Estou lendo o Guia Politicamente Incorreto dos presidentes do Brasil, de Paulo Schmidt. Seguindo a linha dos guias politicamente incorretos lançada por Leandro Narloch, não se trata de historiografia - não lança nenhum dado novo - mas de uma sátira enfatizando determinados aspectos da biografia dos presidentes, que sempre foram conhecidos mas nunca propriamente destacados pela historiografia oficial.
É uma leitura leve e divertida, mas eu procuro extrair o que é pertinente. Quem procura motivos para escarnecer dos presidentes por certo encontrará aí um prato feito, mas isso não me admira: todos os vultos históricos, sejam brasileiros ou de qualquer outra nacionalidade, se examinados com a acuidade suficiente revelam-se não mais que pessoas comuns, com seus erros e fraquezas, muitos devendo sua notoriedade menos ao talento pessoal do que à circunstância de estar no lugar certo na hora certa. A diferença entre eles e o comum dos mortais é que a narrativa histórica preocupou-se mais com os efeitos duradouros de seus atos do que com suas personalidades, de modo que as mesquinhezas e defeitos de suas vidas privadas foram esquecidos. Mas há sempre uma correlação entre o público e o privado.
Começando por Deodoro da Fonseca, o autor expõe aquilo que sempre se soube: o fundador da república nunca foi um republicano. Movido por interesses mesquinhos e contendas pessoais com figurões da política, deixou-se servir de joguete para os cafeicultores paulistas que queriam ascender ao poder mas não tinham espaço no sistema eleitoral do império, viciado por fraudes e de renovação lenta, com muitos cargos vitalícios ocupados por indivíduos oriundos de regiões que haviam sido economicamente importantes no passado, mas que estavam decadentes. Homem medíocre, Deodoro saiu melancolicamente da presidência, jogando no colo de seu sucessor um país em crise econômica e guerra civil. O autor chama a atenção também para um episódio pouco conhecido do período: o último gabinete do império, do visconde de Ouro Preto, estava efetivamente engajado em um amplo projeto de reformas que poderiam ter revigorado a monarquia brasileira, e mesmo lançado o país vários passos à frente da república - o projeto incluía até reforma agrária! Falácia? Com certeza. Mas dez anos antes, a abolição da escravatura mediante votação no parlamento também era falácia...
Floriano Peixoto, embora enaltecido com portentosos adjetivos nos livros escolares - o Marechal de Ferro - é mostrado em toda a extensão de sua mediocridade: um soldado rude, desprovido de ideias ou projetos, que embora tenha deixado um bom séquito de seguidores autodenominados florianistas, desconhece-se qual corpo de ideias os embasava - se Floriano deixou algum, não foi por escrito.
Prudente de Morais frequentemente "passa batido" nos livros escolares, mas o autor expõe a importância de seu papel em por fim às lutas despertadas por seus antecessores e organizar uma precária institucionalidade. Seu mandato ficou manchado pelo massacre de Canudos, mas o autor destaca que o recrudescimento do conflito ocorreu quando Prudente estava afastado por doença e o governo estava nas mãos de seu vice, Manoel Vitorino. Quando Prudente reassumiu o cargo, toda solução pacífica já havia se tornado inviável. Ao final de seu mandato, Prudente mostrou autoridade e mandou para a cadeia os últimos renitentes conspiradores florianistas.
O autor é bem crítico em relação a Campos Salles, o verdadeiro fundador da República Velha, leia-se o criador dos protocolos da política viciada que prevaleceram até o final deste período, da política dos governadores ao café com leite. Agindo como um aristocrata e oligarca na mais legítima acepção do termo, desta forma Campos Salles matou no nascedouro qualquer viabilidade democrática para a nascente república. Mas faltou destacar seu papel em reconstruir a economia e a credibilidade internacional do país após a fenomenal desordem legada pelo "encilhamento" de Ruy Barbosa, cujos efeitos nefastos ainda se faziam sentir.
Estou lendo agora Rodrigues Alves.
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