sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A Controversa Mega-Operação no Rio

A grande surpresa da semana foi a mega-operação levada a cabo pela polícia do estado do Rio de Janeiro, que contabilizou mais de centena de mortos, causando estupor, admiração e teorias conspiratórias, como a de que teria sido um ato eleitoreiro do governador, uma manobra para salvar Bolsonaro, ou até um pretexto para uma intervenção de Trump no país. Não faltaram condenações indignadas, mas no geral, os comentários suscitados apenas agitaram e fizeram emergir as folhas e detritos do fundo de um lago onde repousam numerosos equívocos.

De cara, o enorme número de vítimas - apenas quatro policiais - escancara o enorme número de membros de organizações criminosas que atuam nas favelas. Se dezenas morreram, então havia centenas. O enorme número de fuzis apreendidos (e quantos mais continuam escondidos?) bem como o uso até de drones da parte dos criminosos escancara a capacidade bélica das quadrilhas, e não deixa dúvidas de que tal poder paralelo só pode ser combatido mediante uma ação militar. Mas os argumentos que se ouviram foram os de sempre.

A polícia chegou atirando? Mas todos sabem que a polícia é recebida à bala quando sobe o morro, pois não falta armamento aos criminosos. A polícia perpretou uma chacina? Pode-se achar escandaloso que as baixas da polícia tenham sido apenas quatro para mais de centena de criminosos. Mas é a lógica cabal. Os criminosos adquirem armamento sofisticado de contrabandistas, mas não têm treino adequado, muitas vezes não sabem nem segurar o fuzil. Se vão enfrentar soldados que sabem usar a arma, o resultado não pode ser outro, e aí os bandidos veem (tarde demais) que combater uma guerra de verdade não e o mesmo que posar para fotos segurando um fuzil.

Outra discussão recorrente é se as quadrilhas de traficantes constituem organizações terroristas, conforme a definição "narcoterrorismo" cunhada por Trump e repetida pelo governador, o que legitimaria a maneira como sã conbatidas. Já se tornou lugar-comum chamar as favelas de Zona de Guerra. Mas embora sejam usadas armas de guerra, a natureza do conflito não é a de uma guerra. Os bandidos não têm bandeira, nem rosto visível; não estão defendendo nenhuma demanda nacional, territorial ou ideológica; estão a serviço apenas de seus interesses particulares escusos. Não se trata de exércitos em guerra, mas de bandidos muito bem armados. Por outro lado, se a definição de "terrorista" é pertinente, a discussão não é tão simples. Terroristas são conceituados pelo modo como agem, não por suas demandas. Se o objetivo é dominar mediante a tática de aterrorizar a população, o rótulo é correto, pois é perfeitamente sabido o que as quadrilhas fazem para intimidar os moradores e forçar seu silêncio.

A maioria dos equívocos, contudo, deriva do vicio de abordar o fenômeno da criminalidade sob uma leitura de luta de classes marxista. Bradam: os lideres das quadrilhas não estão nas favelas. Por que a policia não os procura na Faria Lima?

Ocorre que os líderes das quadrilhas não estão na Faria Lima, Isso é lenda. Os chefões do tráfico estão na favela mesmo, conforme ficou bem visível poucos anos atrás, quando foi flagrado Fernandinho Beira-Mar na Colômbia negociando diretamente com os fornecedores. O crime tem que ser combatido pelo topo, bradam. Quem diz isso não conhece a dinâmica do crime, onde a queda de um chefe provoca de imediato uma reorganização nas bases e o surgimento de novos chefes ou novas quadrilhas para ocupar o espaço deixado. O crime só pode ser combatido pela base, favela a favela.

Não adianta combater nas favelas, dizem, é preciso evitar que as drogas entrem no país, vigiando as fronteiras. É uma sugestão ideal para quem não quer resolver o problema. Nossas fronteiras são vastíssimas e despovoadas. Se nem os EUA conseguem evitar a entrada de drogas por sua fronteira ultra fortificada, como podemos nós? No Brasil, país consumidor de drogas (e não produtor, e pouco importante como rota) a base material do tráfico - as quadrihas, os arsenais, os estoques - reside onde estão localizados os pontos de venda, ou seja, nas favelas. Apenas nas favelas o tráfico pode ser combatido.

Se não restam mais argumentos para negar a necessidade da ação da policia, pode-se afirmar que a repressão não é o suficiente, é preciso dar escola e oportunidades aos jovens das favelas. Postura de quem se compraz de imaginar as favelas como locais onde se está na estaca zero do desenvlvimento. Os bandidos tiveram, sim, escola e outras opções de vida, mas preferiram o crime porque este proporciona mais lucro que um emprego, e boas chances de impunidade. O comum é o menino ser preso de manhã e solto à tarde. Então, a escolha pelo crime é a simples consequência de uma vantagem comparativs. Não cessará, a menos que essa vantagem comparativa deixe de existir, aumentando-se as penaidades, e consequentemente o risco de se optar pelo crime.

De resto, o crime não tem uma solução cartesiana, o que significa que não pode nunca ser elimiando, apenas controlado. Mas não se pode chamar, tecnicamente, de fracasso uma operação onde apenas quatro policiais morreram para mais de uma centena de criminosos, e centenas de fuzis foram apreendidos. Sem dúvida que as quadrilhas continuam lá. Mas que sofreram um duro golpe, é certo. Baixada a poeira, resta ver que o caminho é por aí.


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