sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Saudades do nacional-estatismo

Nesses tempos de desalento em relação ao cenário econômico, em forte contraste com a euforia que reinava nos mandatos de Lula apenas dez anos atrás, tenho observado a profusão, nos forum´s que frequento, de dois tipos de artigos: as teorias conspiratórias e o saudosismo do modelo econômico pré-Real. Um bom exemplo está nesse artigo aqui de André Araújo. Muitos falam com nostalgia dos tempos em que o país crescia a altas taxas puxado por investimentos do estado, e culpam os paradigmas modernos, como a austeridade fiscal e o controle da inflação pelo fim do ciclo de prosperidade e pleno emprego. Afirmam, até, que a inflação seria benéfica e mesmo indispensável ao crescimento, e que o controle da inflação seria coisa do interesse de minorias de rentistas que nada fazem de produtivo para o país.

Quanto às teorias conspiratórias, a psicologia explica: o desalento atrai para o mundo da fantasia. Quanto à nostalgia em relação ao nacional-estatismo, essa é para se preocupar. Pois esse modelo um dia fez sentido, e rendeu frutos, justificando a saudade. Do início do século 20 até 1980, o crescimento acumulado do Brasil só foi inferior ao do Japão. O que, como sabemos, não nos conduziu ao primeiro mundo nem diminuiu a desigualdade, mas em todo caso, parecia ser esse o caminho a ser trilhado. Esse modelo, conhecido genericamente como desenvolvimentismo e mais precisamente como nacional-estatismo, foi estabelecido por Vargas nos anos trinta, ao submeter as oligarquias regionais ao comando de um estado central forte e planejador. Foi continuado por Juscelino Kubitschek, levado ao auge pelos militares nos anos setenta, e esgotou-se nos anos oitenta. Oscilava entre um viés "nacionalista", centrado em empresas estatais (Vargas, Geisel) e um viés "entreguista", que procurava atrair empresas multinacionais (Kubitschek, Castello). Uma característica, entretanto, foi constante: o crescimento da inflação.

Na realidade, a inflação era componente essencial do modelo econômico, pois tratava-se da real fonte de receita para os altos gastos do governo necessários ao fomento do crescimento acelerado. Funcionava como um imposto invisível, com a vantagem de poder ser criado prescindindo da aprovação do parlamento. Bastava emitir mais moeda que a mágica estava feita: os rombos das contas do governo eram cobertos e a fatura ia para a população, que a pagava com a perda de seu poder aquisitivo. Parecia um sacrifício necessário, afinal o país cresceu, obras foram feitas e empregos foram gerados. O efeito secundário foi incutir na mente de muitos a ideia de que a inflação é necessária ao desenvolvimento, e portanto quem combate a inflação é inimigo do povo e age por interesses inconfessáveis.

Mas os que elogiam os bons tempos do crescimento com inflação parecem ter apagado de sua memória toda a década de 80. É como se em 1994 o país estivesse com a economia em plena carga, construindo estradas e refinarias, até que veio o Plano Real e acabou com tudo aquilo. Esquecem-se de que a inflação foi companheira da recessão durante toda a década de 80, que representou a derrocada de um modelo que parecia fazer sentido no tempo em que o país era jovem e tinha baixa carga tributária, mas é totalmente inviável no país atual com déficit previdenciário e alta carga tributária. Não temos mais futuro para ser hipotecado ao presente, nem há mais espaço para se criar um invisível imposto inflacionário. Provou-se uma ingenuidade e uma temeridade a noção de que se poderia sempre gastar mais do que se arrecadava, pois o progresso assim induzido proporcionaria recursos para se cobrir os déficits, e assim sucessivamente. O crescimento foi de fato considerável, mas intercalado em "voos de galinha", onde os benefícios do pleno emprego eram logo em seguida anulados pela inflação que arruinava o salário dos trabalhadores. Nos anos 80, a conta chegou e a mágica nunca mais funcionou.

A conjuntura internacional favorável, em particular o impressionante crescimento chinês, permitiram a Lula um revigoramento tardio do velho nacional-estatismo. Mas conforme era esperado, não durou. Vê-se hoje que o surto de crescimento da Era Lula só foi possível porque havia estabilidade na moeda, o que permitia compras a crédito com juros minimamente razoáveis, então dava para o trabalhador "tirar" uma geladeira nas Casas Bahia pagando em 15 vezes. Se a inflação voltar, tudo isso acaba. O salário mínimo voltará a valer merreca, as bolsas e benefícios podem não ser cancelados, mas seu valor será irrisório. Tudo em prol do desenvolvimento.

Saudade do nacional-estatismo? Tenho mesmo é saudades do Nacional Kid.

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