quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Mas afinal, os blog´s estão acabando?

Dizem que as redes sociais estão acabando com os blog´s, pois proporcionam uma interatividade muito maior e um público também maior. Isso para mim é lamentável. Nada contra as redes sociais, inclusive tenho Facebook. Apenas acho que uma coisa não tem a ver com a outra, tanto que nem coloco aqui o endereço de meu Facebook. Redes sociais são para contatos sociais, e o meu perfil ali interessa somente a meu reduzido círculo social e familiar. Blog´s são voltados para assuntos específicos, neste aqui nunca falei de mim mesmo, mesmo porque não considero a minha pessoa um tema assim tão interessante. Estou aqui para falar de História e Política.

Entretanto, eu tenho mesmo observado que meus blog´s favoritos estão com cada vez menos frequentadores. Será que todos preferem agora reunir-se no Facebook? Lá eu me sinto como na hora do recreio dos antigos colégios, aquele burburinho de todos falando ao mesmo tempo sobre os mais variados assuntos. Nada contra, desde que você só queira falar abobrinha. Nos blog´s, eu me sinto como em um grupo de estudos. Numerosos blog´s que já encontrei por aí são de nível altíssimo, inclusive superiores aos que você encontra na mídia comercial. Penso que na internet, como em tudo, quantidade não é qualidade.

Longa vida aos blog´s! Ou se vão encolher, espero que ganhem em qualidade.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Confiança, de Fukuyama: nós e a Coréia

Estou lendo bem devagar o livro Confiança, de Francis Fukuyama, tido como o melhor que ele escreveu (embora não o mais vendido) e que encomendei de um sebo, pois está esgotado nas livrarias. Quando saiu em primeira edição, foi tão pouco divulgado que acabei não comprando.

Queria há muito ler esse livro, mas é sempre algo decepcionante quando você entra na expectativa de uma confirmação de suas certezas, e termina, ao contrário, com dúvidas. Foi o que aconteceu no capítulo da Coréia do Sul. Explicando, sempre tive especial apreço por este país, que conheci em duas proveitosas viagens a trabalho feitas em 1992, e sempre o tive como modelo para o Brasil em questões de desenvolvimento econômico - vi na Coréia tudo aquilo que o Brasil poderia ter feito, e não fez. Sempre considerei a causa primária de nosso atraso o modelo de gestão de nossas empresas, dependentes de subsídios estatais, síndrome cuja causa profunda é cultural, apontada por Fukuyama: a falta de confiança entre cidadãos privados em nossa sociedade. O modelo oposto: sociedades de alta confiança, como os EUA e o Japão, onde as empresas são formadas e geridas por múltiplos acionistas e executivos assalariados, sem dependência do Estado. Parecidos conosco são os países do sul da Europa, onde a baixa confiança manteve as empresas confinadas nas mãos pouco competentes dos clãs familiares ou do Estado, e a China, cuja sociedade segue modelo semelhante.

No entanto, o autor reconhece que a Coréia do Sul, estrela dos países emergentes, tem mais semelhanças com a China, modelo negativo, do que com o Japão, modelo positivo. De fato, os chaebol (grandes conglomerados) coreanos foram formados mediante subsídios, proteção, regulação e outras modalidades de intervenção governamental - enfim, nada muito diferente do que tem sido feito por aqui desde os tempos de Vargas. Por que com eles deu certo, e conosco deu errado? Frustrante isso.

Terá sido o fator de diferenciação o ditador Park Chung-hee, que governou a Coréia do Sul entre 1961 e 1979, e é tido como o artífice do milagre econômico por que passou o país? Ditadores, também os tivemos, bem como "milagres econômicos". Será que os ditadores deles são melhores que os nossos? Park Chung-hee, de fato, é reconhecido como um governante repressivo, mas de conduta pessoal austera e competência na condução dos negócios. Mas repugna-me atribuir fenômenos tão amplos à atuação de um único homem, ou super-homem que seja. Vamos ver se até chegar ao final do livro eu encontro uma resposta que me convença. Mas quando passo pelo centro de São Paulo e vejo ali tantos coreanos, não posso deixar de pensar que talvez brasileiros e coreanos não sejam assim tão diferentes...

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Dilma II: Dejà Vu

A divisa Pátria Educadora, lançada como bordão deste segundo governo Dilma, para mim soou como dejà vu. Um inconfundível gostinho fascista. Surpreende eu dizer isto? Hoje em dia, o senso comum assumiu o fascismo como sendo o oposto do socialismo. Mas quando surgiu lá pelo início do século vinte, o fascismo vinha do mesmo tronco que o socialismo. Ambos regimes compartilham simbologia e rituais, ambos são voltados ao coletivo e ao espetáculo: pompa, fanfarra, estudantes e operários desfilando uniformizados, bandeiras, divisas altissonantes como esta Pátria Educadora... Para quem conhece a História, nada disso é surpresa: o PT é o herdeiro do trabalhismo de Vargas, cujo Estado Novo foi a versão tupiniquim do fascismo que estava na moda. A própria legislação trabalhista legada por Vargas, que Dilma jura não modificar nem que a vaca tussa (Cof! Cof!) é uma cópia descarada da Carta Del Lavoro de Mussolini.

Tanto paralelismo entre o passado e o presente faz-me crer que os partidos políticos, tal como as pessoas segundo os espiritualistas, quando morrem, reencarnam posteriormente: no fundo, não há nada de novo no panorama político brasileiro, ao menos para quem conhece a História. Estamos apenas vendo os velhos partidos sob nova roupagem. Conforme foi dito acima, o PT é a reencarnação do velho PTB de Vargas, o partido dos sindicalistas pelegos que tem como mote o nacional-estatismo, com seu séquito de empresas estatais (o petróleo é nosso!) e os bancos estatais despejando dinheiro para os empresários amigos-do-rei. Mas quem é a reencarnação da velha UDN, o inimigo figadal do PTB?

Aparentemente é o PSDB. Mas há um problema: no espectro político dos anos cinquenta, a velha UDN ficava à direita tanto do PTB quanto do PSD, o partido centrista. No espectro político atual, o PSDB fica à direita do PT, mas à esquerda do PMDB e demais partidos de centro. De resto, o PSDB sempre se definiu como de social-democrata e nunca encampou o discurso da antiga UDN, embora tenha-o implementado na prática em algumas ocasiões por razões de pragmatismo (mas esse pragmatismo o PT também é capaz de fazer, como está acontecendo nesse início de governo Dilma com a escolha de um ministério orientado ao mercado).

A meu ver, a origem da confusão está em um equívoco semelhante àquele que toma os fascistas como sendo o oposto dos socialistas, quando na realidade ambos derivaram do mesmo tronco, frutos do mesmo zeitgeist. O lugar-comum esquerdista colocou a UDN no passado, e os trabalhistas no futuro: segundo se crê, a UDN representava tudo o que havia de mais reacionário na política nacional: era o partido dos ricos, dos financistas, dos oligarcas e das multinacionais estrangeiras, inimigo dos trabalhadores. O PSDB, na condição de principal antagonista do PT, teria herdado esse papel.

Mas é falso. Tanto o PTB quando a UDN, ao surgirem, sinalizavam uma ruptura com o passado. Ambos são produto das transformações sociais por que o Brasil passou na época da revolução de 1930, quando duas novas classes sociais emergiram, o operariado e a classe média urbana. O PTB encampou os desejos do operariado, e a UDN, os desejos da classe média urbana; desta forma, PTB e UDN tornaram-se antagonistas, mas frutos do mesmo zeitgeist. O verdadeiro partido reacionário da época não era a UDN, mas o PSD, que congregava tudo o que restara da velha política: era o partido isento de ideologias, feito apenas de uma malha de interesses, e por esse motivo basicamente venal, pronto a aliar-se a quem se propusesse a atender seus interesses. Vargas bem sabia disso, e cuidou de manter o PSD em sua base de sustentação.

Não resta dúvida de que a encarnação atual do velho PSD é o PMDB. Mas uma peça insiste em não encaixar: onde está, afinal, a reencarnação da UDN? O PSDB é a reencarnação de quem?

Na realidade, os ideais udenistas não desapareceram, estão dispersos por aí. São notados diuturnamente em cada blog que critica o caráter populista e condena a corrupção do governo. Mas não existe mais um partido político que assuma esse ideário, embora a prática dita "neoliberal" possa ser feita, por razões de pragmatismo, tanto pelo PSDB quanto pelo PT. Então, se na época atual, PTB e PSD são fantasmas rondando os vivos, a UDN foi reduzida a um fantasma rondando fantasmas. A origem dessa exclusão do udenismo do espectro político nacional pode ser rastreada no Movimento de 1964. Até então a UDN encampava os ideais da classe média urbana, mas porque aderiu ao novo regime, passou a ser rejeitada por esta classe média, que tornou-se cada vez mais esquerdista em repúdio à ditadura. O udenismo tornou-se politicamente incorreto, embora essa expressão ainda não existisse na época, e ninguém nunca mais quis assumir o seu legado.

O mais irônico, contudo, foi que o golpe fatal na antiga UDN veio do próprio governo militar que ela apoiou. O regime de 1964 era uma tecnocracia que sempre prescindiu da política partidária, e o partido de sustentação do governo, assim como o partido de oposição, foram mantidos apenas pro forma. Assim que firmou-se no poder, o regime tratou de liquidar quaisquer lideranças políticas que pudessem contrapor-se aos tecnocratas, inclusive as lideranças da direita. Isso foi fatal para a UDN, cuja liquidação ocorreu em dois momentos: primeiro, pela cassação da vanguarda do partido, e segundo, por impedir o surgimento de uma nova vanguarda. Esse impedimento foi uma consequência da legislação instituída pelo regime, cuidadosamente calculada para tornar inoperante toda a política partidária e parlamentar. Um dos postulados era a subordinação dos centros urbanos aos rincões do interior, cujo peso nas convenções e assembléias era sempre maior. Assim, quem pontificava na ARENA, o partido do governo, não era a vanguarda udenista dos Carlos Lacerda e San Tiago Dantas, mas políticos provincianos, de José Sarney a Célio Borja, gente que antes de 1964 provavelmente nunca imaginara que um dia seriam líderes de seus partidos e presidentes da câmara e do senado. A antiga UDN foi triturada e depositada na vala comum da ARENA, que nada mais era que a reencarnação do antigo PSD, tal como o atual PMDB é a reencarnação da antiga ARENA.

A classe média brasileira, que foi o sustentáculo do PT em seus primeiros anos, hoje tem motivos para sentir-se abandonada. Voltará um dia essa classe a ter um partido que represente seus ideais? Depende do PSDB assumi-los ou não. Por enquanto, a classe média brasileira continua órfã.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Eu sou Charlie? Não exatamente.

É impossível não comentar o atentado em Paris contra a redação do Charlie Hebdo. Não vou repetir aqui minha condenação ao ato abominável, que isso é óbvio e já foi dito por muitos, mas vou tentar entender exatamente o que aconteceu. Esse blog é sobre História, e o atentado tem muito a ver com os tempos que estamos vivendo, mas - justamente pelo ponto de observação estar muito próximo ao tempo presente - temos dificuldade em avaliar corretamente aquilo que vemos. Uns reciclam o antigo "conflito de civilizações" entre ocidente e oriente, outros negam a motivação religiosa dos autores do atentado e tentam encaixar tudo a marretadas dentro de sua concepção particular de luta de classes - o velho Marx jogou fora um ponto de vista fundamental para entender a psique humana ao desprezar a religião...

Quanto a mim, passando ao largo da tentativa de dar uma explicação definitiva, limito-me a constatar que o fenômeno é por demais palpável e disseminado para ser visto como mero sinal dos tempos, e por demais complexo para se conformar às explicações parciais que até agora têm sido produzidas. Existe o conflito árabe-israelense? Sim, existe. Existe tensão entre os europeus e a comunidade muçulmana imigrada? Sim, existe. Existem amplas diferenças culturais entre cristãos e muçulmanos? Sim, existem. Mas nada disso explica completamente o ocorrido. É fato que o terrorismo islâmico está se tornando cada vez mais organizado e agressivo, e a tendência é piorar. Alguns contemporizam e afirmam que os ataques à religião deveriam ser criminalizados, da mesma forma que são os insultos racistas e o nazismo, enquanto outros berram: liberdade de expressão! Quanto a mim, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Todos sabem que a liberdade de expressão tem limites. O racismo é crime, e agora também a homofobia. É proibido fazer apologia do crime e da violência. Poucos discordam que fazer a apologia do nazismo também deva ser proibido. Calúnia, difamação e plágio podem dar origem a ações na justiça contra seu autor. Então, por que não criminalizar também os ataques á religião?

Eu discordo. Religião é questão de crenças íntimas. A liberdade religiosa, tão consagrada nos regimes democráticos quanto a liberdade de expressão, assegura que ninguém será perseguido em razão de suas crenças. Mas se crer é permitido, não crer também é permitido. Tanto um quanto o outro pertencem à esfera da consciência individual: cada um é livre para acreditar no que quiser, mas não é livre para impor sua crenças a outrem, nem para proibir as crenças alheias - aí já saímos da consciência individual e entramos no social, que é regido por leis que permitam a mútua convivência. Assim sendo, por pior que tenha sido o mau gosto das charges anti-islâmicas publicadas no Charlie Hebdo (essa é a minha opinião), elas não constituem crime e não devem ser proibidas. Não houve ali um ataque pessoal, mas o ataque a uma ideia, e todos são livres para defender e atacar ideias. Eu acredito que a liberdade de atacar a religião foi uma conquista extraordinária da humanidade, uma espécie de ritual de passagem para o mundo moderno, e não deve ser revertida em hipótese alguma. A liberdade de atacar a religião livrou o mundo político e social da tirania religiosa, mas também livrou a religião da tirania do mundo político e s social - agora, cada um está no lugar onde deve estar, e mistura-los novamente é um retrocesso.

Mas assim, então, o que fazer quanto aqueles que não concordam com essa liberdade, e replicam com violência? Pode-se responder também com rigor: afinal, o alvo inimigo - os muçulmanos - estão em toda parte, e muita gente está mesmo a fim de ver o caldo entornar. Mas dar tiros em todas as direções não é muito produtivo. O efeito será aumentar o ressentimento, já alto, e levar à radicalização muitos elemento que até agora têm estado quietos. Eu penso, então, que o melhor a fazer é rir - não era essa a intenção daqueles que fizeram as charges? Então deve-se fazer mais charges e rir. Já dizia o chavão, rir é o melhor remédio.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Confiança, de Fukuyama

Tenho finalmente em mãos um livro que há muito queria ler - Confiança, de Francis Fukuyama. Tive que encomenda-lo de um sebo, pois há muito não há mais edições em livrarias, já que vendeu pouco, muito menos do que O Fim da História e o Último Homem, obra que fez sucesso logo após a queda dos regimes da Cortina de Ferro, mas que é pouco citada hoje. Teve sua época, mas não foi uma grande obra: embora bem escrita, o texto me pareceu mais uma provocação, algo direcionado a suscitar questões e não a responde-las. Já Confiança é bastante superior, embora tenha feito pouco sucesso.

Aprecio Fukuyama porque ele é um dos poucos ensaístas modernos que procura explicar essa questão até hoje aberta - porque alguns países são rico e outros são pobres - penetrando fundo na cultura e na psicologia dos povos, um terreno que a maioria prefere evitar em favor do economês anódino. Tenho dele também Ficando Para Trás. Confiança é bom porque retoma o conceito de Capital Social, contraposto ao conceito de Capital Humano, este muito citado, mas que reporta aos costumes e valores, e não somente ao conhecimento adquirido. Espero que Fukuyama responda algumas dúvidas que tenho até hoje, por exemplo, que explique porque culturas tão baseadas na família, como o Japão, obtiveram resultados tão semelhantes aos de culturas onde a família tem pouca relevância nos negócios, como a Alemanha. Quanto a nós, aqui, estou convencido de que o compadrio ancestral do "homem cordial" é um dos fatores que nos mantêm no subdesenvolvimento até hoje, e creio que Fukuyama concordará comigo.

Aos poucos debaterei aqui as ideias lançadas no livro. Até a próxima!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Relatório da Comissão da Verdade

Saiu hoje o relatório da Comissão de Verdade, sem revelar muita coisa além do que já sabíamos, conforme era esperado. Serviu mais para remoer velhos sentimentos e ressentimentos, vide as lágrimas da Dilma...

Mas o período do governo militar 1964-1985, apesar de já relativamente distanciado no tempo, ainda está longe de ter uma avaliação isenta da parte dos comentaristas, mesmo daqueles que nem eram nascidos na época. Repetindo o chavão, é ferida não cicatrizada. Impressiona ver a coleção de ideias prontas e esquematismos repetidos vezes sem conta sobre aquele período. Uma boa amostra delas saiu nessa reportagem da UOL, provocativamente intitulada Você sabia que a ponte Rio Niterói e a PM são heranças da Ditadura?

A página afirma que a Polícia Militar, a corrupção, a dívida, a inflação, a educação ideológica, o aumento da desigualdade e as obras faraônicas foram um legado deste período. Nem tudo é verdade, nem tudo é mentira. Mas já que estamos em época de comissões da verdade, temos aqui uma boa oportunidade de examinar caso a caso.

Polícia Militar: falso. Já existiam polícias militares no Brasil bem antes de 1964, apenas com outros nomes (Força Pública, Brigada Militar, etc.) e subordinadas à autoridade dos estados. O que o regime militar fez foi subordinar nominalmente as polícias militares ao comando do exército, e elas passaram a ser intituladas "forças auxiliares". Entretanto, o que o governo tinha em mente era a utilização das PM´s como auxílio no combate à guerrilha. O crime comum, embora já em ascenção na época, não foi considerado questão de segurança nacional, e na prática as PM´s continuaram agindo como sempre haviam agido.

Corrupção: havia corrupção, sim. Mas não era superior à que havia hoje, mesmo porque o governo não tinha necessidade de comprar votos. O maior escândalo do período, o Escândalo da Mandioca, ocorrido no governo Figueiredo, desviou um montante minúsculo se comparado aos escândalos que vieram depois.

Dívida e inflação: verdade. Os governos militares seguiram o modelo do nacional-estatismo fundado por Vargas e Kubitchek, caracterizado pelo papel central do Estado na condução da economia e financiado pela inflação e pelo endividamento. Os governos de Vargas e Kubitchek, ao menos, não utilizaram esses dois instrumentos simultaneamente - por exemplo, nos anos JK a inflação subiu, mas o país rompeu com o FMI e o endividamento permaneceu baixo. O maior erro dos militares foi aumentar simultaneamente a inflação e o endividamento.

Educação ideológica: parcialmente verdade. Os militares incluíram no currículo as matérias de Estudos dos Problemas Brasileiros, Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e Educação Moral e Cívica. Mas isso me pareceu bastante inócuo, e até contraproducente: a democracia era louvada e o OSPB ensinava o funcionamento de um regime republicano, exatamente o contrário do que eu via o governo fazer!

Aumento da desigualdade: sofisma. A desigualdade é uma estatística que mostra a participação relativa de cada faixa de renda no bolo nacional. Durante o período a participação relativa das camadas mais pobres encolheu, e esse fato é citado maliciosamente como prova de que os ricos ficaram mais ricos à custa de tornar os pobres ainda mais pobres. Mas em termos ABSOLUTOS, tanto a renda dos ricos quanto a renda dos pobres cresceu, só que a renda dos ricos cresceu mais rápido, resultando em um aumento da participação relativa da fatia destes no bolo. A prova do aumento do nível de vida dos trabalhadores na época foi a quase ausência de operários nos movimentos guerrilheiros, via de regra siglas incipientes contando com poucas dezenas de estudantes, intelectuais,padres, ex-militares, etc.

Obras públicas: parcialmente verdade. De fato, os militares fizeram na época muitas obras faraônicas e de utilidade duvidosa, como a transamazônica. Mas quem hoje afirmaria que a ponte Rio-Niterói e a hidroelétrica de Itaipu são inutilidades?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A quase-lógica ataca de novo: os degredados

Vi recentemente no blog de um professor um artigo interessante, que contesta um dos mais longevos e disseminados daqueles mitos sobre a História do Brasil que aprendemos na escola e repetimos pela vida afora com a convicção de quem enuncia uma verdade absoluta: O Brasil é uma terra cheia de bandidos e corruptos porque no passado fomos colonizados por degredados.

Essa assertiva quase sempre entra na discussão quando se procura explicar porque os EUA e outros países desenvolvidos que foram colônias no passado, hoje são tão ricos, ordeiros e honestos, ao passo que nós continuamos chafurdando na pobreza e na ladroagem. É nesse ponto que tocamos em outro mito escolar longevo: fomos uma "colônia de exploração", ao passo que eles foram uma "colônia de povoamento".

O artigo cita um outro artigo, este publicado na grande imprensa, da autoria de um conhecido escritor:

Foram os portugueses, porém, que disseminaram a prática da corrupção.  Diferentemente dos peregrinos ingleses que desembarcaram na América do Norte para se fixarem e construírem uma nova vida, os portugueses que vieram atrás de Cabral eram uma escória, um bando de renegados e desterrados que só queriam se aproveitar deste terreno baldio sem ninguém, para enriquecer e voltar à terrinha. Pois foram eles que se encarregaram de fiscalizar o contrabando do pau-brasil, aves, ouro e especiarias contra a Coroa Portuguesa.  Não podia dar certo.  Mas aqueles aventureiros portugueses estabeleceram um padrão de rapinagem que de lá para cá só fez se aprimorar.  Durma com uma corrupção dessas!


É bem redigido e parece até fazer lógica.  Mas é um exemplo daquilo que eu chamo de quase-lógica, uma praga que brota das salas de aula, propaga-se pela mídia e contamina o debate acadêmico até receber a chancela de verdade absoluta, tristeza de um país dividido entre iletrados e pretensos intelectuais. De fato, a presença de elementos com um histórico de má conduta social em uma comunidade contribui em algum grau para o aumento dos delitos naquela comunidade. Muitos dos primeiros capitães do Brasil deploraram a presença daqueles bandidos em suas capitanias, e escreveram cartas ao rei narrando os malfeitos que protagonizavam. Mas não é suficiente para explicar os atuais níveis de crime e de corrupção. Saindo do chute para a pesquisa séria, vê-se que o número de degredados foi relativamente pequeno entre os colonos, que a política de enviar degredados às colônias não durou tanto tempo assim, e tampouco era exclusividade de Portugal - a Inglaterra também enviou muitos degredados no início da colonização da Austrália, isso em época bem mais recente, e a Austrália hoje é um local aprazível e com baixos índices de crime e corrupção.

Como tampouco tem grande significado a dicotomia Colônia de Povoamento X Colônia de Exploração. Os conceitos são auto-explicativos, mas não explicam o que pretendem. O Brasil também foi uma colônia de povoamento. Ou alguém acredita que os únicos portugueses que aportavam aqui eram fidalgos que vinham assumir cargos públicos e tomar posse de sesmarias? Esses vieram, mas junto com eles também vieram milhares de colonos despossuídos, alguns talvez sonhando em fazer fortuna rápido e voltar à terra natal, mas a maioria, decerto, ciente de que jamais regressariam, mesmo porque tinham o exemplo de outros que haviam partido antes deles e não regressaram. O epíteto colônia de exploração, a meu ver, se aplica a ex-colônias como a Índia e a Indonésia, onde já existia uma população nativa e o colonizador só se fazia presente transitoriamente como funcionário da administração ou homem de negócios. Do mesmo modo, os EUA também foram uma colônia de exploração: o sul foi dedicado a monocultoras de exportação trabalhadas por mão-de-obra escrava, tal como sucedeu no Brasil. E até o século 18 pelo menos, em termos puramente econômicos, o sul foi mais importante do que o norte habitado por camponeses pobres que trabalhavam a terra pessoalmente. Então, a explicação para a grande discrepância quanto aos níveis de riqueza  & corrupção entre nós e os EUA tem uma explicação diferente.

Mas qual explicação? Serão os anglo-saxônicos inerentemente mais honestos que os ibéricos? É verdade que Portugal e Espanha no século 16 não eram nenhum modelo de moralidade pública. Mas tampouco a Inglaterra o era: até o século 18, o dito popular "é como encontrar um homem honesto no parlamento" equivalia ao nosso "é como encontrar agulha no palheiro". A meu ver, a moralidade pública nasce da sociedade civil e propaga-se à esfera pública, e não o oposto. Sem grandes floreios retóricos, eu penso que a real explicação é mais prosaica: No Brasil, o Estado se formou antes da sociedade civil, ao passo que nos EUA, estado e sociedade civil formaram-se juntos. O colono que aportava aqui, já encontrava uma administração pronta e funcionando nos mesmos moldes que funcionava em Portugal, e sabia que tinha que buscar a proteção desses homens de gabinete se quisesse prosperar, ou mesmo sobreviver na nova terra. Estabeleceu-se então uma relação de dependência do privado para com o público, que de geração em geração chegou até aos dias atuais. Fica flagrante quando se vê que o sonho de todo jovem recém-formado não é fundar seu próprio negócio, mas passar em algum concurso, e a fórmula do sucesso das empresas não é a competência nos negócios, mas as ligações com os políticos. A honestidade nos negócios é estabelecida, a meu ver, nas mediações da vida diária, no preço que se paga por ser desonesto em termos de perda de confiança. Isso só acontece dentro da sociedade civil, pois o Estado, como no tempo dos degredados, tudo o que pode fazer é mandar para a cadeia. Penso que quando a sociedade civil começar a se tornar mais importante do que o Estado, e o mercado se tornar mais importante do que o círculo dos amigos-do-rei, começaremos a ser mais honestos.