sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Entre o militarismo e o parlamentarismo

Após oito meses de governo, a impressão mais marcante até agora do presidente Jair Bolsonaro é de alguém pequeno cercado de personagens maiores do que ele. E esses personagens são, em sua maioria, militares.

O que isso significa? Estamos entrando em uma nova fase de militarismo no país? É nesses momentos de dúvida que se torna oportuno conhecer a História, a fim de buscar e estabelecer paralelos com etapas do passado que parecem análogas ao presente, cabendo analisa-las e discernir o que é cíclico do que é mero dejâ vu. Os militares têm se acercado do poder desde a proclamação da república, mas sempre como uma opção revolucionária. Os presidentes militares que chegaram ao poder por eleições, dentro das regras estabelecidas, foram apenas dois e mostraram-se figuras apagadas. De resto, o último período de militarismo no país, para além da retórica anti-esquerdista, mostra pouca semelhança com o atual. Em 1964 havia uma grande expectativa de que os militares iam "consertar o país", varrendo a corrupção e a subversão. O movimento que depôs Goulart foi por muitos considerado, de fato, uma revolução, cabendo prolongar-se e deixar mudanças perenes. Sob esta óptica, os militares da época viam sua chegada ao poder não apenas como uma missão de combater a subversão, mas também a oportunidade de implementar um projeto desenvolvimentista. Ironicamente, essa propensão tornava-os mais afins do PT do que do governo atual de Bolsonaro, o qual se opõe formalmente ao desenvolvimentismo nacional-estatista e propõe o encolhimento do estado.

Na prática, o desenvolvimentismo dos militares de 1964 não era diferente do modelo anterior, oscilando entre uma vertente "nacionalista" (Vargas, Geisel) e uma vertente "entreguista" (Castelo Branco, Kubitschek). Fez sucesso nos anos 70, mas esboroou-se na década seguinte. O fracasso econômico final minou o prestígio dos militares como governantes superiores aos civis, e eles eclipsaram-se nas décadas seguintes, só voltando ao protagonismo com a última eleição. Assim encerrou-se um ciclo. Mas voltando ao início do ciclo, lá nos primórdios de século anterior, é preciso identificar qual fator elevou o prestígio dos militares e apontou-os como solução política. Esse fator foi a crença de que, em razão de não estarem vinculados a partidos e sim ao país, os militares estariam investidos de um papel de Poder Moderador, cabendo-lhes intervir nos momentos em que os poderes constituídos entrassem em conflito. Enquanto os militares exercessem essa função, o país estaria livre de impasses sangrentos e guerras civis.

A menção a um Poder Moderador reporta a outra figura histórica, o imperador Pedro II, que esteve formalmente investido deste poder tal como foi definido na constituição de 1824. Não há nenhuma semelhança entre a pessoa do ex-imperador e o atual presidente, exceto um detalhe circunstancial: Pedro II também esteve cercado, a maior parte da vida, por figuras politicamente mais influentes do que ele próprio. Assumiu o trono aos quinze anos, e por certo que meninos de quinze anos não são colocados no poder para mandar, mas para serem mandados. Em tese, seus poderes eram amplos - a constituição de 1824 não instituía um regime parlamentarista, posto que não havia nenhuma obrigatoriedade do imperador nomear um ministério obedecendo à maioria da câmara, tanto que convencionou-se chamar o regime monárquico brasileiro de parlamentarismo às avessas: primeiro o imperador indicava o presidente do Conselho de Ministros, e este indicava os nomes que o legislativo devia aprovar. Na prática, porém, o imperador tendia a referendar a corrente majoritária no momento, de modo que o regime gradualmente tornou-se parlamentarista de facto. A facilidade com que o idoso monarca foi descartado ao final de seu governo mostra bem como ele já era, então, uma figura já de todo esvaziada de poderes. Coube aos militares dar o empurrão final.

Podemos ver, então, estabelecida uma regra histórica: sempre que o chefe de estado se torna menor do que aqueles que o cercam, o país tende a se encaminhar, ou para o parlamentarismo, ou para o militarismo. A alternativa é o chefe de estado exercer uma espécie de poder moderador, do contrário se revelará descartável. O que fará Bolsonaro? Irá se eclipsar voluntariamente, e deixar o governo ser conduzido pelos que o cercam? Terá a sabedoria de moderar as correntes a sua volta que disputam o poder? Acabará simplesmente descartado, e será substituído pelo vice? Ou assumirá por fim as rédeas do governo com autoridade?

Aí já não temos que olhar para o passado, mas para o futuro.

4 comentários:

  1. Mais um ótimo texto. Quem não tem consciência histórica, tem consciência histérica.

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    1. Exato! A consciência histérica garante o aplauso daqueles que também são histéricos, mas a consciência histórica é mais custosa de se obter.

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  2. A impressão que eu tenho é que Bolsonaro não esperava chegar ao poder. A coisa foi num crescendo, e quando ele se deu conta não podia mais voltar atrás. se ele resolver administrar o país como administra a língua dos filhos, estamos perdidos...

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    1. Tenho essa mesma impressão. Bolsonaro é como um surfista iniciante que foi levado por uma forte corrente e acabou no meio de ondas que não sabe surfar. Agora, ou aprende a agir politicamente, trabalha mais e fala menos, ou será mais um papelão em nossa história,

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