quinta-feira, 3 de maio de 2018

O bipartidarismo abortado

Houve um momento em que se pensou que o país ia entrar em uma era de bipartidarismo na política. O PSDB havia governado por dois mandatos consecutivos, sem maiores percalços. Em seguida o PT, assumindo a mesma linha social-democrata mais à esquerda, governou por mais dois mandatos consecutivos, mantendo o legado macroeconômico da gestão anterior e obtendo consistente aprovação popular. Parecia que finalmente tínhamos dois partidos capazes de se alternar no poder sem grandes solavancos. Mas a partir da gestão de Dilma Rousseff, a velha instabilidade retornou. O PT foi apeado do poder, e o PSDB permaneceu fora.

Pelos exemplos que a História fornece, o bipartidarismo é um bom negócio. Característico de democracias antigas e consolidadas, podem ser citados os partidos conservador e trabalhista na Inglaterra, e os partidos democrata e republicano nos EUA. Aqui no Brasil, tivemos os partidos liberal e conservador no tempo do império, e a dupla PRP e PRM da república café-com-leite. Muitos consideram o bipartidarismo uma forma de democracia limitada e viciada, e isso faz um certo sentido, mas a verdade é que, observando-se os lugares onde o bipartidarismo não se estabeleceu, ao invés de uma democracia pujante o que se vê em geral é a bagunça de uma mixórdia de partidos fracos, onde se destacam líderes personalistas e aventureiros. Vejo com pesar o lançamento fracassado do bipartidarismo no Brasil, mas é preciso antes de tudo recuar no tempo e entender porque chegamos a isto.

O último período bipartidário do país, conforme apontado, data da República Velha. Após a constituição de 1946, o que surgiu de fato foi um sistema tripartite: à esquerda o PTB, à direita a UDN, e no centro o PSD fazendo alianças e vendendo o seu apoio sem grande pudor. Ao redor, uma constelação de partidecos pequenos demais para almejar o poder, mas numerosos o suficiente para se imiscuir e produzir resultados inesperados, bem como servir de legenda a líderes personalistas que queriam governar acima dos partidos - a eleição de Jânio Quadros foi o melhor exemplo. A queda do regime em 1964 enfatizou a debilidade do sistema tripartite. Seguiu-se uma etapa de bipartidarismo nominal - a Arena e o MDB. Mas não passou de um simulacro. O regime de 1964 não era regido de dentro dos partidos, mas de dentro dos gabinetes. Arena e MDB não eram estritamente partidos políticos, mas valas comuns onde foram atirados os destroços do sistema político estilhaçado pelos militares que assumiram o poder em 1964. Tão logo o regime deu sinais de fraqueza, ambos fragmentaram-se.

O que veio a seguir foi um período de instabilidade, onde as forças políticas implodidas acomodavam-se em novas legendas. Por breve período no tempo de Sarney, o PMDB chegou a ser hegemônico, mas após a morte de Ulysses Guimarães, revelou-se um partido sem líderes nacionais, apto apenas a vender o seu apoio, como o antigo PSD. A proliferação de legendas nanicas e aventureiros como Collor enfatizava a extrema decomposição do quadro partidário. Foi quando o PSDB começou a dar sinais de possuir uma linha política coerente, e o PT substituiu sua linha revolucionária pelo pragmatismo. Enfim, dois partidos socialdemocratas capazes de se alternar no poder sem uma ruptura política.

Por que falhou? Posse tecer alguns comentários. Desde o início, eu estranhei a extrema hostilidade entre o PT e o PSDB, apesar da óbvia semelhança da linha ideológica de ambos. Bem como estranhei a timidez do PSDB, que preferiu renegar seu legado de responsabilidade econômica fundado no Plano Real, estigmatizado como "neoliberalismo", e procurar retornar tardiamente à social-democracia das origens. Mas o espectro social-democrata já estava ocupado pelo PT, ex-revolucionário. O resultado foi que perdeu todas as eleições: quem vai querer a cópia se pode ter o original? Hoje o PT é um partido batido, e o PSDB um partido desmoralizado. No vão aberto pelo bipartidarismo abortado, imiscuem-se aventureiros e arrivistas. Nunca o futuro político do país foi tão incerto.

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