domingo, 26 de outubro de 2025

O Traficante é Vítima do Usuário

Tem causado frisson a última declaração de Lula, manifestando-se contra a intervenção de Trump no Caribe, de que "o traficante é vítima do usuário". Logo em seguida ele desculpou-se afirmando ter sido uma declaração mal construída, e não poderia ter dito outra coisa para justificar tamanha sandice. Mas engraçada ou bizarra, a afirmação é instigante. O que teria se passado na cabeça do presidente? O que ele quis de fato dizer?
 
Minha opinião é de que ele quis dizer uma verdade, mas foi embotado pela armadilha do raciocínio viciado pela ideologia, o qual repete que o delinquente é sempre vítima do sistema injusto, e apenas a revolução que destruirá o sistema (capitalista) fará cessar o crime, ou antes, não ocorrerão mais crimes porque não haverá mais motivo para praticá-los. Mas no entanto, uma pequena correção na frase a torna uma expressão verdadeira, e provavelmente aquilo que Lula quis comunicar: ao invés de "o traficante é vítima do usuário", deveria ser dito "o traficante existe por causa do usuário".
 
É a indefectível Lei da Oferta e da Procura. Se alguém está disposto a pagar por um certo produto, logo surge alguém que quer fornecer aquele produto. Como se trata de um princípio do sistema capitalista, talvez por isso haja uma repulsa instintiva da parte dos indivíduos formados na ideologia marxista, daí o lapso de Lula. Mas se ele queria acusar os EUA de fomentar o narcotráfico por comprar drogas, está totalmente certo. Os EUA são, de longe, o maior mercado consumidor de drogas do mundo.
 
O gigantismo do negócio da droga nis EUA pode bem ser medido comparando os traficantes que abastecem aquele país com os traficantes que abastecem outro consumidor, possivelmente o segundo maior, mas ainda assim a léguas do primeiro colocado - o Brasil. Aqui, os traficantes têm "fortalezas" no topo das favelas. Lá, os traficantes são multimilionários, como o lendário El Chapo no México, e o insuperável Pablo Escobar da Colômbia. No Brasil, os traficantes não dominam o país - dominam as favelas. Se aqui algum Fernandinho Beira-Mar declarar que não desejaria ser presidente porque tem mais poder que o presidente, todos achariam uma piada de mau gosto. Quando El Chapo disse a mesma coisa no México, ninguém achou graça.
 
O perfil do crime relaciuonado ao negócio da droga é determinado pelas fases daquele negócio que são cumpridas naquele local. Nas regiões produtoras, as quadrilhas dominam várias áreas rurais e até pequenas cidades relacionadas à produção e ao roteamento das drogas, empregando variados colaboradores. O Brasil não produz drogas, exceto pequena quantidade de maconha de má qualidade, e como rota, é secundário se comparado a outras rotas que passam pelos países andinos. O Brasil é consumidor, e portanto, o crime relacionado ao negócio da droga aqui está relacionado à distribuição no varejo - ou seja, aos pontos de venda. Mais especificamente, às favelas. Aqwui, os traficantes têm domínio absoluto nas favelas ainda não tomadas por milícias, mas seu poder cessa abruptamente onde a favela acaba.
 
E a riqueza dos traficantes é determinada pelo tamanho de seu mercado, que aqui é muito menor que o dos EUA. Trump necessita entender que a guerra contra as drogas não será vencida enquanto os EUA gastarem milhões para combater as drogas, e bilhões para comprar drogas. Esses bilhões, injetados em países pobres, chegando a representar uma receita superior até à de seu principal produto de exportação, são capazes de cooptar multidões de colaboradores ao negócio criminoso. Muito mais grave que a corrupção de centenas de funcionários, é a corrupção de milhares de jovens que passam a considerar o trabalho para os traficantes uma opção lucrativa e com boas chances de impunidade e promoção social.
 
Mas Trump prefere encenações custosas, como enviar o maior porta-aviões de sua frota ao Caribe, evocando a piada do tiro de canhão para matar passarinho. Combater o narcotráfico com equipamento bélico pesado é como dar um tiro em uma colméia de abelhas - o dano é mínimo, e as abelhas vem todas para cima. A guerra às drogas não é uma guerra contra um exército regular, é algo mais semelhante à eliminação de uma praga. Acaso Trump cogita reprimir o usuário americano?
 
Lula com certeza disse uma coisa errada. Mas talvez tenha pensado o certo.

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