quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

A Desindustrialização do Brasil

Todos aqueles que se formaram, como eu, no último quarto do século passado, acostumaram-se com a dicotomia País Industrializado X País Agrícola sinônimo de Desenvolvido X Subdesenvolvido. Desde Vargas, os governos divergiam em tudo, e só concordavam com a meta: o país devia se industrializar. Isso era ponto pacífico. Variadas políticas foram implementadas em prol da industrialização, com resultados mais ou menos eficazes, mas de modo geral passamos a ver o crescimento da parcela do PIB nacional derivado da indústria como uma tendência inexorável, embora este índice ainda estivesse longe de nos colocar no rol dos países ditos industrializados.

É com inevitável perplexidade que contatamos, nesse quarto inicial do novo século, que o país na realidade está se desindustrializando: a fatia do PIB nacional derivada da indústria de transformação tem caído ano após ano. Esse setor já representou 35% de nosso PIB e hoje não é mais que 12%. De fato, como mostra esse estudo do economista Ha-Joon Chang, o Brasil vive a maior desindustrialização da história da economia.

Onde foi que falhamos? Por que esse quadro, após havermos sido um dos campeões mundiais de crescimento econômico no século passado? Ha-Joon Chang tenta algumas respostas. Explica que os países hoje desenvolvidos iniciaram sua industrialização com base no que Alexander Hamilton, primeiro secretário de tesouro dos EUA, defendeu como o argumento da indústria nascente. Do mesmo jeito que mandamos nossas crianças para a escola ao invés do trabalho quando são pequenas, afirma ele, e as protegemos até elas crescerem, os governos de economias emergentes têm que proteger suas indústrias até que elas cresçam e possam competir com as indústrias de países ricos.

Mas não foi exatamente isso que fizemos?

Ha-Joon Chang é sul-coreano, e portanto deve uma explicação de como seu país conseguiu sólida industrialização em tão pouco tempo, constituindo-se um modelo de sucesso junto ao terceiro mundo. Por aqui, acostumamos-nos a apontar a Coréia do Sul como o oposto do Brasil: aquele que foi bem sucedido onde falhamos. No Brasil teria havido uma excessiva dependência da indústria nascente para com o Estado, enquanto lá desde cedo as indústrias tiveram que competir no mercado global. Mas uma análise mais detalhada mostra que há mais semelhanças do que diferenças entre os modelos coreano e brasileiro. Lá também houve pesada interferência do Estado e muito protecionismo. Esse é o ponto mais destacado na argumentação de Ha-Joon Chang, que critica os países desenvolvidos por condenarem o protecionismo nos países pobres após eles próprios haverem se desenvolvido graças ao protecionismo. Afirma ele, os países ricos estariam "chutando a escada", após haverem subido por ela. Esse aliás é o título de um de seus livros. Chang lamenta que após a crise de 1997 seu país aderiu aos ditames "neoliberais", e se antes crescia a 7% ou 8% ao ano, agora não cresce a mais de 3%.

Quanto a mim, careço de informações mais abundantes, mas parece-me irracional que os coreanos sejam tão idiotas a ponto de manterem por 20 anos um modelo tão ineficiente ao invés de retomar o modelo antigo muito mais eficiente. A explicação deve ser outra. A crise de 1997 deve ter representado o esgotamento de um modelo. De fato, altos índices de crescimento são esperados nos primórdios da industrialização; afinal, onde há uma fábrica e se constrói mais uma, o crescimento é de 100%, certo? E um índice na faixa de 3% é normal em países já desenvolvidos. Penso, então, que a desaceleração do crescimento da Coréia do Sul meramente indica aquilo que o senso comum já percebeu: a Coréia do Sul tornou-se mais um país desenvolvido.

E o Brasil? Pondo de lado rótulos bipolares como "neoliberalismo" e "protecionismo", e rebuscando minhas próprias memórias, recordo-me que o momento em que o percentual da indústria no PIB atingiu seu auge de 35% correspondeu ao pior momento de nossa economia: foi nos anos 80, a década perdida, em meio à inflação e ao desemprego. No momento atual esse percentual caiu para 12%, mas ninguém dirá que estamos pior hoje do que em estávamos nos anos 80 do século passado. Ao menos não no ponto de vista social. Também estamos em recessão, mas o desemprego e a inflação não se comparam ao que eram naquela época. E deve ser lembrado que a tendência de queda do percentual da indústria no PIB é anterior à presente recessão.

Então, afinal, talvez o fenômeno da desindustrialização não seja algo tão ruim assim. Deve ao menos ser entendido melhor, e observado que também ocorre em países desenvolvidos: mesmo os EUA estão se "desindustrializando" em alguns setores, exportando suas fábricas para países pobres. O modelo de "país industrializado" hoje em dia é a China, com sua indústria de mão-de-obra intensiva e baixa qualidade, que apesar de seus altos índices de crescimento, ainda apresenta um PIB per Capita inferior ao do Brasil. De fato, a tendência nos países ricos é o encolhimento do setor secundário (indústria) e concomitante crescimento do setor terciário (serviços), tal como no século 19 o setor secundário cresceu com o correspondente encolhimento do setor primário (agricultura). Pode estar havendo fenômeno similar aqui?

Em alguma medida, pode. O setor terciário também cresce entre nós. E note-se que apesar do encolhimento da indústria e crescimento da agricultura no percentual do PIB, isso NÃO significa que nosso setor primário esteja voltando a crescer. O número de brasileiros que trabalha no campo só tem diminuído. Isso denota que o crescimento da fatia da agricultura no PIB não se deve somente ao encolhimento da indústria, mas ao crescimento em termos brutos de nossa agricultura, que hoje é muito mais moderna e produtiva. É melhor ter uma agricultura moderna do que uma indústria ultrapassada? O ideal, sem dúvida, é modernizar ambos, mas no século passado assistimos a sucessivos surtos de industrialização puxados por incentivos do Estado, que refluíram tão logo cessaram esses incentivos. A indústria naval e a informática são exemplos. Se tenho saudades dos computadores nacionais dos anos 80, os piores e mais caros do mundo? Com certeza não. Mas se nossos empreendedores ainda estão sonhando com a revogação da abertura dos portos de 1808 e a volta do velho mercantilismo colonial, quando todo empreendimento só se fazia com o aval do rei, que concedia monopólios a seus protegidos, então o melhor é que vão mesmo plantar batatas.

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