Uma notícia recente dá conta de que o STF rejeitou por unanimidade a tese de que um artigo da constituição conferiria um "poder moderador" às Forças Armadas. Lembrando, a figura do Poder Moderador, esse em maiúsculas, foi criada na primeira constituição do país e conferido ao imperador, a quem caberia mediar conflitos entre o ministério e o parlamento, com prerrogativa de dissolver ambos e convocar novas eleições. Ao invés dos tradicionais três poderes - executivo, legislativo e judiciário - a constituição do Império reconhecia quatro. E o fato é que o Poder Moderador funcionou a contento, haja visto ter sido aquela a constituição mais longeva da história do país.
Nenhuma constituição republicana mencionou um poder moderador. Mas uma corrente de historiadores e analistas políticos têm tido gosto em afirmar que o poder moderador continuou existindo, tendo passado a ser exercido pelos militares. Faz um certo sentido. Os militares derrubaram o imperador, que era o detentor legal do Poder Moderador, então teriam assumido para si este poder. E bem ou mal, a história republicana foi pontilhada de muitas intervenções militares. Uma interpretação benevolente afirma que em momentos de grave impasse político, com iminência de revolução e guerra civil, as forças armadas apresentam-se como mediadoras do conflito e impõem uma solução que impede o pior.
Independente da orientação política do observador, é de fato tentador crer que existe um anjo da guarda que sempre nos salvará de impasses sangrentos, reconduzindo o país à normalidade. Mas as intervenções militares na história republicana se encaixam efetivamente na figura de um poder moderador?
Um mediador, por definição, concilia dois contendores. Ele pode urdir um acordo, ou dar ganho de causa para um dos litigantes, mas não pode assumir o poder ele próprio - nesse caso ele deixaria de ser um mediador e se tornaria um terceiro contendor. Parece-me que o real propósito dos militares, em todos os episódios de intervenção, sempre foi inaugurar seu próprio governo. Em 1930 um junta depôs o presidente, abortando a guerra civil que se avizinhava. Mas deu inequívocos sinais de que pretendia permanecer no poder, tendo inclusive nomeado ministros - o poder só foi entregue a Getúlio Vargas quando as forças que o apoiavam ameaçaram prosseguir rumo à capital. Em 1946 o próprio Getúlio Vargas, suspeito de planejar um golpe para suspender a eleição marcada, foi deposto por um golpe dos militares, e o poder foi entregue ao presidente do STF. Mas na eleição que se seguiu, ambos os candidatos eram militares. Em 1964 o poder foi tomado pelos militares sem nenhuma disposição de conciliar facções políticas.
A estabilidade política do Império deveu-se à forma como o país obteve a independência, preservando intactas instituições herdadas do período colonial e assim impedindo que os militares se tornassem atores políticos, como aconteceu na América Hispânica. Por toda a história do continente, a presença de militares na política foi sinônimo de guerra e distúrbio, raramente produzindo governos duradouros, ou quando o faziam, eram terríveis ditaduras de algum caudilho. Considero "wishful thinking" a tese de que os militares exercem um poder moderador - historicamente, eles têm sido mais um fator de desordem do que de ordem.
Quem quer o poder moderador, quer ser imperador. Mas imperador o país já teve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário