prisões e contratar muito mais agentes penitenciários. Tudo isso custará um dinheiro que nossos governantes preferem não gastar, já que construir prisões não dá voto. Por o exército na rua de tanto em tanto sai mais barato, e ao menos por poucos dias contorna a situação.

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