Enquanto o país afunda lentamente na crise, é impossível não especular que o tempo político de Dilma está se esgotando: ela não se move, e em breve não haverá mais espaço de manobra, então das duas uma, ou ela terá que formar um governo de coalizão estilo Itamar Franco pós-Collor, na prática abrindo mão do poder, ou deverá simplesmente renunciar, pressionada inclusive por seu próprio partido. Essa segunda hipótese ganhou mais força com a publicação de uma grandiloquente Programa Nacional de Emergência para a economia, contendo abertas críticas à política econômica da presidente e uma lista de propostas irrealizáveis, como o aumento do Bolsa Família, corte nos juros, gasto das reservas internacionais, isenção de imposto de renda para as faixas mais baixas e aumento de impostos para as "grandes fortunas". Nada surpreendente se viesse de algum partideco de esquerda independente, mas chama a atenção vindo do próprio partido da presidente.
Enquanto Dilma não se decide e digladia-se nos bastidores com seus correligionários, o episódio lança alguma luz sobre como é o PT por dentro e como esse partido estruturou-se ao longo do tempo. Confirma-se uma impressão que eu já vinha tendo: o PT é constituído de duas camadas. No alto a cúpula, fortemente hierarquizada e articulada politicamente, e por baixo a massa dos militantes, barulhenta e irresponsável, sem poder decisório, mas essencial para o agitprop. Essa massa de militantes forma a imagem visível do PT junto ao eleitorado, mas tal como moleque, é mandada ir brincar lá fora quando os adultos se reúnem na sala para falar de coisa séria.
Essa massa militante seria a matéria original de que se formou o PT, da qual saiu posteriormente a camada dirigente? Ou a camada dirigente sempre esteve no comando desde a fundação do partido, usando a camada militante como massa de manobra? Resposta difícil para quem não conhece o PT por dentro. Só tenho certeza de duas coisas. Primeiro, de que a cúpula petista tem de fato grande disciplina e competência para a realpolitik, haja visto o vasto leque de alianças que construiu e a intrincada complexidade dos esquemas de corrupção que montou. Segundo, que a camada militante é totalmente sem noção. Tal como o moleque que ao invés de ficar brincando lá fora insiste em aparecer na sala onde conversam os adultos, só diz besteira, atrapalha e irrita. No episódio corrente, sequer perceberam o quão inoportunos estavam sendo com seu programa estapafúrdio, que a presidente obviamente não será capaz de implementar e ficará desmoralizada - a menos, é claro, que o propósito deles tenha sido esse mesmo.
O que sucederá de agora em diante? As duas camadas do PT vão entrar em choque, causando a implosão do partido? Ou o petismo fenecerá melancolicamente em um governo de coalizão? Difícil dizer, mas seja qual for o desfecho, confirma algo que já é sabido de todos: esgotado o dinheiro, um governo socialista só permanece no poder se impuser alguma forma de ditadura. Essa crucial etapa de transição à ditadura parece estar falhando para todos os regimes do atual ciclo populista na América Latina.
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