terça-feira, 29 de agosto de 2017

O Populismo, Ontem e Hoje

Um termo que é sempre atual no Brasil, e de fato, em toda a América Latina, é o populismo. Seja qual for a época, este epíteto sempre gruda em determinadas personagens ou facções, e tornou-se tão usual a ponto de ser reconhecido como patrimônio cultural de nossa política, mesmo que tenha inequívoca conotação pejorativa. A onda de governos de esquerda iniciada com a ascensão de Hugo Chavez na Venezuela em 1998 foi chamada de neo-populismo, mas será que o novo populismo é igual ao antigo? A dificuldade em responder a esta pergunta deve-se a esse termo pertencer àquela categoria das palavras cujo sentido muda com o tempo e se enquadra no contexto de cada época e no posicionamento ideológico do interlocutor. A conceituação correta só pode ser obtida por quem se disponha a voltar às origens e acompanhar a evolução do próprio conceito.

Atualmente, "populismo" denota um estilo peculiar de fazer política, no qual um líder carismático se dirige pessoalmente às massas sem a intermediação de instituições, prometendo levá-las ao poder e livrá-las de uma situação de desfavorecimento e opressão. É particularmente associado aos ambientes urbanos e aos operários. No entanto, esse líder é frequentemente apontado como um enganador, e o termo assume uma conotação de demagogia e caudilhismo. Deve ser lembrado que o populismo não possui engajamento ideológico, já que trata-se de um estilo e não de uma corrente política, havendo tanto o populismo de esquerda, mais comum, quanto o de direita. Historicamente o populismo tem sido olhado com desconfiança por tanto por um quanto o outro, taxado de conciliação de classes pelos esquerdistas e de engodo pelos direitistas. Mas não era assim quando o termo foi usado pela primeira vez, no século dezenove.

Os narodniks, ou populistas russos, surgiram entre as décadas de 1860 e 1870. Eram intelectuais militantes, membros das classes médias que cultivavam uma utopia de retorno à vida no campo para ali arregimentar prosélitos e derrubar o governo czarista. Não obtiveram sucesso, pois não houve empatia entre eles e os verdadeiros camponeses, e seriam posteriormente desprezados pelos comunistas como burgueses sonhadores, mas em sua época lançaram conceitos que foram encampados pelos comunistas e alguns perduram até hoje, como a noção de democracia direta e a criação de comunas rurais.

Ainda no final do século dezenove, a designação "populista" seria apropriada pelo People´s Party nos EUA, o qual, inicialmente agregando fazendeiros descontentes, mas depois aproximando-se do movimento trabalhista com forte discurso anti-capitalista, viria a dar a feição urbana e operária que marcaria o populismo a partir do século vinte. Foi com essa feição que o populismo entrou na política latino-americana a partir dos anos trinta, impulsionado pela tríade urbanização, industrialização e necessidade de romper com o patronato rural até então dominante. Desde então o populismo tem sido um fenômeno latino-americano por excelência.

Coisa tão recorrente em nossa História, por certo que devemos conhecê-lo bem e, certo ou errado, aceitá-lo como parte de nossos costumes políticos e objeto das aspirações do povo. Mas o populismo não teve sempre o mesmo significado em todas as épocas. Geralmente de conotação pejorativa, termo usado para desqualificar o adversário nos debates, houve um tempo em que o populismo foi considerado uma etapa necessária para fazer o país saltar do passado ao presente. Esta época áurea ocorreu em meados do século 20, a partir dos anos 30, tempo de intensa urbanização e industrialização nos países latino-americanos, o que enfraqueceu as elites tradicionais e colocou em cena novos atores políticos e econômicos, em especial o nascente proletariado urbano. Foi o tempo em que surgiram os "bons" líderes populistas, que são até hoje os ícones desta corrente: Perón na Argentina, Vargas no Brasil, Lázaro Cárdenas no México, Velasco Ibarra no Equador entre outros. Cada um com suas características próprias, mas tendo em comum o distanciamento das elites agrárias tradicionais, com o fortalecimento de sua autoridade pessoal; a aproximação ao proletariado, com a criação de benefícios e de uma legislação trabalhista; o crescimento da máquina do Estado, cooptando a burguesia nacional; o dirigismo, o nacionalismo, a criação de empresas estatais e a restrição ao capital estrangeiro.

Na época, os que se opunham a esses líderes eram em geral os setores mais reacionários, remanescentes das antigas oligarquias agrárias. Os socialistas viam-nos com suspeita, em razão de sua origem burguesa e de sua postura paternalista que não dava espaço às lideranças operárias genuínas, mas reconheciam que bem ou mal, era um modo de tornar os trabalhadores partícipes da política, algo que nunca havia acontecido até então. Parecia uma coisa boa, ou pelo menos necessária à etapa histórica que o país vivia. Contudo, as ligações desses líderes nacionalistas com setores de esquerda radical tornou-os alvos da desconfiança dos conservadores e dos próprios esquerdistas, que temiam ser cooptados, e a crise resultante levou a alguns desenlaces violentos, com a implantação de ditaduras. A época áurea do populismo foi também uma época de instabilidade e violência.

Ao final do século vinte, com a crise da dívida e a explosão inflacionária na maior parte da América Latina, o modus operanti do populismo parecia uma etapa superada. Uma nova geração de políticos pragmáticos deu início à abertura da economia e ao desmonte do Estado protecionista que se tornara excessivamente oneroso. No Brasil, Fernando Henrique Cardoso com seu Plano Real foi o representante máximo desta corrente, e chegou mesmo a declarar seu projeto de "superar a Era Vargas". Estas palavras, contudo, foram muito mal recebidas e consideradas bravata, mostrando o quanto o populismo varguista ainda estava enraizado no imaginário popular. Apesar dos êxitos obtidos na economia, a nova geração de pragmáticos recuou em seus propósitos, temendo o rótulo de neoliberal, e acabou dando um novo alento ao populismo, paradoxalmente reforçado pela estabilização econômica que eles próprios haviam promovido, mas também impulsionado por uma conjuntura favorável na primeira década do século 21, em particular a alta do preço do petróleo e outras commodities.

O ícone máximo do período foi Hugo Chávez na Venezuela. Na Bolívia Evo Morales, na Argentina o casal Kirshner, no Brasil Lula. Durante algum tempo pôde-se discutir se seria um fenômeno novo ou apenas a reedição do velho populismo latino-americano, mas a curta duração do ciclo, abatido em cheio pela crise do final da década, comprovou a segunda hipótese e deixou claro que o populismo está definitivamente superado e não funciona mais no mundo globalizado do século 21. O populismo ainda viceja em outras partes do mundo, até nos EUA com a eleição de Trump, mas na América Latina é duvidoso que venha renascer ainda outra vez. O desencanto da população parece definitivo. Em sua última aparição, mostrou traços caricatos que sinalizam de maneira inequívoca sua decadência - é a história repetindo-se como farsa. De fato, a carreira do líder populista da atualidade, seja ele de esquerda ou de direita, ou ainda um religioso, assemelha-se cada vez mais à carreira de um animador de programa de auditório, ou de um pastor televisivo. Hugo Chávez, seu representante máximo, não contente em parecer um animador de programa de auditório, criou para si próprio um programa de TV.

Entretanto, não há ainda sinal algum do que virá suceder o populismo.

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