Nas pretensas análises sobre o quadro social e político brasileiro, umas das palavras mais repetidas é "a elite", geralmente sendo depreciada e responsabilizada por todas as mazelas nacionais. O termo pertence àquela classe de palavras que, de tão repetidas, ganham vida própria: desligadas de seu contexto original, dispensam uma definição e são passadas adiante sem exame, até que um dia alguém se lembra de perguntar qual é, afinal, o seu significado, e cada um dá uma versão diferente.
Recentemente deparei-me com um artigo que me chamou a atenção. Intitulava-se "A Elite Brasileira Existe?" Embora pareça uma injunção ociosa, o autor gastou bastante teclado para responde-la, o que deixa claro que a questão despertava-lhe algum incômodo. Perdi o link para a página, mas o artigo dizia mais ou menos assim: a elite brasileira não possui o mesmo orgulho patriótico e o senso de responsabilidade das elites dos outros países. O autor conclui que isso se deve à elite brasileira ser uma elite somente de dinheiro, enquanto as outras elites demonstram brilhantismo em áreas diversas.
Conforme eu já comentei aqui mais de uma vez, no imaginário dos usuais detratores da elite nacional, o que chamam de elite nada mais é do que aquilo que os psicólogos chamam um totem, uma entidade sobrenatural que encarna determinados atributos. Todos sabem como a elite é, mas ninguém sabe dizer exatamente o que a elite é, exceto que seus integrantes são sempre os outros. A pergunta A Elite Brasileira Existe? revela o desconforto do autor com a imaterialidade deste conceito. É mesmo um ato falho, pelo qual o autor reconhece que a elite que ele tanto denigre, na verdade não existe. Um totem, como toda entidade sobrenatural, pode estar em toda parte, mas ao mesmo tempo não está em lugar nenhum, já que é incorpóreo.
É nessas horas que se deve voltar ao significado original das palavras. Elite, nos dicionários, significa o conjunto daqueles indivíduos que mais se destacam em uma área específica. Portanto, não se pode falar de elite como uma categoria pré-definida: há de fato várias elites, desde a elite dos melhores jogadores de futebol que são convocados para a seleção, até a elite dos melhores estudantes que passam para as universidades. E é claro, existe também a elite do dinheiro. Mas o autor lança uma falsa dicotomia ao opor a elite brasileira, que seria apenas de dinheiro, contra a elite dos outros países, que supostamente não seriam do dinheiro. É sabido, porém, que o talento costuma ser bem remunerado, de modo que todo aquele que se destaca em uma determinada área, quase sempre integra também uma elite do dinheiro. É um fenômeno que, em estatística, se chama um atrator. Portanto, ser membro de uma elite do dinheiro não é fator distintivo para a elite nacional nem para a elite de qualquer outro país, é apenas uma coisa normal.
Tampouco faz sentido que exista no Brasil uma elite má coexistindo com um povo bom. Por definição, a elite é sempre acima da média. Uma elite ruim nada mais é do que o sintoma de uma média pior ainda. De fato, lendo o discurso de ódio malhando as elites que ninguém sabe dizer exatamente quem são, fico com a impressão de que o sentimento da maioria dos comentaristas é apenas inveja e despeito.
A culpa é das elites? Ou a culpa é das estrelas? O conceito de culpa embute um julgamento. Mas de quem é a culpa do céu ser azul e do fogo ser amarelo?
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