“O índio mudou, está evoluindo, cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós. Então fazer com que o índio cada vez mais se integre à sociedade e seja realmente dono da sua terra indígena, é isso que nós queremos”
Indignada, a coordenadora publicou em seu twiter:
“Nós, povos indígenas, originários desta terra, exigimos respeito! Bolsonaro mais uma vez rasga a Constituição ao negar nossa existência enquanto seres humanos. É preciso dar um basta a esse perverso!”
Não é novidade que o presidente é descuidado com as palavras, isso quando não quer insultar mesmo. Mas não parece ter sido o caso desta vez. É preciso atentar para o que foi que ele quis dizer, e o que foi que a coordenadora entendeu. O índio é cada vez mais um ser humano como nós, ele afirmou. Então, antes o índio era cada vez menos um ser humano como nós, ou não era um ser humano? A meu ver, ser humano o índio sempre foi.
Mas não parece ter sido a dúvida quanto à natureza humana do índio a causa da indignação da coordenadora. O presidente nega a existência dos índios enquanto seres humanos, ela afirmou. Mas a afirmação do presidente não foi exatamente o contrário?
Cabe concluir que no entendimento da coordenadora, então, o índio é um ser humano, mas não um ser humano como nós. Querer enquadra-lo como uma pessoa comum seria negar a especificidade que lhe é atribuída. Não conheço Sonia Guajajara, mas posso perceber que ela é mais uma ativista bem sintonizada com os ideais globalistas disseminados por ONG´s, e pouco afeita à cultura ancestral dos índios. É sabido que desde o descobrimento, o índio brasileiro tem sido objeto de utopias e narrativas criadas por estrangeiros. A utopia do presente é essa criatura inventada pelos ambientalistas, o índio ecologicamente correto, que preserva aa florestas e as defende contra os destruidores. Quem entende o mínimo de povos nativos da floresta sabe muito bem que a preservação da natureza nunca fez parte da cultura ancestral destes povos. Ao contrário, a sobrevivência deles sempre dependeu de predar os recursos naturais, com caça, pesca e agricultura de queimada para os mais evoluídos. Quando os recursos naturais se esgotavam, eles se deslocavam para outro lugar. Simples assim.
Mas na visão dos ambientalistas, preservar as florestas significa deixa-las sob a guarda dos "povos originários", e não faltam representantes destes povos que aprenderam a mimetizar tal discurso e recebem o apoio das ONG´s, que lhes patrocinam viagens e auditórios. Na descrição destes ativistas, o índio seria uma criatura telúrica, parte mesmo da natureza com quem vive em harmonia. Preservar seu modo de vida original é sua única ambição e fonte de perfeita felicidade.
Essa mistificação está presente em muitas representações na literatura e no cinema, e não tenho necessidade de cita-las aqui. Mas nada tem de real, sob o ponto de vista antropológico. O modo de vida ancestral dos índios sempre foi extremamente danoso para a natureza, que só permaneceu preservada (em termos) porque as comunidades de povos da floresta eram muito pequenas e o dano que elas causava não chegava a ser significativo. Mas essas populações eram pequenas justamente em razão da inviabilidade intrínseca a seu modo de vida. Se a população crescia, a tribo tinha que se dividir e se deslocar, pois os recursos naturais rapidamente eram esgotados. Morria-se de fome, e pronto.
Mas como não sou tão inocente quanto a maioria dos ambientalistas, acredito que essa construção utópica tem propósitos outros. As ONG´s ambientalistas são todas originárias de países ricos, com alto índice de consumo da parte da população. A mensagem que passam aos pobres é essa:vocês são todos índios e têm que manter seu modo de vida original, para que NÓS possamos continuar com nosso modo de vida atual e manter nosso padrão de consumo sem colocar em risco o planeta. O índio (isso é, nós aqui) tem que viver como seus ancestrais, caçando e pescando, e deixar o resto do planeta para o usufruto dos países desenvolvidos. Penso vir daí a ideia fixa de muitos europeus e até alguns americanos, de olhar para nós e nos ver como índios. Nesse momento me vem à memória velhas fotos desbotadas da era vitoriana, mostrando os ingleses bem vestidos a contemplar os nativos batucando e dançando pelados.
O índio precisa, sim, livrar-se dessas representações utópicas que lhe têm sido imputadas desde que Rousseau criou o mito do Bom Selvagem, e assumir-se como um ser humano igual a nós. Digo assumir-se, pois ser humano ele sempre foi.