Uma das principais vantagens de se pesquisar História é ter
embasamento para prever o futuro. Se a reconstituição de fatos passados é
sempre imperfeita devido à impossibilidade de ter em mãos todos os documentos,
a previsão de fatos futuros será sempre imperfeita devido à impossibilidade de
se observar todos os fatores intervenientes. Mas saber o passado dá boas dicas.
Em minha última postagem eu comentei que a História não
termina, mas pode repetir-se em um ciclo sem fim, como um rolo de filme que
sempre é recolocado. A impressão que tenho é que isso está acontecendo agora. A
única coisa que me parece certa, aliás duas coisas, é que o bipartidarismo PT /
PSDB esboçado desde o Plano Real abortou, e que a fase histórica iniciada pela
constituição de 1988 chegou ao fim. O que virá em seguida?
O PT, apeado do poder pelo impedimento de Dilma, apegou-se à
narrativa do golpe. Segundo repetem sem para, teria havido um golpe em 2016,
tal como houve um golpe em 1964, portanto o regime constitucional atual não é
mais válido, o presidente em exercício não é legítimo, nem tampouco o será o
próximo presidente, posto que uma eleição sem Lula é uma fraude. Quando se
contesta as regras do jogo, a única alternativa é virar a mesa por meio de uma
revolução. Mas o PT tem força para fazer uma revolução? Ninguém concordará com
essa assertiva no momento atual. É verdade que, como dizem, a revolução não
avisa quando vai acontecer, e há muitos exemplos de revoluções que eclodiram em
momentos inesperados. Mas também há muitos exemplos de revoluções que não
aconteceram desafiando as previsões. Ao pactuar com os demais partidos para
exercer o governo em 2002, o PT descaracterizou-se. Após o escândalo do
mensalão, caíram vários líderes históricos e o PT ficou dependendo
exclusivamente do carisma de Lula, que funcionou bem por bastante tempo. Mas
agora Lula está preso, e mesmo se não estivesse, já está no fim de sua vida
pública e mesmo no fim da vida propriamente dita, e o PT não formou nenhum
outro líder de estatura minimamente semelhante.
O PSDB perdeu o bonde da História. Após o sucesso do Plano
Real, teve a chance de ocupar no espaço político a posição de defensor do
liberalismo econômico, mas com a má repercussão do anúncio de Fernando Henrique
de que pretendia acabar com a Era Vargas, recuou. Receando o repúdio do
eleitorado, repudiou seu legado e tentou retornar a suas origens
social-democratas, mas este espaço já estava ocupado pelo PT com muito mais
competência. Hoje não tem a oferecer senão os mesmos candidatos que já foram
derrotados em eleições passadas, e que provavelmente serão derrotados de novo.
O PMDB está no poder na pessoa do presidente Michel Temer,
mas é como se não estivesse. Medíocre e sem respaldo popular, Temer nunca
deixou de ser um interino. O país só voltará a ter um presidente efetivo, seja
ele qual for, após a próxima eleição. O PMDB há 20 anos acomodou-se aos
conchavos, ao loteamento de cargos, e não mais ambicionou a liderança. Natural
que não tenha mais líderes com um mínimo de carisma, nem candidatos com um
mínimo de apelo ao eleitorado.
Estando os grandes partidos nacionais em crise, o espaço
fica aberto para os partidos nanicos e seus conhecidos aventureiros. A partir
daí podem ser considerados um certo número de cenários possíveis após a eleição
presidencial deste ano.
Primeiro, o PT vence, com Lula, ou com alguém apoiado por
Lula. Resta saber se irá se manter coerente à narrativa do golpe que tem
propalado até agora, não reconhecendo a validade da ordem constitucional
supostamente subvertida pela ação golpista, e partindo para uma reforma
política revolucionária, destituindo todos os agentes da mídia, da polícia e do
judiciário supostamente responsáveis pelo golpe. Como certamente não obterá
ampla maioria no legislativo, uma ação assim só será exequível se houver grande
agitação popular comparável àquela que precedeu a subida de Hugo Chávez ao
poder na Venezuela. Altamente improvável. A outra alternativa seria o PT
esquecer a narrativa do golpe, aceitar as regras atuais e compor uma nova
coalizão com as demais forças políticas. Mas o cenário atual é bem menos
otimista que o de 2002. Enfraquecido, o PT permaneceria refém dos partidos de
centro sem projeto. Ou ainda, o PT perde, desiste da política parlamentar e
retorna a suas origens militantes, aos sindicatos e movimentos sociais,
ocupando papel que hoje é exercido pelo PSol.
Segundo, vence outro partido de esquerda lançando um
candidato já conhecido. Nenhum deles tem o carisma de Lula. Carecendo de apoio
popular ou parlamentar, o destino será permanecer refém daquela massa de
políticos sem ideologia nem projetos, e o país continuará no imobilismo atual.
O mesmo destino terá um eventual candidato do PSDB ou do PMDB que sair
vencedor: sua escolha será vista pelo eleitorado como um mal menor, a fim de
evitar a vitória de um candidato radical. Penso que mesmo um candidato
“alternativo”, tipo Marina Lima, não terá destino diferente: sem luz própria,
dependerá da maioria parlamentar.
Terceiro, vence Jair Bolsonaro. Este tem luz própria e
empolga uma fatia do eleitorado, mas seu discurso até agora tem sido populista
e pouco razoável. Aí se abrem duas hipóteses. Bolsonaro pode se manter fiel às
promessas de campanha e partir para o choque contra as esquerdas. Mas as
esquerdas, no momento atual, não têm sua cidadela na política, mas nos
movimentos sociais, notadamente aqueles que praticam o chamado marxismo
cultural, defendendo minorias desajustadas. Não há mais subversivos nem
guerrilheiros. O enfrentamento ficará mais no terreno retórico dos factóides, e
contribuirá para desgastar Bolsonaro, já que aquilo que o eleitorado realmente
almeja é a volta do crescimento econômico. Ao termo, ou Bolsonaro acabará
impedido, repetindo o roteiro de Collor, ou será reduzido a uma caricatura de
Donald Trump. A outra hipótese será Bolsonaro abandonar o discurso extremista e
tentar fazer um governo pragmático, dedicado a recuperar a economia e trazer a
volta do crescimento. Mas Bolsonaro até agora não demonstrou grande interesse
pela economia. Resta saber se obterá sucesso nessa área, ou se fará um governo
de austeridade feijão-com-arroz, que suscitará saudades dos bons anos de Lula e
abrirá o caminho para um futuro governo de esquerda, repetindo o roteiro do
segundo governo de Fernando Henrique.
Quem viver, verá.
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