Recebi com certo alívio a notícia de que Joaquim Barbosa pretende antecipar sua aposentadoria, pois já ando meio cansado de ouvir falar dele. Nunca lhe tive grande simpatia, sempre pareceu-me arrogante e um tanto recalcado. Mas cumpriu a sua obrigação, e pronto.
Apesar de sua notória falta de marketing pessoal, Joaquim Barbosa tornou-se, fora de dúvida, o personagem mais importante do ano em um país de astral em queda, governado por uma presidente que não tem o menor carisma. Vai explicar uma coisa dessas! Eu chamaria o fenômeno de a Síndrome de Joaquim Barbosa.
Ele é o tipo de cara que não tem o menor encanto pessoal, mas que a gente não consegue tirar da cabeça. Está em toda parte. Embora os mensaleiros tenham sido condenados pelo colegiado do STF, a impressão que todos têm foi de que a condenação foi obra unicamente do Joaquim Barbosa, como se ele tivesse tal poder. Eu noto principalmente nos forum´s e redes sociais que frequento: nunca vi alguém ser tão malhado em tão pouco tempo. Parece até trauma. Divirto-me sobretudo de ler os insultos racistas vindos daqueles que até a pouco se esmeravam em apontar o racismo alheio! A opinião geral é que o JB seria um caso típico do Preto Que Queria Ser Branco, aquele conhecido arquétipo do lambe-botas oprimido que deseja tornar-se opressor. Quanto a isso, não estou dentro da mente dele para saber, mas parece-me óbvio que o dito cujo só chegou ao STF em razão da cor de sua pele, fato que obviamente não será reconhecido em voz alta nem pelo próprio, nem por quem o nomeou. Divirto-me também com a grita histérica acerca de supostos atos ilegais que teria cometido, como a compra de um apartamento sala-e-quarto em Miami pela exorbitante quantia de 500 mil dólares, preço de um sala-e-dois quartos na zona sul do Rio de Janeiro. Acusam-no de ser um agente da elite perversa contra o governo popular, esquecidos de que foi nomeado pelo PT, tal como a grande maioria do atual plenário do STF.
Uma coisa a Síndrome de Joaquim Barbosa me fez perceber: a grande maioria dos comentaristas de esquerda que pululam na net, que eu julgava serem uns porra-loucas ultra radicais que acham o PT de direita, são na realidade chapas-brancas petistas. Essa me surpreendeu, apesar de eu não me surpreender mais com muita coisa nessa altura da vida. Por que essa histeria toda? Será que temem que seu o intento mais pragmático seria lançar-se como candidato por um partido de direita, após a construção de sua imagem? Essa tese já foi definitivamente enterrada, pois agora ele não pode mais se candidatar. Vai em paz, Joaquim Barbosa. E deixa de ser chato.
sábado, 31 de maio de 2014
terça-feira, 20 de maio de 2014
O PT e a Carroça de Platão
Li em algum lugar que a resposta ao porquê da paralisia do governo Dilma talvez esteja em Platão e sua carroça. Platão afirmou que é difícil dirigir um carro puxado por dos cavalos diferentes - um bom marchador e outro manco e lerdo. É o caso do governo Dilma. É a síndrome de um governo dividido entre os arroubos bolivarianistas e as necessidades palpáveis.
A principal diferença entre o governo petista e os demais governos bolivarianos que se instalaram em nosso continente a partir do século 21 reside no fato de que aqueles governos chegaram ao poder no bojo de um movimento revolucionário, enquanto o PT chegou ao poder pelas urnas. Aqueles governos têm a seu dispor uma militância armada, enquanto a militância petista é desarmada e o partido depende das boas graças do eleitorado para manter-se no poder. E o PT, ou ao menos a cúpula petista, sabe muito bem que a atual satisfação do eleitorado origina-se da estabilidade econômica herdada dos tucanos, a qual permitiu a expansão do crédito e do consumo. É essa a verdadeira causa da melhora do padrão de vida experimentada por boa parte da população, pois de resto os salários aumentaram muito pouco, e as tão faladas bolsa só atendem a parcelas muito pobres da população, de modo que o PT sabe muito bem: se deixar a inflação voltar com força total, a carruagem vira abóbora de novo. Os milhões que passaram para a classe C voltam para a classe D, e os eleitores batem as asas.
Mas há o outro cavalo, representando o rebotalho das ideias do velho PT e tocado pelas bases militantes. Até o momento essas bases militantes estão entretidas com o chamado marxismo cultural, mas o marxismo cultural não é tão inócuo quanto parece, nem custa tão barato - haja visto o as dezenas de ministérios criadas para acolher a cumpanherada! Ainda não foi criado aqui o Ministério da Felicidade Socialista, como na Venezuela, mas estamos a caminho. Talvez não cheguemos ao bolivarianismo, verdadeira meta dos cumpanheros, mas podemos voltar ao falido nacional-estatismo que vigorou até os anos oitenta. Aí teremos que chamar alguém que queira bancar o "neoliberal" para endireitar tudo de novo e, talvez, entregar de bandeja para um novo ciclo populista, capitaneado pelo PSol. Ou então aprendemos a lição de uma vez. Quem viver, verá.
A principal diferença entre o governo petista e os demais governos bolivarianos que se instalaram em nosso continente a partir do século 21 reside no fato de que aqueles governos chegaram ao poder no bojo de um movimento revolucionário, enquanto o PT chegou ao poder pelas urnas. Aqueles governos têm a seu dispor uma militância armada, enquanto a militância petista é desarmada e o partido depende das boas graças do eleitorado para manter-se no poder. E o PT, ou ao menos a cúpula petista, sabe muito bem que a atual satisfação do eleitorado origina-se da estabilidade econômica herdada dos tucanos, a qual permitiu a expansão do crédito e do consumo. É essa a verdadeira causa da melhora do padrão de vida experimentada por boa parte da população, pois de resto os salários aumentaram muito pouco, e as tão faladas bolsa só atendem a parcelas muito pobres da população, de modo que o PT sabe muito bem: se deixar a inflação voltar com força total, a carruagem vira abóbora de novo. Os milhões que passaram para a classe C voltam para a classe D, e os eleitores batem as asas.
Mas há o outro cavalo, representando o rebotalho das ideias do velho PT e tocado pelas bases militantes. Até o momento essas bases militantes estão entretidas com o chamado marxismo cultural, mas o marxismo cultural não é tão inócuo quanto parece, nem custa tão barato - haja visto o as dezenas de ministérios criadas para acolher a cumpanherada! Ainda não foi criado aqui o Ministério da Felicidade Socialista, como na Venezuela, mas estamos a caminho. Talvez não cheguemos ao bolivarianismo, verdadeira meta dos cumpanheros, mas podemos voltar ao falido nacional-estatismo que vigorou até os anos oitenta. Aí teremos que chamar alguém que queira bancar o "neoliberal" para endireitar tudo de novo e, talvez, entregar de bandeja para um novo ciclo populista, capitaneado pelo PSol. Ou então aprendemos a lição de uma vez. Quem viver, verá.
domingo, 11 de maio de 2014
Novo artigo
Acabei de publicar um novo artigo, tratando de um tema sempre recorrente nas discussões dos forums políticos: a tal da Elite, que é ela, com ela é e porque é tão maléfica. Procurei traçar um painel histórico de como formou-se a nossa elite. Reproduzo abaixo:
O consenso geral é que somos governados por uma Elite, ou
por “elites” no plural, e isso é mau. Urge apear a Elite do poder, o problema é
que ninguém sabe apontar com exatidão que Elite seria essa, exceto que seus
integrantes são sempre os outros.
Mas percebo aí um esforço inútil, pois a meu ver, o destino
de ser governado por elites não se deve ao poder haver sido conquistado por um
grupo específico, mas é de fato uma contingência da seleção natural. Vale a
comparação com um time de futebol: todos os jogadores, obviamente, desejam ser
titulares, mas se não puderem sê-lo, preferem que os titulares sejam os
melhores entre eles, pois é melhor ser reserva de um time vencedor do que de um
time perdedor. Interessa ao bem comum que os encarregados de executar
determinada função sejam aqueles que, por este ou aquele motivo, sejam os que
têm melhor condições de realiza-la, pois do contrário, todos sairão perdendo.
Então é isso: nosso destino é sermos sempre governados por uma elite ou outra,
ainda que seja a elite dos mais ousados ou a elite dos mais descarados. Ou a
elite dos mais bem colocados no partido.
A esta altura muitos já estarão bradando: as elites
dominantes a que me refiro são elites econômicas, oligarquias! Mas essa
afirmação também me parece uma redundância. Uma vez que o dinheiro é sempre
desejado, todos os membros de uma elite qualquer terminam por ascender à elite
econômica, à medida em que trocam por dinheiro a habilidade específica que os
faz membros de uma elite específica. Os profissionais altamente qualificados
conseguem altos pagamentos. Os artistas e esportistas de talento conseguem
prêmios. O empresário com tino para os negócios prospera. Mas isso é
particularmente verdadeiro quando se trata de elites políticas, onde a
conversibilidade entre poder e dinheiro é sempre fácil. Os honorários que uma
autoridade recebe são suficientes para torna-lo parte de uma elite econômica,
ainda que não receba nada além desses honorários. Enfim, a elite econômica
“atrai” as outras elites; isso é um fenômeno que, em estatística, chama-se um
atrator. Funciona também no sentido oposto: o dinheiro pode comprar o ingresso
em outras elites; por exemplo, o ingresso em boas escolas que tornarão o aluno
membro de uma elite intelectual, o ingresso em círculos de pessoas influentes
que abrirão as portas para outras elites, etc. Enfim, de qualquer ângulo que se
olhe, sempre veremos uma elite econômica hegemônica. Quem tenta mudar isso é
como o cachorro que corre atrás do próprio rabo.
Mais inteligente do que correr atrás do próprio rabo é
procurar descrever as elites existentes passando ao largo da abordagem
marxista, que vê a Elite como um bloco monolítico, distinto e elementar, que
deve ser removido tal qual a pedra que está no caminho e deve ser explodida
para a construção da estrada. Mesmo porque traçar um retrato das elites é, em
grande medida, fazer um resumo histórico e antropológico, uma vez que as elites
concentram em si atributos que são valorizados por todo o resto da população: a
elite é sempre superior à média, e uma elite ruim nada mais é do que o sintoma
de uma média pior ainda. Procurarei então responder: como se formaram as elites
brasileiras, e por que elas são assim?
Esta pergunta só pode ser respondida com o conhecimento da
História. E houve um tempo, nem tão distante assim, em que nossa elite rica
dominante não era, em sua maioria, uma elite intelectual. Numerosos relatos de
comentaristas estrangeiros em viagem pelo Brasil do século 19 dão conta do
aspecto tosco, e mesmo grotesco, dos ricos nacionais. Mesmo em época mais
recente, os folclóricos coronéis do sertão eram indivíduos de pouca instrução,
muitos até semianalfabetos, e isto ficou impresso na cultura popular, onde os
velhos coronéis são mostrados como roceiros de bota e chapelão, falando errado
ou com pesado sotaque, habitantes de grotões do interior e desinteressados de
qualquer coisa que não tivesse relação com as lides de suas fazendas. Conforme
comentou JJ Chiavenatto ao abordar o fenômeno do coronelismo, não havia grande
diferença entre o coronel e os jagunços que comandava, o que inclusive
facilitava o diálogo entre ambos: “no fundo, todos eram vaqueiros. Os que
garantiam a posse da terra mandavam, os demais obedeciam”. Por este motivo, os
esquematismos intelectuais consagrados à abordagem Elite Aristocrática X Povo
com frequência não se aplicam à História do Brasil. Como explicar, por exemplo,
que a república foi proclamada por uma elite de latifundiários cafeicultores? A
aristocracia da terra não deveria ser monarquista?
Isso é verdade, sim, no que diz respeito à Europa: todos
sabem que os nobres da terra eram aliados dos reis. Mas isto é perfeitamente
explicável quando se reconstitui o modo como se formou esta nobreza. Se
recuarmos o suficiente no tempo, inevitavelmente chegaremos a uma época em que
tanto os antepassados do rei quanto os antepassados dos nobres eram chefes
guerreiros aliados. Conforme a sorte dos campos de batalha, os acordos e os
casamentos, uns se tornaram suseranos, e outros vassalos, nascendo aí uma
lealdade e um senso de honra que atravessaram as gerações, e de fato perduraram
até bem após o fim do feudalismo, quando os nobres já não eram mais que
funcionários do governo, e o passado guerreiro tornara-se uma lembrança. O
mesmo não ocorreu no Brasil colonial, onde aliás nunca existiu feudalismo,
existiu escravidão, que não é a mesma coisa. Diz o senso comum que nossa elite
foi formada por donatários e fidalgos que receberam cartas de sesmaria e
tornaram-se senhores de engenho, e não falta quem acredite que os latifundiários
brasileiros descendem todos de uma linhagem que vem desde os tempos das
capitanias hereditárias. A realidade foi diferente. As cartas de sesmaria eram
pouco mais que formalidade, pois na época colonial, e mesmo muito depois, ter a
posse efetiva da terra não dependia da assinatura de um rei distante, mas da
capacidade de conquistar e manter pela força aquela porção de terra, derrotando
índios, posseiros e senhores de engenho rivais. Desde muito cedo, os
latifundiários brasileiros perceberam que naqueles sertões distantes, eles não
dependiam de um governador ou vice-rei, mas sim de si próprios, particularmente
de sua capacidade de ter homens armados sob seu comando. De fato, para aquilo
que se possa chamar de nobreza rural brasileira, as autoridades metropolitanas
eram vistas mais como um empecilho do que como garantia de sua posição social.
É sabido que os “homens bons”, aristocracia que compunha as câmaras de
vereadores das antigas vilas, frequentemente ignoravam as leis, ameaçavam e
corrompiam os funcionários do governo, e isso mudou pouco entre Mem de Sá e
Tiradentes.
Tendo nossa elite sido formada assim desta maneira tão bruta
e desvencilhada de qualquer ordem ou autoridade, é fácil entender porque esta
elite não se conforma ao conceito de “aristocracia” consagrado pelo senso
comum. Se os ricos da terra pareceram tão rudes e grosseiros aos olhos dos
comentaristas estrangeiros, era porque de fato assim o eram. Muitos fidalgos
que receberam terras não conseguiram mantê-las, e muitos posseiros que foram
audazes o suficiente e conseguiram eliminar os rivais, aumentaram suas posses e
tornaram-se grandes latifundiários. Mas continuaram ignorantes, bem como seus
filhos e netos. Isto acontecia até época recente, basta ler os romances de
Jorge Amado e Graciliano Ramos. Boa parte de nossa elite tem raízes no
populacho, e por este motivo mesmo, boa parte de nossa elite não era branca,
mas cabocla, o que não deixou de ser mencionado pelos comentaristas
estrangeiros. Por aí se vê como soa falso o epíteto “elite branca racista”
tanta vezes invocado, bem como a afirmação, que passa por verdade histórica, de
que a elite brasileira fomentou a imigração europeia com a finalidade de
branquear a população. Nessas horas me vem à mente aquela conhecida gravura
publicada em um periódico alemão de meados do século 19, mostrando dois imigrantes
brancos puxando um arado sob o chicote de um capataz negro. Era mais ou menos
isso o que acontecia nas fazendas da época: a imigração foi promovida, não com
o objetivo de embranquecer a população, mas com o objetivo de prover os
fazendeiros de novos escravos, em substituição aos africanos que não podiam
mais ser traficados. Nossa elite, na época, não era racista por um bom motivo:
esta mesma elite não era branca, e se foi embranquecendo nos anos seguintes,
isso deveu-se justamente ao influxo desses novos escravos brancos, à medida em
que eles prosperavam e eventualmente ingressavam na burguesia. Examinando-se
hoje um catálogo da FIESP, dificilmente se encontrará ali algum descendente de
barões do café.
A Elite, tal como concebida pelos observadores marxistas,
não passa de um totem. Mas examinada tal como é, tem a revelar sobre nossa
história e sobre quais fórmulas são bem sucedidas aqui.
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Agora, ao menos os mortos têm nome
A recente morte do dançarino do morro do Pavão-Pavãozinho, ao que tudo indica assassinado por policiais, levantou mais uma vez as diatribes contra as UPP´s nas mídias virtuais. Acusam as UPP´s, além de cometerem abusos, de não estarem cumprindo seu suposto papel "social":
"...é que a contrapartida em aumento da oferta de serviços e infraestrutura para as áreas pacificadas não acontece no ritmo necessário, as novas vagas em creches e escolas, as novas unidades de saúde, as obras de saneamento e mobilidade que deveriam acompanhar as UPPs, ainda estão no papel"
" A violência do soldado nas vielas reflete não seu treinamento na corporação, mas o discurso virulento de extrema direita e discriminatório contra pobres e favelados, amplamente difundido na mídia e a política ?higienista? de ?limpeza urbana? para os grandes eventos de nossos governantes, bem como a falta de disposição de negociar dos mesmos com os movimentos sociais e a truculência com que trataram as manifestações populares"
A discussão completa pode ser encontrada no Centro de Mídia Independente:
http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/04/530956.shtml
Deixo aqui minha opinião:
UPP´s não são solução mágica, mas também é sandice afirmar que são inúteis. Se fossem, não haveria tanta gente fazendo campanha contra.
O caso é que as UPP´s se tornaram peça de propaganda eleitoral. É nesse ponto que entra um velho equívoco mais uma vez endossado pelo autor do post. É claro que essas obras são necessárias. Só que isso tudo não têm nada a ver com a violência e o crime. Julgar o contrário revela uma insistência, ou obsessão, em ver no crime um ato político: os favelados cometem crimes porque estão descontentes com a falta de creches, de saneamento de transportes; se o governo instalasse manilhas de esgoto e abrisse mais vagas em creches, os favelados supostamente deixariam de assaltar e de traficar drogas...
É nesse contexto que a violência policial se mistura ao espetaculoso: as favelas são servidas por cintilantes teleféricos. Qualquer um aqui sabe que teleféricos são para turismo, e não para transporte de massa; levam poucos passageiros e sua manutenção é cara e complicada. Mas são mais vistosos do que creches, sem dúvida...
Mas o problema, como eu já afirmei, é que as UPP´s se tornaram peça de propaganda eleitoral, então o governo não pode voltar atrás, ou ficaria desmoralizado. Só pode ir adiante. Fazer o que, então? Impingir à força policial um comportamento ético irretocável e um respeito absoluto aos direitos humanos, como sugeriu o autor do post? Todos sabem que nossa polícia não é assim, e uma tal lavagem cerebral de uma hora para outra é coisa do reino da fantasia. Outro equívoco repetido pelo autor do post é afirmar que a polícia age assim porque reflete o discurso de extrema direita discriminatório e higienista de nossa elite dominante. Isso é bobagem. O nosso policial vem do mesmo ambiente pobre povoado pelos marginais que combate, ele não tem nenhum motivo psicológico para se identificar com uma elite rica que nutre preconceitos contra os pobres. Veja o caso recente o dançarino assassinado: está ficando claro que tudo se originou de uma querela pessoal entre a vítima e um policial da UPP, por causa de uma motocicleta. A polícia age dessa forma por motivos pessoais, ela não está a serviço de nenhuma burguesia, e é tão bruta e ignorante quanto a maioria dos favelados.
Se as UPP´s estão brutalizando a população das favelas, isso, grosso modo, quer dizer que a polícia está trabalhando. Ela não sabe trabalhar de outra maneira. E está incomodando, sim, a inocentes, mas também a culpados. Retirar as UPP´s dos morros só fará voltar as favelas ao controle das milícias, que fazem exatamente o que as UPP´s estão fazendo, mas com duas diferenças: violência muito maior e cobertura da mídia muito menor. Antes, só víamos os cadáveres calcinados nos lixões. Agora, pelo menos, os mortos têm nomes.
"...é que a contrapartida em aumento da oferta de serviços e infraestrutura para as áreas pacificadas não acontece no ritmo necessário, as novas vagas em creches e escolas, as novas unidades de saúde, as obras de saneamento e mobilidade que deveriam acompanhar as UPPs, ainda estão no papel"
" A violência do soldado nas vielas reflete não seu treinamento na corporação, mas o discurso virulento de extrema direita e discriminatório contra pobres e favelados, amplamente difundido na mídia e a política ?higienista? de ?limpeza urbana? para os grandes eventos de nossos governantes, bem como a falta de disposição de negociar dos mesmos com os movimentos sociais e a truculência com que trataram as manifestações populares"
A discussão completa pode ser encontrada no Centro de Mídia Independente:
http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/04/530956.shtml
Deixo aqui minha opinião:
UPP´s não são solução mágica, mas também é sandice afirmar que são inúteis. Se fossem, não haveria tanta gente fazendo campanha contra.
O caso é que as UPP´s se tornaram peça de propaganda eleitoral. É nesse ponto que entra um velho equívoco mais uma vez endossado pelo autor do post. É claro que essas obras são necessárias. Só que isso tudo não têm nada a ver com a violência e o crime. Julgar o contrário revela uma insistência, ou obsessão, em ver no crime um ato político: os favelados cometem crimes porque estão descontentes com a falta de creches, de saneamento de transportes; se o governo instalasse manilhas de esgoto e abrisse mais vagas em creches, os favelados supostamente deixariam de assaltar e de traficar drogas...
É nesse contexto que a violência policial se mistura ao espetaculoso: as favelas são servidas por cintilantes teleféricos. Qualquer um aqui sabe que teleféricos são para turismo, e não para transporte de massa; levam poucos passageiros e sua manutenção é cara e complicada. Mas são mais vistosos do que creches, sem dúvida...
Mas o problema, como eu já afirmei, é que as UPP´s se tornaram peça de propaganda eleitoral, então o governo não pode voltar atrás, ou ficaria desmoralizado. Só pode ir adiante. Fazer o que, então? Impingir à força policial um comportamento ético irretocável e um respeito absoluto aos direitos humanos, como sugeriu o autor do post? Todos sabem que nossa polícia não é assim, e uma tal lavagem cerebral de uma hora para outra é coisa do reino da fantasia. Outro equívoco repetido pelo autor do post é afirmar que a polícia age assim porque reflete o discurso de extrema direita discriminatório e higienista de nossa elite dominante. Isso é bobagem. O nosso policial vem do mesmo ambiente pobre povoado pelos marginais que combate, ele não tem nenhum motivo psicológico para se identificar com uma elite rica que nutre preconceitos contra os pobres. Veja o caso recente o dançarino assassinado: está ficando claro que tudo se originou de uma querela pessoal entre a vítima e um policial da UPP, por causa de uma motocicleta. A polícia age dessa forma por motivos pessoais, ela não está a serviço de nenhuma burguesia, e é tão bruta e ignorante quanto a maioria dos favelados.
Se as UPP´s estão brutalizando a população das favelas, isso, grosso modo, quer dizer que a polícia está trabalhando. Ela não sabe trabalhar de outra maneira. E está incomodando, sim, a inocentes, mas também a culpados. Retirar as UPP´s dos morros só fará voltar as favelas ao controle das milícias, que fazem exatamente o que as UPP´s estão fazendo, mas com duas diferenças: violência muito maior e cobertura da mídia muito menor. Antes, só víamos os cadáveres calcinados nos lixões. Agora, pelo menos, os mortos têm nomes.
sexta-feira, 18 de abril de 2014
Morreu, virou santo
Está sendo muito comentada a morte recente do escritor Gabriel Garcia Marquez, velho ídolo das esquerdas latino-americanas. É sempre assim: morreu, virou santo. Mas esse já era santo em vida. Era prolixo e tinha um estilo hermético, pouco inteligível, para não dizer incrivelmente chato. Mas como era de esquerda, não podemos dizer isso: se não compreendemos o que ele escrevia, então os burros somos nós, e não ele.
Eu me lembro de uma história que era muito contada nos anos sessenta, quando o pessoal engajado se reunia no cinema Paissandu para ver filmes "cabeça". Em determinada sessão de um filme do Godard, o projetista se equivocou e trocou os rolos do filme, fazendo a história ficar toda destrambelhada, com personagens que já tinham morrido reaparecendo, etc. Pois o pessoal não só não reparou, como ainda fez toda uma análise em cima da suposta narrativa não-linear em flashback do mestre...
Eu sempre achei que essa história era uma piada, mas quanto mais conheço os intelectuais esquerdistas, mais me convenço de que é verdade.
Eu me lembro de uma história que era muito contada nos anos sessenta, quando o pessoal engajado se reunia no cinema Paissandu para ver filmes "cabeça". Em determinada sessão de um filme do Godard, o projetista se equivocou e trocou os rolos do filme, fazendo a história ficar toda destrambelhada, com personagens que já tinham morrido reaparecendo, etc. Pois o pessoal não só não reparou, como ainda fez toda uma análise em cima da suposta narrativa não-linear em flashback do mestre...
Eu sempre achei que essa história era uma piada, mas quanto mais conheço os intelectuais esquerdistas, mais me convenço de que é verdade.
domingo, 13 de abril de 2014
O Balanço de 1964
Passada a onda de revisionismo dos cinquenta anos do
movimento de1964, que uns chamam de golpe e outros de revolução, chamou-me a
atenção, além da própria intensidade das discussões, a repetição de um
sem-número de falácias acerca do evento, as quais tenho ouvido desde muito,
tanto da turma dos apoiadores quanto da turma dos detratores. Agora que o
bate-boca finalmente está esfriando, é um bom momento para enumera-las e
decifra-las uma a uma. Vamos lá!
1)
O movimento foi fomentado pelos EUA.
Todos sabem muito bem que nos tempos da guerra fria, tanto
os EUA quanto a ex-URSS e seus satélites intervinham ostensivamente em todos os
lugares onde houvesse um movimento comunista efetivo ou potencial. No Brasil
não foi diferente. É perfeitamente sabido que os EUA injetaram muito dinheiro
nos partidos e organizações anti-Goulart. Mas o que até hoje causa realmente
frisson na galera é a Operação Brother Sam, o envio da 4ª frota americana para
apoiar os revoltosos. Fico impressionado como tantos a denunciam à boca pequena,
como se tratasse de um segredo sujo. Mas eu me lembro muito bem: após 12 anos,
em obediência ao regulamento da CIA, o documento foi desclassificado e
publicado na imprensa. Foi em 1976. E saiu tudo lá: a 4ª frota americana fez um
passeio, e no quinto dia, sem haver sequer chegado perto da costa brasileira,
fez meia-volta e retornou, pois nenhum apoio era mais necessário. Estava
inicialmente autorizada a somente enviar combustível aos revoltosos. O que
aconteceria depois, caso Goulart resistisse? Haveria um desembarque? Bom, isso
já é futurologia.
2)
Os comunistas estavam prestes a tomar o poder.
Não estavam, e isso ficou patente na ausência total de
resistência, quando se dizia que Goulart tinha um formidável “dispositivo
militar”. O poder dos comunistas foi grandemente superestimado, tanto por seus
inimigos, o que era do interesse dos mesmos, mas também pelos próprios
comunistas, o que foi desastroso para eles. Exatamente como já havia sido em
1935. Dizia-se que Goulart estava cercado de comunistas. Na realidade, os
comunistas que cercavam Goulart eram os mesmos que antes cercaram Vargas e
Kubitschek, a diferença foi que Vargas e Kubitschek puseram-se os comunistas a
seu serviço, enquanto Goulart foi posto a serviço dos comunistas.
3)
Não havia guerrilha em 1964, e esta só surgiu
depois do AI-5, como resistência à ditadura.
Muita gente acreditou isso, mas foi o insuspeito Jacob
Gorender quem tratou de desmenti-lo em definitivo, em seu clássico Combate Nas
Trevas: os primeiros grupos das Ligas Camponesas foram enviados para fazer
curso de guerrilha em 1962, dois anos antes do golpe. É curioso afirmar que os
guerrilheiros pós-AI-5 tinham como objetivo restabelecer a democracia, pois
nenhum manifesto lançado por eles exigia a restauração da constituição de 1946
ou a volta do ex-presidente Goulart. Mesmo porque, na retórica dos
guerrilheiros, o regime que havia aqui antes de 1964 não era democrático, mas
tratava-se de uma “democracia burguesa” que devia ser derrubada e substituída
por conselhos populares. Dizer como seria o regime instalado pelos
guerrilheiros caso fossem vitoriosos é futurologia, mas tudo indica que seria
inspirado pelo modelo cubano, que inspirava dez entre dez revolucionários
sul-americanos na época. A esquerda só conformou-se à dita democracia burguesa
após a anistia.
4)
Os revolucionários de 1964 não queriam o poder,
mas apenas a restauração da ordem.
É mentira. Havia uma conspiração articulada desde a época do
suicídio de Vargas, e esse esquema reunia essencialmente políticos udenistas
com militares da ESG. Havia o consenso de que, pela via eleitoral, eles não
chegariam ao poder, então aguardavam uma revolução providencial. Antes já
haviam tentado impedir a posse de Juscelino e do próprio Goulart. Como se sabe,
as coisas não saíram bem como planejado, e a maior parte dos conspiradores da
época foi expurgada no momento em que supunham estar chegando ao poder.
5)
O dito Milagre Brasileiro foi uma época de
extremo sofrimento para os trabalhadores, pois foi conseguido à custa da
concentração de renda.
É uma interpretação maliciosa da realidade econômica e
social da época, que procura passar a ideia de que os mais ricos enriqueceram à
custa de empobrecer os mais pobres, como se estivessem subtraindo a renda
destes. Houve de fato um aumento na concentração de renda. Mas a concentração
de renda é nada mais que uma estatística que informa qual percentual da
população detém qual percentual da renda nacional. A porção mais rica prosperou
mais rápido que a porção mais pobre, daí haver aumentado sua participação na
renda, em termos relativos. Mas em termos absolutos, tanto a renda dos mais
pobres quanto a renda dos mais ricos subiu, e para quem é pobre, evidentemente
o que importa não é o relativo, mas o absoluto. A prova disto foi a notória
ausência de elementos das classes populares nos movimentos guerrilheiros, que
contavam quase que exclusivamente com intelectuais, egressos do movimento
estudantil, ex-militares e religiosos. Por este motivo mesmo os grupos
guerrilheiros foram incipientes, e a própria dispersão das siglas – VPR, PCR,
VAR, COLINA, MR-8, PCO, etc. - é uma evidência disto.
6)
Os governos militares foram entreguistas e
submissos aos EUA
Uns mais, outros menos. De maneira geral, os militares deram
prosseguimento ao modelo do nacional-estatismo que vinha desde os anos trinta,
que preconizava forte presença do Estado na economia. Durante os quatro governos
militares, a aplicação deste modelo oscilou entre sua vertente nacionalista
(Vargas, Geisel) e sua vertente dita entreguista (Kubitschek, Castelo).
7)
O regime militar introduziu a tortura no Brasil
Já havia tortura antes, e continuou a existir depois. Mas
era tortura a presos comuns, marginaizinhos pé-rapados, e esse fato não
despertava comoção. O choque causado pela tortura durante o regime militar
deveu-se sobretudo ao fato desta ser aplicada a jovens da classe média,
indivíduos que, de acordo com a crença geral, não deveriam sofrer este
tratamento.
8)
Havia menos corrupção / Havia mais corrupção na
época
Os defensores do regime de 1964 afirmam que havia menos
corrupção naquele tempo, e os detratores afirmam que havia muito mais, mas a
censura não deixava a população saber. É evidente que havia corrupção naquele
tempo, mas não é razoável supor que algum grande escândalo tenha permanecido
oculto até hoje, tantas décadas após o fim da censura. A verdade é que a
própria estrutura autoritária do regime tornava desnecessário maiores barganhas
e compras de voto de parlamentares.sábado, 5 de abril de 2014
Fascismo à brasileira?
Comentando o texto abaixo postado, que me foi enviado por um correspondente, achei que tinha altos e baixos. O autor tem conhecimento exato de alguns fatos históricos referentes ao fascismo, mas insiste em encaixá-los nos chavões mais recorrentes do momento.
Em primeiro lugar, eu concordo que no momento atual, no Brasil, está havendo uma certa aproximação, fenômeno aliás sem precedentes na história recente, de parte das classes média e alta com ideais semelhantes aos que formaram o caldeirão social do fascismo no início do século 20. Isso é notado no aplauso recebido por certar produções como o Tropa de Elite, e no aplauso recebido por certos episódios da vida real, como a ação dos "vigilantes" contra os pivetes e os comentários da Rachel Sheherazade. Vou retomar este tema mais adiante. Primeiro vou falar das colocações que achei errôneas.
Não concordo que historicamente a adesão inicial ao fascismo tenha sido um fenômeno típico das classes dominantes desesperadas e das classes médias empobrecidas. Isso está inclusive em contradição com outras colocações do autor do texto, pois no momento atual, as classes dominantes NÃO estão desesperadas e as classes médias NÃO estão empobrecidas. Quem conhece a História sabe que o fascismo surgiu nas massas e não nas elites, como um contraponto ao comunismo, tanto o primeiro quanto o segundo derivados do positivismo do século 19, que por sua vez foi a primeira doutrina de engenharia social da História. Fascismo e comunismo disputaram o mesmo público de operários, intelectuais e indivíduos desajustados de toda a ordem, enquanto as classes alta e média conservadoras permaneciam alinhadas ao que sobrara dos partidos liberais. O próprio autor do post reconhece isto sub-repticiamente ao comentar a ascensão do nazismo no início dos anos trinta, quando houve um enorme ganho de votos para o partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Esta virada ocorreu porque os eleitores comunistas começaram a migrar em massa para o partido nazista, desequilibrando a balança e tornando o partido social-democrata minoritário. A adesão das classes alta e média se deu posteriormente, uma vez que esses indivíduos constataram a falência dos partidos liberais, e de fato preferiam o fascismo ao comunismo. Isto porque o fascismo, ao menos, não abolia formalmente a propriedade privada dos meios de produção, embora invertesse a relação antes prevalente entre política e capital: nos antigos regimes liberais, os burgueses comandavam o governo; sob o regime fascista, é o governo que comanda a burguesia (na realidade, o fascismo cria uma burguesia para seu uso, favorecendo os empresários amigos e enriquecendo os seus próceres, ao mesmo tempo em que persegue e expropria os burgueses não cooptados).
Mas concordo com o autor quando ele lembra que a adesão ao fascismo da parte de indivíduos antes não seduzidos por esta doutrina é causada pelo desencanto com a situação presente e a constatação de que os governos em exercício são incapazes de superar as crises. Isso está efetivamente ocorrendo no Brasil. A classe média tinha grandes esperanças no PT, julgando que este partido moralizaria a política brasileira, e experimentou grande desilusão ao ver o PT protagonizar escândalos de corrupção e aliar-se a políticos notoriamente reacionários e corruptos. Decepcionou-se igualmente ao ver que o PT não dava prioridade à educação nem à segurança pública, ao contrário, cortejava ignorantes e marginais, estes apresentados como emblemáticos da autenticidade popular contraposta à elite arrogante supostamente encarnada pela classe média. Sobretudo o problema da segurança é especialmente sensível para a classe média, assustada pelo crime e cansada de ver as ilegalidades cometidas pelos favelados sendo toleradas por governantes e urbanistas. São esta as efetivas causas da aproximação da classe média com ideologias de ruptura, e não o sentimento pueril de "declassément" só porque os pobres agora são vistos circulando em ambientes antes exclusivos aos ricos.
Em primeiro lugar, eu concordo que no momento atual, no Brasil, está havendo uma certa aproximação, fenômeno aliás sem precedentes na história recente, de parte das classes média e alta com ideais semelhantes aos que formaram o caldeirão social do fascismo no início do século 20. Isso é notado no aplauso recebido por certar produções como o Tropa de Elite, e no aplauso recebido por certos episódios da vida real, como a ação dos "vigilantes" contra os pivetes e os comentários da Rachel Sheherazade. Vou retomar este tema mais adiante. Primeiro vou falar das colocações que achei errôneas.
Não concordo que historicamente a adesão inicial ao fascismo tenha sido um fenômeno típico das classes dominantes desesperadas e das classes médias empobrecidas. Isso está inclusive em contradição com outras colocações do autor do texto, pois no momento atual, as classes dominantes NÃO estão desesperadas e as classes médias NÃO estão empobrecidas. Quem conhece a História sabe que o fascismo surgiu nas massas e não nas elites, como um contraponto ao comunismo, tanto o primeiro quanto o segundo derivados do positivismo do século 19, que por sua vez foi a primeira doutrina de engenharia social da História. Fascismo e comunismo disputaram o mesmo público de operários, intelectuais e indivíduos desajustados de toda a ordem, enquanto as classes alta e média conservadoras permaneciam alinhadas ao que sobrara dos partidos liberais. O próprio autor do post reconhece isto sub-repticiamente ao comentar a ascensão do nazismo no início dos anos trinta, quando houve um enorme ganho de votos para o partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Esta virada ocorreu porque os eleitores comunistas começaram a migrar em massa para o partido nazista, desequilibrando a balança e tornando o partido social-democrata minoritário. A adesão das classes alta e média se deu posteriormente, uma vez que esses indivíduos constataram a falência dos partidos liberais, e de fato preferiam o fascismo ao comunismo. Isto porque o fascismo, ao menos, não abolia formalmente a propriedade privada dos meios de produção, embora invertesse a relação antes prevalente entre política e capital: nos antigos regimes liberais, os burgueses comandavam o governo; sob o regime fascista, é o governo que comanda a burguesia (na realidade, o fascismo cria uma burguesia para seu uso, favorecendo os empresários amigos e enriquecendo os seus próceres, ao mesmo tempo em que persegue e expropria os burgueses não cooptados).
Mas concordo com o autor quando ele lembra que a adesão ao fascismo da parte de indivíduos antes não seduzidos por esta doutrina é causada pelo desencanto com a situação presente e a constatação de que os governos em exercício são incapazes de superar as crises. Isso está efetivamente ocorrendo no Brasil. A classe média tinha grandes esperanças no PT, julgando que este partido moralizaria a política brasileira, e experimentou grande desilusão ao ver o PT protagonizar escândalos de corrupção e aliar-se a políticos notoriamente reacionários e corruptos. Decepcionou-se igualmente ao ver que o PT não dava prioridade à educação nem à segurança pública, ao contrário, cortejava ignorantes e marginais, estes apresentados como emblemáticos da autenticidade popular contraposta à elite arrogante supostamente encarnada pela classe média. Sobretudo o problema da segurança é especialmente sensível para a classe média, assustada pelo crime e cansada de ver as ilegalidades cometidas pelos favelados sendo toleradas por governantes e urbanistas. São esta as efetivas causas da aproximação da classe média com ideologias de ruptura, e não o sentimento pueril de "declassément" só porque os pobres agora são vistos circulando em ambientes antes exclusivos aos ricos.
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