O assassinato de Fernando Villavicencio, candidato à presidência do Equador, chamou a atenção para este pequeno país da América do Sul. Sabemos, pelo caso da Colômbia, que quando os narcotraficantes começam a matar candidatos a presidente, eles já dispõem de um exorbitante poder dentro do país.
E no entanto, a escalada dos narcotraficantes no Equador já vinha sendo anunciada um ano antes por este artigo do Globo. Embora não seja um produtor, os portos profundos tornam o país um importante ponto de trânsito para drogas rumo aos consumidores nos EUA e Europa. Sua economia dolarizada também o torna um local estratégico para lavagem de dinheiro. E conforme apontado no artigo, a reação ao crescimento da violência tem sido libertar os presos para aliviar a superlotação nas cadeis controladas pelas quadrilhas. Soa familiar?
Por aqui, não falta quem acredite que nosso crime nada deve aos países "reféns do narcotráfico", como o México, e agora, o Equador. Mas é preciso dizer: não, não é a mesma coisa, e quem pensa o contrário nunca esteve em um daqueles países. Nossos narcotraficantes se assemelham aos de nossos vizinhos por sua violência e pelo uso de armas pesadas, mas diferenciam-se destes pelas áreas onde atuam e exercem sua influência. O Brasil não produz drogas, exceto pequena quantidade de maconha de má qualidade (os usuários preferem a paraguaia). Como rota para os principais mercados consumidores, é secundário se comparado aos países do norte do subcontinente. Mas por outro lado, o Brasil é o segundo maior consumidor de drogas do mundo, atrás apenas dos EUA.
Por conseguinte, o perfil do crime relacionado ao narcotráfico, no Brasil, não se assemelha ao de um país como o México, mas ao de um país consumidor, como os EUA; ou seja, está concentrado nos pontos de distribuição e venda. Esses pontos, no Brasil, são as favelas, abandonadas pela polícia e tornadas "zona liberada" desde os anos 80, começando com Brizola. É nas favelas que se encontram as bocas-de-fumo, os estoques e os arsenais dos traficantes, que recrutam ali sua mão-de-obra e constroem suas fortalezas. O domínio que estes exercem sobre as favelas é notório, mas por outro lado, não é concebível no Brasil haverem cidades inteiras e vastas áreas rurais dominadas por quadrilhas de narcotraficantes, como ocorre nos países produtores e roteadores, os quais fornecem mão-de-obra muito mais numerosa, diversificada e geograficamente distribuída, correspondente às numerosas fases de plantio, confecção e transporte das drogas, tudo evidentemente financiado por um influxo muito superior de dólares vindo dos principais mercados consumidores, enquanto os traficantes brasileiros são pagos em reais pelos compradores brasileiros.
Então, no Brasil, os narcotraficantes não dominam o país. Dominam as favelas. Já é uma desgraça, mas ao menos não é comparável a um país onde as quadrilhas possuem conexões com várias setores urbanos e rurais. Tampouco existem aqui estabelecimentos comerciais localizados em áreas "boas" das cidades pagando quantias a máfias, como acontece no sul da Itália; aqui, essa realidade ocorre somente nas favelas disputadas por narcotraficantes e milícias.
Mas temos em comum com o Equador a leniência da legislação criminal, que procura aliviar a superlotação das cadeias soltando os criminosos ao invés de construir mais cadeias, e tolera que elas sejam controladas pelas quadrilhas. Então, podemos não ser reféns do narcotráfico, menos mal. Mas somos reféns de todos os outros tipos de crime.
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