domingo, 9 de agosto de 2020

Que Fim Levou o Socialismo?

Nesses tempos de desalento, fica a impressão de que a utopia morreu. Se morreu, cumpre entender sua causa mortis. Refiro-me à utopia socialista, que embalou os sonhos de múltiplas gerações, e até quem não acreditava nela, achava-a bonita. Alguém ainda acredita nela? Há renitentes defensores, que mantém a fé sustentada por argumentos por toda a vida. Eu achei interessante essa entrevista do sociólogo Antônio Cândido, uma das últimas que ele concedeu antes de morrer. 
 
 "Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial (...) Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado"
 
Quando um aluno contrapôs que o capitalismo também tinha uma face humana, ele replicou:
 
"O capitalismo não tem face humana nenhuma (...) O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia"
 
A última afirmação de Antônio Cândido provocou curiosidade no entrevistador, pela aparente contradição. Ele explicou:
 
"[Porque] virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder"
 
Penso que o sociólogo encontrou a resposta, meio que sem querer. O socialismo só dá certo quando não é implantado, e permanece como utopia, eventualmente arrancando concessões do capitalismo. De fato, os únicos regimes socialistas que restaram no mundo foram aqueles que se abriram ao capitalismo, mesmo que em apenas algumas localidades restritas - o melhor exemplo é a China. Cuba vai pelo mesmo caminho: toda a liberdade ao capital, nenhuma ao indivíduo. Já a Coréia do Norte, por certo Antônio Cândido ficaria embaraçado se lhe pedissem apontar onde está a face humana ali, mas a Coréia do Norte é ponto fora da curva.
 
Mas afinal, como um regime pautado por tão nobres ideais, que reconhecidamente obteve grandes conquistas para os trabalhadores, pôde fracassar tão fragorosamente?
 
Isso o sociólogo não disse, mas minha convicção é que o capitalismo triunfou sobre o socialismo precisamente em razão daquilo que Antônio Cândido afirmou que ele não possuía - o rosto humano. Não me refiro ao rosto humano no sentido de bondade, mas de compatibilidade com a natureza humana, que é individualista. Ao contrário do socialismo, o capitalismo não foi uma criação de filósofos, mas surgiu da necessidade e da materialidade, espontaneamente. Algumas práticas capitalistas são tão antigas que existem a milênios, e outras são tão elementares que sobreviveram mesmo dentro dos regimes comunistas mais fechados. O capitalismo está sempre renascendo, como os tufos de relva que surgem pelas frestas das calçadas quebradas.
 
Enfim, é isso: o benefício não é tão bom quanto o salário, a igualdade não é tão boa quanto a liberdade, a segurança não é tão boa quanto a oportunidade. O mundo real é duro, mas como disse Andy Wharrol, ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife. E a utopia? Precisa existir, porque sonhar também faz parte da natureza humana. Mas convém não esquecer aquele ditado safado: nunca deseje demais uma coisa, você se arrisca a obter o que deseja...

Um comentário:

  1. Excelente artigo. Um dos melhores textos que li sobre a disputa entre Capitalismo X Socialismo. Parabéns!

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