A divisa Pátria Educadora, lançada como bordão deste segundo governo Dilma, para mim soou como dejà vu. Um inconfundível gostinho fascista. Surpreende eu dizer isto? Hoje em dia, o senso comum assumiu o fascismo como sendo o oposto do socialismo. Mas quando surgiu lá pelo início do século vinte, o fascismo vinha do mesmo tronco que o socialismo. Ambos regimes compartilham simbologia e rituais, ambos são voltados ao coletivo e ao espetáculo: pompa, fanfarra, estudantes e operários desfilando uniformizados, bandeiras, divisas altissonantes como esta Pátria Educadora... Para quem conhece a História, nada disso é surpresa: o PT é o herdeiro do trabalhismo de Vargas, cujo Estado Novo foi a versão tupiniquim do fascismo que estava na moda. A própria legislação trabalhista legada por Vargas, que Dilma jura não modificar nem que a vaca tussa (Cof! Cof!) é uma cópia descarada da Carta Del Lavoro de Mussolini.
Tanto paralelismo entre o passado e o presente faz-me crer que os partidos políticos, tal como as pessoas segundo os espiritualistas, quando morrem, reencarnam posteriormente: no fundo, não há nada de novo no panorama político brasileiro, ao menos para quem conhece a História. Estamos apenas vendo os velhos partidos sob nova roupagem. Conforme foi dito acima, o PT é a reencarnação do velho PTB de Vargas, o partido dos sindicalistas pelegos que tem como mote o nacional-estatismo, com seu séquito de empresas estatais (o petróleo é nosso!) e os bancos estatais despejando dinheiro para os empresários amigos-do-rei. Mas quem é a reencarnação da velha UDN, o inimigo figadal do PTB?
Aparentemente é o PSDB. Mas há um problema: no espectro político dos anos cinquenta, a velha UDN ficava à direita tanto do PTB quanto do PSD, o partido centrista. No espectro político atual, o PSDB fica à direita do PT, mas à esquerda do PMDB e demais partidos de centro. De resto, o PSDB sempre se definiu como de social-democrata e nunca encampou o discurso da antiga UDN, embora tenha-o implementado na prática em algumas ocasiões por razões de pragmatismo (mas esse pragmatismo o PT também é capaz de fazer, como está acontecendo nesse início de governo Dilma com a escolha de um ministério orientado ao mercado).
A meu ver, a origem da confusão está em um equívoco semelhante àquele que toma os fascistas como sendo o oposto dos socialistas, quando na realidade ambos derivaram do mesmo tronco, frutos do mesmo zeitgeist. O lugar-comum esquerdista colocou a UDN no passado, e os trabalhistas no futuro: segundo se crê, a UDN representava tudo o que havia de mais reacionário na política nacional: era o partido dos ricos, dos financistas, dos oligarcas e das multinacionais estrangeiras, inimigo dos trabalhadores. O PSDB, na condição de principal antagonista do PT, teria herdado esse papel.
Mas é falso. Tanto o PTB quando a UDN, ao surgirem, sinalizavam uma ruptura com o passado. Ambos são produto das transformações sociais por que o Brasil passou na época da revolução de 1930, quando duas novas classes sociais emergiram, o operariado e a classe média urbana. O PTB encampou os desejos do operariado, e a UDN, os desejos da classe média urbana; desta forma, PTB e UDN tornaram-se antagonistas, mas frutos do mesmo zeitgeist. O verdadeiro partido reacionário da época não era a UDN, mas o PSD, que congregava tudo o que restara da velha política: era o partido isento de ideologias, feito apenas de uma malha de interesses, e por esse motivo basicamente venal, pronto a aliar-se a quem se propusesse a atender seus interesses. Vargas bem sabia disso, e cuidou de manter o PSD em sua base de sustentação.
Não resta dúvida de que a encarnação atual do velho PSD é o PMDB. Mas uma peça insiste em não encaixar: onde está, afinal, a reencarnação da UDN? O PSDB é a reencarnação de quem?
Na realidade, os ideais udenistas não desapareceram, estão dispersos por aí. São notados diuturnamente em cada blog que critica o caráter populista e condena a corrupção do governo. Mas não existe mais um partido político que assuma esse ideário, embora a prática dita "neoliberal" possa ser feita, por razões de pragmatismo, tanto pelo PSDB quanto pelo PT. Então, se na época atual, PTB e PSD são fantasmas rondando os vivos, a UDN foi reduzida a um fantasma rondando fantasmas. A origem dessa exclusão do udenismo do espectro político nacional pode ser rastreada no Movimento de 1964. Até então a UDN encampava os ideais da classe média urbana, mas porque aderiu ao novo regime, passou a ser rejeitada por esta classe média, que tornou-se cada vez mais esquerdista em repúdio à ditadura. O udenismo tornou-se politicamente incorreto, embora essa expressão ainda não existisse na época, e ninguém nunca mais quis assumir o seu legado.
O mais irônico, contudo, foi que o golpe fatal na antiga UDN veio do próprio governo militar que ela apoiou. O regime de 1964 era uma tecnocracia que sempre prescindiu da política partidária, e o partido de sustentação do governo, assim como o partido de oposição, foram mantidos apenas pro forma. Assim que firmou-se no poder, o regime tratou de liquidar quaisquer lideranças políticas que pudessem contrapor-se aos tecnocratas, inclusive as lideranças da direita. Isso foi fatal para a UDN, cuja liquidação ocorreu em dois momentos: primeiro, pela cassação da vanguarda do partido, e segundo, por impedir o surgimento de uma nova vanguarda. Esse impedimento foi uma consequência da legislação instituída pelo regime, cuidadosamente calculada para tornar inoperante toda a política partidária e parlamentar. Um dos postulados era a subordinação dos centros urbanos aos rincões do interior, cujo peso nas convenções e assembléias era sempre maior. Assim, quem pontificava na ARENA, o partido do governo, não era a vanguarda udenista dos Carlos Lacerda e San Tiago Dantas, mas políticos provincianos, de José Sarney a Célio Borja, gente que antes de 1964 provavelmente nunca imaginara que um dia seriam líderes de seus partidos e presidentes da câmara e do senado. A antiga UDN foi triturada e depositada na vala comum da ARENA, que nada mais era que a reencarnação do antigo PSD, tal como o atual PMDB é a reencarnação da antiga ARENA.
A classe média brasileira, que foi o sustentáculo do PT em seus primeiros anos, hoje tem motivos para sentir-se abandonada. Voltará um dia essa classe a ter um partido que represente seus ideais? Depende do PSDB assumi-los ou não. Por enquanto, a classe média brasileira continua órfã.
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