sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Para os historiadores do futuro explicarem

A História só pode ser devidamente apreciada com um mínimo de distanciamento no tempo. Como se diz, não se pode contemplar uma catedral estando dentro dela. E um fenômeno que os historiadores do futuro terão que explicar é a queda do PT, o partido dos trabalhadores que dez anos atrás exibia ampla aprovação, mas terminou rejeitado por esses mesmos trabalhadores.

Já dei minha opinião a respeito em outras oportunidades. Mas uma coisa que sempre me chamou a atenção é a capacidade de certas figuras populares, intelectualmente rasas, de sintetizar em poucas palavras a explicação para um fenômeno que os intelectuais não conseguem ou não querem explicar. Nesse artigo do Jornal GGN, intitulado o Povo Quer as Milícias no Poder, o rapper Mano Brown assim criticou o PT:

Deixou de entender o povão, já era. Se é Partido dos Trabalhadores, tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e vai procurar entender

Ele disse o mesmo que eu já repeti tantas vezes: o principal motivo do divórcio entre o Partido dos Trabalhadores e o trabalhador foi a negligência com a questão da segurança pública, que é a preocupação número um do povo das periferias assoladas pelo crime. Mas como um partido que sempre se disse antenado com o povo pôde ignorar uma demanda tão óbvia?

No mesmo artigo, a socióloga Angelina Peralva ressalta que a violência no Brasil se acentuou no período pós-ditadura. De fato, ela já vinha em ascensão durante a ditadura, negligenciada pelos militares, mas foi mesmo nos anos 80 que deu um salto. E esse salto está diretamente ligado à ascensão de governos de esquerda, sendo o exemplo mais notável Leonel Brizola no Rio de Janeiro. Como se sabe, Brizola proibiu a polícia de subir aos morros, e em consequência os traficantes se armaram e passaram a dominar seus territórios como um exército de ocupação. Em resposta, a população se cotizou para pagar guardas particulares, geralmente policiais ou ex-policiais, que depois se tornaram as milícias.

Como isso foi possível?

O equívoco fundamental, a meu ver, foi a própria abordagem da questão da segurança por parte dos petistas, em sua maioria indivíduos egressos de meios intelectuais sem contato com o povo nas ruas. Foi dado ao fenômeno da criminalidade uma leitura de luta de classes, sob a óptica marxista - por conseguinte, reprimir os criminosos é reprimir o povo. A abordagem marxista não enxerga o indivíduo, apenas a classe social. Como tanto os marginais quanto os trabalhadores pertencem à classe dos proletários, então, julgam os petistas, eles são a mesma coisa, e devem merecer o mesmo favor. Isso vai diametralmente contra o enfoque que o povo das periferias tem a respeito de si próprio e dos marginais: a dicotomia Trabalhador X Vagabundo. Uma vez que habita as mesmas paragens que os marginais, o trabalhador fica indefeso contra eles, exceto se contar com as milícias. Natural que busque apoio em quem promete dureza no combate ao crime.

Essa substituição dos trabalhadores pelos marginais, aqueles a quem Marx denominava o lúmpen-proletariado, na verdade vem desde o fim da luta armada, que não teve o apoio dos trabalhadores. O proletariado não ingressava na guerrilha, mas em contrapartida, as favelas cresciam. Daí que a esquerda foi buscar seu novo público entre esses lúmpens, aí entendidos não só como os marginais, mas como todo grupo de indivíduos desajustados e inconformistas. Isso escandalizou o povo das periferias, profundamente conservador, que correu para os pastores evangélicos e selou de vez o divórcio com o PT.

Frequentador que sou de forum´s da internet, chama-me a atenção, também, a resistência dos petistas em admitir seu equívoco. Isso se deve, a meu ver, ao DNA revolucionário do PT. O tópico foi debatido nesse artigo, também do Jornal GGN.

É certo que o PT nunca foi, formalmente, um partido revolucionário, como era o antigo pecebão. Mas foi constituído desde o princípio por elementos oriundos de movimentos revolucionários. O revolucionário não é igual ao político, eles não se vê como participante de um jogo onde pode ganhar ou perder, tampouco como porta-voz de demandas populares avulsas. Ele se vê como portador de uma verdade excelsa e definitiva, um sistema de ideias coerente e completo que deve substituir o que está aí, e iniciar uma nova etapa histórica onde será hegemônico - para ele não existe A ou B, mas Certo ou Errado. É a mesma atitude do pregador de uma nova religião. O profeta não pode admitir estar errado, ou perderá sua legitimidade.

E religião por religião, isso os pastores evangélicos sabem fazer melhor.

3 comentários:

  1. Um bom artigo.
    Acho importante lembrar que os Pastores Evangélicos apoiaram o PT por uma década, impulsionados pela Teologia da Prosperidade. Porém a crise fez os Evangélicos se tocarem que o PT odeia eles e quer que eles desapareçam e no fim da agenda cultural e economica de ambos não encontra solo comum.

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  2. Eu moro numa rua aqui em Belém, e aqui na minha rua é um dos lugares mais seguros da cidade. Sabe por que? Porque pagamos nossa segurança. E tem uma sede do Jogo do Bicho aqui também. Um crime é um evento notável, de tão raro que é.

    Me sinto mais seguro aqui que eu me sentia no centro da cidade, onde eu morava.

    E o motivo pelo qual o "discurso de exterminio" é popular é... porque funciona. Morto não rouba, não estupra, não mata. Matar criminosos diminui o crime, quanto mais matar, menos diminui. O estado não consegue manter preso, se é assim é melhor matar mesmo.

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    1. Mas já diziam os romanos, Qui Custodit Custodiaem? Quem nos defenderá de nossos defensores? Moradores de bairros ricos podem contratar serviços de segurança profissionais, mas os pobres contratam pistoleiros que se transformam nas milícias, extorquindo o povo. Foi assim que a máfia italiana começou. Ironicamente, o primeiro negócio da máfia foi o combate ao crime.

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